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26 de fevereiro de 2021
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Protestantismo e brasilidade: contribuies de Robinson Cavalcanti 25312b

Por Fernando Colho Costa

O crescimento dos evanglicos no Brasil nas ltimas dcadas foi o responsvel tambm por sua pulverizao, pela percepo de que algo no deu ou no est dando certo e ao mesmo tempo o alimentador de um discurso de superioridade sobre outras religies, sobre o poder ou investidor de poder sobre o Estado e quem sabe de um messianismo sem o Messias.

por isso que nesses momentos de reflexo sobre o projeto evanglico para o Brasil, no podemos esquecer do intelectual evanglico Robinson Cavalcanti (1944-2012), que dedicou parte dos seus escritos a dialogar sobre o que chamou de exerccio da cidadania responsvel, isto , a implicao individual e social do impacto que o evangelho causa na vida dos convertidos ao seguimento de Jesus.

Foi a partir da experincia de converso pessoal que o jovem Robinson ou a mediar suas experincias e seguiu para o engajamento profissional e religioso, a partir dos princpios centrais da Reforma Protestante o que ele considerava importante na sua prtica religiosa. Para ele, estes princpios estavam presentes tanto na histria e tradio do catolicismo romano, quanto em movimentos posteriores entre os protestantes, aqui no Brasil tambm conhecidos como evanglicos.

O pensamento de Robinson, que teve como centro um conceito de Reforma, foi sendo forjado na interface dos jesutas e dos luteranos, no Recife, entre as dcadas de 1960 e 1970. Para que essa postura se sustentasse ele precisou desconstruir sua crena nos dogmas catlicos romanos quanto eclesiologia e a soteriologia, respectivamente, a busca pela definio de Igreja e da obra redentora de Cristo. J dentro do protestantismo, medida que ia conhecendo mais sobre as crenas e tradies, foi se deparando com o que ele chamou de reformados nominais, aqueles que pareciam crer de fora e diante da teologia liberal protestante, aqueles que descriam de dentro da Igreja.

Em dezenas de artigos publicados durante as dcadas de 1980 a 2010, e que serviram de fonte para o recm lanado livro Poltica, Religio e Sociedade: a contribuio protestante de Robinson Cavalcantiⁱ, encontramos parte do que ele pensava sobre que impacto a Reforma Protestante poderia causar no Brasil contemporneo atravs dos evanglicos. Os principais artigos sobre o assunto na Ultimato foram: Por um agiornamento evanglico, Protestantismo e brasilidade, Protestantismo: unidade e diversidade, Extico protestantismo de Contra Reforma, Protestantismo: Reforma e Contra Reforma, Porque no continuei catlico romano, Protestantismo brasileiro, A falta da Primeira Reforma: o valor da proposta original, O mais importante a Igreja, e Igreja: o futuro est no resgate do ado.

Seu olhar sobre os evanglicos brasileiros, com suas dinmicas e variveis teolgicas, culturais e institucionais, provocaram um estranhamento que o levou constante comparao entre o catolicismo e o protestantismo. Por isso, ao se referir histria da Igreja, quase sempre preferia denomin-la simplesmente de Igreja indivisa, expresso que se refere unidade de sentido da Igreja em todos os lugares e pocas.ⁱⁱ

Em Protestantismo e brasilidade, artigo de 1994, ele desafiou os evanglicos a promoverem a converso cultural do protestantismo brasileiro. Para ele, a Terra de Santa Cruz ainda espera uma igreja com a sua face, jovial, afetiva, plstica, mestia, de cultura luso-tropical. Ele se perguntava quando surgiria a igreja de sabor brasileiro e de alma verde-amarela, pois a histria do cristianismo j havia experimentado o sabor siriano, grego, russo, romano, ingls e norte-americanoⁱⁱⁱ. Se essa converso cultural por parte dos protestantes no acontecesse, dizia ele: [] apenas prosseguiremos inchando os nossos guetos aliengenas e alienados.

Para ele, [] aqui o protestantismo chegou como projeto influenciador da cultura e logo foi abandonado por um isolamento de contracultura por influncia neofundamentalista. Esse isolamento a que Robinson se refere foi provocado por um afastamento dos protestantes dos espaos de cultura nacional, como por exemplo, das artes, da poltica e da universidade.

Ele destaca que nem sempre o cenrio foi este, pois entre os primeiros grupos protestantes histricos no Brasil havia a conscincia de uma misso civilizatria que priorizava o contato com as elites e exemplificada pela presena dos colgios de vanguarda com a finalidade de ocupao de espaos sociopolticos. Afirma ainda que [] cedo surgiu uma classe mdia de formao universitria, com uma visibilidade social inclusive no campo poltico.

