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A crise yanomami 2f6s4u

Fatos, reflexes e abordagem na busca por solues permanentes

Por Cassiano Luz


A ampla repercusso da crise sanitria yanomami tem me trazido inmeras mensagens nos ltimos dias. So muitas perguntas, pedidos de esclarecimentos, sugestes e algumas crticas a um suposto silncio das organizaes missionrias e outras vozes evanglicas diante de uma situao calamitosa que teria ceifado mais de quinhentas vidas de crianas yanomamis nos ltimos quatro anos, conforme notcia que tem sido veiculada em diversos canais de imprensa.

Incapaz de dar conta de tantas interlocues, mas movido pela importncia que esse tema tem para mim pessoalmente, decidi repetir o formato que adotei anos atrs quando a pauta era o presumido risco de internacionalizao amaznica, escrevendo e compartilhando este texto no qual procuro ser o mais objetivo possvel acerca do assunto, mesmo sabendo que no tarefa fcil.

Antes de tudo, dois esclarecimentos importantes. Primeiro, no se trata de um texto cientifico. Neste momento, no estou buscando dados estatsticos atualizados nem confirmao de informaes mais precisas relativas a acontecimentos, datas e locais. Meu objetivo ampliar um pouco mais a discusso e mostrar que a temtica , de fato, mais complexa do que pode parecer. Segundo, no falo aqui em nome de nenhuma instituio, nem mesmo aquelas que represento. Trata-se de uma iniciativa e pontos de vista absolutamente pessoais, de algum que viveu e trabalhou por quase uma dcada entre os yanomami, dedicou bastante tempo estudando sua lngua e cultura, relacionando-se com eles, que tem profundo respeito por esse povo, e h mais de trinta anos mantem contato constante com os prprios yanomamis e com pessoas que trabalham h dcadas entre seus diferentes subgrupos, tanto no Brasil como na Venezuela.

No restam dvidas de que h uma crise sanitria em curso entre o povo yanomami. No posso afirmar que todas as tristes e comoventes imagens que esto circulando so atuais, e nem tenho condies de dimensionar a real extenso dessa crise, mas devemos estar conscientes de que sim, h fome extrema, ausncia de insumos e de assistncia adequada em boa parte da Terra Indgena Yanomami, e aqui me detenho queles que esto em territrio brasileiro. Dito isso, penso em pelo menos quatro aspectos que precisam ser abordados para trazer maior esclarecimento queles que esto interessados e preocupados em ajudar de alguma maneira.

1. O fator territorial
A Terra Indgena Yanomami tem mais de 190 mil quilmetros quadrados, 9,6 milhes de hectares de extenso em regio de selva amaznica, por onde esto espalhadas milhares de comunidades que representam quatro subgrupos principais e inmeros cls familiares. O o a essas regies muito difcil, sendo feito, na grande maioria dos casos, apenas em pequenas aeronaves, predominantemente avies monomotores que transportam tanto pessoal quanto insumos e mantimentos. Isso torna as operaes extremamente onerosas. Considere a imensa capilaridade de aldeias que precisam ser atendidas por terra a partir dos locais que possuem pistas de pouso, muitas vezes tendo que percorrer dias em mata fechada, e comece a vislumbrar a dificuldade de se manter equipes de sade em rea por longos perodos, por exemplo. Ao longo dos anos me convenci de que somente aqueles profissionais que abraam esse trabalho como uma causa pessoal, a partir de uma convico vocacional, so capazes de permanecer por perodos mais prolongados. Ao mesmo tempo, sem um nvel maior de comprometimento no se consegue comunicar de forma adequada com um povo predominantemente monolngue, no falante do portugus, em sua maioria, nem fazer diagnsticos mais precisos sem uma compreenso cultural mais aprofundada. So necessrios anos de dedicao para aprender ao menos um dos dialetos e ter uma compreenso adequada dos cdigos culturais yanomamis, o que no acontece sem um comprometimento pessoal intenso.

2. O modelo de gesto
No meu objetivo aqui entrar no mrito da comparao entre as istraes pblica e privada, mas fato que, historicamente, temos observado muitos problemas na gesto pblica, especialmente onde esto os maiores oramentos. A gesto logstica e de insumos na assistncia governamental devida aos yanomami tem sido problemtica h vrias dcadas, em diferentes governos. Conflitos de interesses, desmandos e corrupo tm sido recorrentes na gesto indgena yanomami desde sempre, alternando momentos melhores e piores. H um srio problema no prprio sistema que precisa ser revisto. No tenho nenhum receio em afirmar que os locais assistidos pelas agncias missionrias tm um resultado muitas vezes superior em termos de qualidade no atendimento e melhor qualidade de vida dos indgenas. Porem a atuao missionria e extremamente limitada em termos geogrficos.

