Evanglicos que abusam de crianas 1w4ui

L longe, aqui perto, o problema est em todo lugar! possvel combater o abuso sexual de crianas perpetrado por pessoas envolvidas em ministrio pastoral ou ministerial? Ns, evanglicos, acreditamos com facilidade nas denncias de abusos cometidos por padres catlicos que usam de sua posio de autoridade e confiana comunitria para comprar o silncio de suas vtimas e perpetuar a situao abusiva. Ser que tal comportamento prerrogativa apenas dos religiosos no evanglicos? evidente que no! Assim como tambm evidente que algo mais preventivo precisa ser feito, como via de regra, em nossas comunidades de f para proteger as crianas dos lobos que por aqui se vestirem de ovelhas!

A ABWE (Association of Baptists for World Evangelism), uma agncia missionria norte-americana, acaba de publicar um relatrio no qual ela ite que as alegaes de assdio e abuso sexual de crianas que circularam por anos contra o missionrio Donn Ketcham eram, de fato, verdadeiras. O missionrio trabalhou como cirurgio em um hospital mantido pela misso no Bangladesh entre os anos 1961 e 1989. Sua vtimas incluem 4 mulheres e 18 crianas.

Todo o remorso, culpa ou vergonha do mundo no seriam suficientes para reverter o sofrimento e dor que causamos, afirmou Al Cockrell, presidente interino da ABWE, ao anunciar a publicao do relatrio. Nos dispomos a nos encontrar com as vtimas pessoalmente para expressar nosso pedido de perdo com um corao contrito; queremos custear o aconselhamento delas, e garantir para elas que estamos implementando as medidas necessrias para prevenir que comportamento to deplorvel venha a acontecer novamente.

As meninas, todas filhas de missionrios da mesma misso, hoje j so mes e em alguns casos avs. Esperaram por dcadas para que suas histrias fossem ouvidas e reconhecidas como verdadeiras. Este novo captulo est sendo escrito pela ao cada vez mais insistente de alguns grupos de filhos de missionrios, em sua maioria, egressos de internatos mantidos por agncias missionrias nos pases onde mantinham suas bases de operao. Wess Stafford, presidente emrito da Comion International, compartilhou em 2010 numa reportagem de capa da Christianity Today sobre os abusos sofridos quando criana e estudante de internato semelhante na frica Ocidental. [leia aqui o testemunho de Wess em portugus]. No caso da ABWE, todas as crianas moravam com seus pais numa base missionria.

Uma outra agncia missionria, a New Tribes Mission, com atuao global entre povos tribais, operou por vrias dcadas escolas para filhos de missionrios norte-americanos em regime de internato. Como o trabalho que realizam focado nas aldeias de povos indgenas onde no havia sequer a oferta de educao formal, sempre acharam justificvel oferecer para seus filhos uma educao mais compatvel com a que teriam nos Estados Unidos. Outras misses fizeram o mesmo, mas no com uma durao to extensa transpondo vrias geraes. H casos de filhos de missionrios egressos destas escolas que, hoje adultos, demandam o reconhecimento de que foram abusados ali e entendem que a agncia missionria mantenedora responsvel em parte pelos abusos sofridos. Eles acreditam tambm que internatos onde as crianas so retiradas da famlia protetora para viverem segmentadas por idade, longe inclusive de seus irmos, so ambientes propcios ao abuso. No Brasil, um destes internatos fechou, h vrios anos, o outro continua em funcionamento.

O Brasil tambm est neste mapa. Em 2013, o missionrio Warren Scott Kennel , 45, na poca atuando como enviado da New Tribes Mission, que traduzia a Bblia para a etnia Katukina no Norte do pas, foi interceptado ao entrar no Aeroporto Internacional de Miami. A polcia aduaneira vasculhou seus pertences e encontrou em seu computador e pendrives mais de 940 imagens pornogrficas envolvendo crianas. Em algumas delas Kennel era o prprio abusador. O missionrio foi preso, respondeu processo e cumprir 58 anos na cadeia por abuso sexual e participao na explorao sexual comercial de crianas.

Para qualquer lder de ministrio ou agncia missionria, este o seu pior pesadelo! Muitos tm dificuldade em aceitar que seus prprios colegas possam ter uma vida dupla to grotesca. E ns, cristos em geral, temos dificuldade em no taxar o grupo todo como responsvel pelas aes de uma pessoa, que oprimiu vidas inocentes anos a fio. por isto que iniciativas como a da Junta de Misses Mundiais (JMM) da Conveno Batista Brasileira so to relevantes e imprescindveis. A junta publicou no ano ado sua Poltica de Proteo da Criana. Tais polticas so documentos que preconizam as aes com as quais todos em uma organizao devem se comprometer para garantir a proteo de suas crianas. A recente publicao da poltica interna de proteo criana da JMM fruto de um trabalho srio de sua liderana que inclui prever aes que protejam as crianas que sero tocadas pela ao missionria em toda a sua rede. O manual aborda aes desde o recrutamento do candidato a misses at a sua manuteno no campo. A ideia ajudar os missionrios nos campos a agirem com mais clareza e rapidez quando suspeitam algum comportamento danoso de um colega ou associado e tambm formar nestes uma conscincia de agentes de defesa das crianas em primeiro lugar, acima inclusive, da imagem de sua instituio.

Para os que ouvem estas coisas e imaginam que o problema norte-americano, cabe uma pergunta: qual a chance de um missionrio brasileiro com o mesmo crime de Kennel, trabalhando no exterior, ser apreendido ao entrar no Brasil, ser encarcerado, julgado e condenado a 58 anos de priso? Temos o mesmo problema, mas o grau de impunidade que reina no Brasil nos ajuda a negar a sua existncia.

Elsie Gilbert jornalista e editora do blog da Rede Mos Dadas.

Imagem: Freeimages.com

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