Como algum de formao escolar e universitria, e tendo feito carreira na universidade na rea das cincias humanas, Robinson era um entusiasta da universidade. Ele era um interessado em ver o protestantismo nacional sendo vinculado defesa da educao de qualidade, da intelectualidade e da cultura como projeto definido para o pas e promovido por princpios e crenas. Da porque sua postura era a de que os evanglicos deveriam criar pontes culturais que fugissem dos extremismos da adeso superficial ou da rejeio total, por exemplo, do calendrio folclrico.

Robinson era a favor de uma participao crtica de dentro (no de fora, de cima ou de baixo) do fato cultural. Nesse sentido, trs elementos teriam sido os impeditivos da aproximao artstica, cultural e intelectual dos evanglicos do que chamou de brasilidade:

o primeiro tem relao com a teologia presente na maior parte do protestantismo da segunda metade do sculo XX: a subjetividade, o alm, o futuro, o arrebatamento como nfase teolgica para os convertidos, para suas vidas, os deixam fora da cultura, na contracultura, na opo pela no-influncia;
a segunda dificuldade de aproximao dessa brasilidade foi o fato de os evanglicos terem feito a "opo pelo trabalho e a prosperidade como insero na vida econmica, mas no na vida cultural;
o terceiro impeditivo foi que o mundo evanglico repudiou, pelo menos por parte de algumas lideranas evanglicas, qualquer aproximao s cincias humanas. O que ele chamou de "um misto de desprezo e temor".

Quando Robinson Cavalcanti, j na dcada de 1970, percebeu que esse protestantismo brasileiro comeou a guinar para o isolacionismo em relao s cincias, poltica e tradio do cristianismo mediado pela Reforma, aconteceu o confronto direto com alguns setores internos do protestantismo, pois elementos culturais de outros pases haviam sido recebidos de forma iva, como se fossem contedo do cristianismo em si. Disse ele: os nossos seminrios, a literatura evanglica e a subservincia s mecas e gurus do Primeiro Mundo no nos ajudam na caminhada da inculturao e do autoctonismo.

Se os evanglicos brasileiros conseguissem romper com os elementos impeditivos dessa aproximao cultural e promovessem um protestantismo bblico em suas crenas e brasileira em suas prticas culturais, a sim teriam contribuies prprias a enriquecer o conjunto da cristandade e dariam um importante o na superao, em solo brasileiro, do incmodo ttulo de "apenas mestios saxonizados isolados em seus guetos.

Uma de suas principais contribuies foi insistir em um protestantismo que representasse o que houvesse de melhor [] no conhecimento cientfico, em termos de exerccio maduro da f e de uma teologia relevante para o cotidiano^iv. Que fizesse dialogar com o protestantismo a cultura nacional e que no obrigasse boa parte dos intelectuais a terem de decidir entre ser evanglico ou ter a sua obra reconhecida na cultura nacional. Um protestantismo que voltasse do triste caminho da "opo da no influncia", da absteno de estar nos "lugares altos" do nosso "mundo nacional" e que de uma vez por todas no esquecesse que protestantismo e intelectualismo so compatveis. Atravs de sua prpria trajetria, ele apontou um caminho possvel para o reencontro dos evanglicos com sua brasilidade.

NOTAS

ⁱCOSTA, Fernando Colho. Poltica, Religio e Sociedade: a contribuio protestante de Robinson Cavalcanti. Curitiba: CRV, 2020.

ⁱⁱCAVALCANTI, Robinson. O mais importante a Igreja. Ultimato, Viosa, MG, ed. 317, mar/abr. 2009.

ⁱⁱⁱCAVALCANTI, Robinson. Protestantismo e brasilidade. Ultimato, Viosa, MG, ed. 228, mai/jun.1994.

^ivCAVALCANTI, Robinson. A utopia possvel: em busca de um cristianismo integral. Viosa, MG: Ultimato, 1993.

>> Conhea o livro Ser Evanglico Sem Deixar de Ser Brasileiro, de Gerson Borges Martins

Robinson Cavalcanti (1944-2012): misso, chamado e teologia

Fernando Colho Costa

Fernando Colho Costa historiador, telogo, cientista das religies e pesquisador do Protestantismo Brasileiro. Atuou como Assessor da ABUB, como pastor e hoje est envolvido na Gerao de Lderes Jovens do Movimento Lausanne. autor de Poltica, Religio e Sociedade: a contribuio protestante de Robinson Cavalcanti (Ed.CRV). Siga no Instagram: @fernandocoelhocosta. Conhea o Instituto Robinson Cavalcanti.

Textos publicados: 9 [ver]

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