3. A presena exploratria
Tambm no entrarei aqui na discusso sobre o modelo brasileiro de demarcao de terras indgenas, nem na poltica de proteo aos chamados povos isolados e de recente contato, apesar de entender que essa uma discusso importante e necessria. Mas fato que a presena hoje ilegal e exploratria dos recursos naturais, principalmente de ouro e de cassiterita no caso da rea yanomami, tem sido absolutamente nociva ao meio ambiente e s comunidades indgenas, direta e indiretamente. Vivi por quatro anos em uma comunidade yanomami no Alto Rio Mucajaí, distante 170 quilmetros da capital de Boa Vista, capital de Roraima. Esse rio onde minha filha mais velha aprendeu a nadar e de onde bebamos gua tranquilamente, hoje est praticamente morto, pela ao desenfreada e ilegal dos garimpeiros. Em uma simples busca no YouTube encontra-se um vdeo gravado em 2021 mostrando a comemorao de garimpeiros aps terem xito em desviar o curso do Rio Mucajaí para poderem garimpar em seu leito seco. No havendo o rio, com a presena de novas vilas de garimpo, no h mais peixes, a caa, outrora abundante, desparece, as doenas chegam em seu lugar. Ao mesmo tempo, as relaes que se estabelecem entre essas vilas e as comunidades indgenas representam outro problema gravssimo. Esses relances ora so conflituosas, frequentemente resultando em mortes por confrontos, ora so predatrias, j que o no-índio intruso a a oferecer quinquilharias e comidas industrializadas em troca do direito de permanecer em terra indgena, o que introduz novas vulnerabilidades e doenas, e alimenta um outro grande problema do qual falarei no prximo tpico.


Os yanomami foram vtimas de uma tragdia sanitria possivelmente bem maior que a atual, que teve seu auge no final dos anos de 1980, justamente pela invaso garimpeira, portanto no a primeira e, tremo ao dizer, provavelmente nem ser a ltima vez que veremos imagens como as que circulam hoje pelo mundo. Mas, a bem da verdade, preciso dizer que, sim, foi nos ltimos anos, com a retirada de diversas salvaguardas, que houve uma nova invaso garimpeira na regio.

4. O fator cultural
A alguns amigos mais conhecedores da realidade indgena, tenho perguntado nos ltimos dias se j viram os yekwana arem fome ou vtimas desse tipo de situao que hoje vemos entre os yanomami. Os yekwana so uma etnia de lngua karib, bem diferentes dos yanomami, que tambm vivem em territrio venezuelano e brasileiro. H trs grandes comunidades yekwanas vivendo dentro da Terra Indígena Yanomami, exatamente na mesma regio onde vivem os sanumb, um dos subgrupos yanomamis que est bastante vulnervel na atual crise. Os yekwana, entre outras caractersticas, so excelentes agricultores e exmios navegadores, experts na confeco de canoas e, por fatores eminentemente culturais deixando bem claro que no fao aqui qualquer juzo de valor entre uma ou outra cultura historicamente tm se mostrado muito mais resilientes no contato intercultural e muito mais eficientes na forma como lidam com crises de toda natureza.

Os yanomami, por sua vez, tm pelo menos duas caractersticas bastante marcantes que, me parece, os tornam mais vulnerveis nesse sentido do que seus vizinhos yekwana. A primeira chamarei de individualismo. No existem lideranas amplamente reconhecidas nas comunidades yanomamis. Quem espera, por exemplo, interagir com um cacique yanomami ou algo parecido, certamente ir se frustrar no final do processo. Para a segunda caracterstica cultural, pego emprestado do meu amigo, antroplogo e missionrio Ronaldo Lidorio, o que em seu Mtodo Antropos de Anlise Sociocultural ele define como culturas existenciais, aquelas que manifestam uma tendncia mais acentuada de viverem focadas nas experincias ativas, ou seja, as do presente, deixando para se preocupar com o futuro quando ele chegar. Culturas individualistas e existenciais, como a yanomami, mostram-se mais vulnerveis s interfaces com a cultura envolvente, que via-de-regra leva facilidades, bem ou mal-intencionadas, como a comida industrializada que aparentemente substitui o duro trabalho de abrir uma clareira no meio da selva e plantar as roas que garantiriam a alimentado nos perodos mais crticos, ou os esforos relacionados caa, pesca e coleta, por exemplo.

No tenho a pretenso de pensar que esses quatro aspectos resumem ou explicam a crise atual. No falei, por exemplo, sobre a epidemia de malria, que tem crescido assustadoramente na rea, como em tantas outras ocasies no ado. Eu mesmo enfrentei pelo menos nove malrias, duas delas resistentes, a maioria resultante das buscas ativas que fazamos para interromper o ciclo de contgio em regies endmicas na rea yanomami. H muitos anos sabemos como controlar a malria, mas no tem havido a mobilizao e investimento necessrios para faz-lo, ou pelo menos esses recursos no tm chegado onde deveriam, da forma como deveriam. Tivemos tambm a pandemia da Covid-19, entre outros fatores. Mas entendo que est posto o suficiente para que, humildemente, possa propor algumas sugestes para esse momento:

1.
Precisamos reconhecer que os problemas que afetam os yanomami so antigos, pelo menos cinco dcadas, e a crise que vemos agora j vimos muitas outras vezes. Isso no defesa ou ataque a um ou outro governo, mas sim uma constatao honesta. Por isso no creio que momento de gastarmos tempo e energia encontrando culpados para a situao atual. Se h responsabilidades a serem atribudas e contas a serem pagas com a justia, deixemos que as autoridades judicirias competentes cuidem disso. H outras aes que nos cabem e demandam nossa ateno.

2.
Como movimento missionrio evanglico e Igreja de Jesus Cristo, precisamos sair das nossas trincheiras e assumir compromissos mais amplos do que a atuado excelente, por sinal que temos concentrado em regies bastante especificas. Ningum conhece o povo, a lngua e a cultura yanomami como os missionrios! Simplesmente no faz sentido que estejamos fora dos debates acerca das solues que precisam ser buscadas para esse momento. H um grande e compreensvel receio por parte das organizaes evanglicas de se envolverem em iniciativas que visam pressionar e influenciar polticas e alocao de recursos pblicos, mas, nesse momento, precisamos pensar no bem dos mais de trinta mil yanomamis e no apenas daquelas poucas centenas com os quais atuamos diretamente. Ainda sonho com o dia em que, como evanglicos, teremos uma ao de advocacy mais robusta, profissional e sistemtica.

3.
Entre as aes apontadas no item anterior, precisamos pressionar as autoridades para que:
Sejam interrompidas imediatamente as atividades de garimpo na rea yanomami. Sabemos que possvel, j foi feito antes e pode ser feito novamente.
Sejam deflagradas aes de combate malria nas regies endmicas. J foi feito antes e uma necessidade urgente.
Sejam implementadas aes de socorro imediato nas regies onde esto ocorrendo mortes por desnutrio.
Seja revista toda a operado de logstica e alocao de recursos via Distrito Sanitrio Indgena Yanomami.

4.
Como Igreja de Jesus, precisamos perguntar antes de fazer. Pilotando o Programa Aliana Pela Vida, de respostas rpidas em emergncias humanas, da Aliana Evanglica Brasileira, temos aprendido que no momento da crise aguda muitas aes ineficientes acabam acontecendo de forma atabalhoada, gerando excesso de respostas a determinada demanda, enquanto outras permanecem descobertas. Corremos o risco, por exemplo, de ter muita comida represada em Boa Vista, RR, sem capacidade de transporte para dentro da rea yanomami. Por isso fundamental uma ao planejada e articulada com quem est na linha de frente.

5.
ado esse momento mais crtico, fundamental pensarmos em aes estruturantes de longo prazo, sob o risco de um assistencialismo que s venha agravar ainda mais a situao no futuro. Para isso tambm e necessrio ouvir, principalmente os yanomami e aqueles mais experientes e conhecedores da cultura yanomami e suas nuances. Talvez essa seja a tarefa mais difcil de todas, mas tambm a mais importante.

Seguimos pedindo a Deus que tenha misericrdia desse povo to sofrido e, eventualmente, nos d o privilgio de sermos parte da sua resposta.

Vinhedo, 22 de janeiro de 2023.
  • Cassiano Luz diretor executivo da Aliana Evanglica Brasileira, idealizador do Programa Aliana pela Vida que atua em situaes de catstrofes e emergncias humanas e missionrio da SEPAL - Servindo aos Pastores e Lderes. Foi presidente da Associao de Misses Transculturais Brasileiras (AMTB), onde colabora com o Departamento de Assuntos Indgenas (DAI) desde 2004, e foi diretor de operaes da Viso Mundial Brasil. bacharel em teologia e especialista em antropologia intercultural. Viveu na rea yanomami entre 1999 e 2006, onde atuou na educao bilngue e bicultural, serviu como intrprete, tcnico de enfermagem e microscopista em programas de ateno sade, educao e subsistncia.

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A matria de capa desta edio no s incentiva o leitor leitura regular da Bblia, mas tambm o encoraja a aceitar o desafio de olhar reverentemente para as Escrituras como um dirio de Deus, a partir da chave do amor.
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Crdito da imagem:
Marcelo Camargo/Agncia Brasil

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