O gemido da criao e a misso da igreja 55f65

Por Timteo Carriker

H cerca de quinze anos conscientizei-me de que impossvel levar adiante o chamado para seguir a Cristo sem assumir a minha parte na sua misso de reconciliar consigo mesmo no apenas representantes de toda tribo, lngua, povo e nao (Ap 5.9), mas tambm todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos cus (Cl 1.20), porque Deus amou o cosmos de tal maneira que deu seu Filho unignito (Jo 3.16). A verdade de que a prpria criao esta criao e nenhum substituto futuro ser redimida tem algo a ver com os filhos de Deus, a saber, conosco (Rm 8.21). Desde ento, escrevi muito sobre o assunto e participei de eventos relacionados ao tema. Mas apenas recentemente tomei maior conscincia da gravidade da atual situao do nosso planeta, com a leitura de A Terra Inabitvel; Uma histria do futuro.¹

Estou consciente de que posso parecer um maluco ou simplesmente um equivocado ingnuo. Estou irresponsavelmente quieto h muitos anos. E agora estou inquieto como pastor que se preocupa com o rebanho e como missilogo que quer insistir sobre qual a nossa misso aqui na terra.

Todas as informaes citadas neste artigo, exceto quando houver outra indicao, foram retiradas do livro citado. Os dados vm das fontes mais seguras possveis.

Por que essas informaes vm tona apenas agora se elas comearam a surgir no final do sculo 19? Cientistas costumam ser ultraconservadores e tm medo de serem percebidos como alarmistas. A respeitada revista Nature apresentou as concluses de uma pesquisa sobre os motivos por que os cientistas no tm sido mais frequentes em tocar o alarme e, efetivamente, acabou dando licena para eles alertarem com mais afinco sobre as constataes dos seus estudos.

O estado atual do planeta

A lentido da mudana climtica um mito, talvez ainda mais perigoso do que a sua negao. A mudana j comeou. O planeta est agora quase um grau mais quente do que estava antes do processo de industrializao, de acordo com a Organizao Meteorolgica Mundial (OMM). O aumento de um grau em mdia da temperatura do planeta significativo, e mais preocupante a velocidade com que est aumentando. Hoje, estamos acrescentando carbono atmosfera um dos principais motivos do aquecimento a uma velocidade cem vezes maior do que em qualquer outro perodo da histria humana antes da industrializao no sculo 18.

A principal causa do acrscimo de carbono na atmosfera a queima de carvo e outros combustveis fsseis, tal como o petrleo, na indstria e em vrios outros setores, como o da aviao. Metade desse carbono foi acrescentado durante os ltimos trinta anos. Ou seja, fizemos mais dano ao planeta e sua capacidade de sustentar a vida nos ltimos trinta anos do que em todos os sculos anteriores. Nesse ritmo, se no houver mudanas (econmicas e polticas) radicais, poderemos chegar a um aumento (em mdia) de 4 graus Celsius at 2100. O custo financeiro ser de 600 trilhes de dlares, mais que o dobro da riqueza do mundo hoje. Se isso de fato acontecer, no final do sculo, grandes reas em todos os continentes sero inabitveis, pelo calor direto, pela desertificao e pelas inundaes. No ser o meu mundo. Mas ser o mundo dos meus netos e bisnetos. Lembremo-nos do absurdo da escravido, permitida e propagada pelos nossos tataravs. E ns, como seremos lembrados pelas geraes futuras?

As mudanas climticas esto ganhando cada vez mais frequncia e velocidade. E isso mudar, assim espero, a maneira como pensamos sobre o discipulado, a espiritualidade e a misso da igreja.

Em 2011, 1 milho de refugiados srios chegaram Europa por causa de uma guerra civil inflamada pela mudana climtica e suas consequentes seca e fome. Grande parte do movimento populista pelo qual o Ocidente est ando hoje, especialmente os Estados Unidos e agora o Brasil, resultado do pnico gerado pela chegada dessas ondas migratrias. Inundaes previstas em Bangladesh ameaam aumentar dez vezes esse nmero de refugiados. E deve haver mais refugiados da frica subsaariana, da Amrica Latina e da sia. As projees das Naes Unidas indicam que 200 milhes de pessoas tero de deixar o lugar em que vivem por problemas ambientais at 2050.

Desde 1980, o planeta j experimentou um aumento de cinquenta vezes no nmero de ondas de calor. Os cinco veres mais quentes da Europa desde 1500 ocorreram a partir de 2002. Em 2010, 55 mil pessoas morreram em consequncia de uma onda de calor que atingiu a Rssia. Atualmente h 354 cidades ao redor do mundo com temperaturas mdias mximas de 35 graus ou mais. At 2050, sero mais de 970 cidades expostas a esse calor.

H uma regra de produo agrcola. Para cada grau de aquecimento a produo diminui em 10%. Se o planeta aquecer 5 graus at o final do sculo, a produo diminuir em 50%, sendo que a populao ser 50% maior. O clima aquece a rea de solo frtil, a qual se desertifica cada vez mais.

Em agosto e setembro de 2017 trs furaces de grande intensidade se levantaram no Atlntico de uma s vez. E cada um deles foi anunciado como um evento que ocorre a cada 500 mil anos. 45 milhes de pessoas foram deslocadas de suas casas no sul da sia devido a inundaes, e incndios sem precedentes transformaram boa parte da Califrnia em cinzas. As inundaes quadruplicaram desde 1980 e aumentaram duas vezes mais desde 2004.

Atualmente, a floresta amaznica sozinha absorve 25% do carbono absorvido pelas florestas do mundo. Com as perspectivas de abertura, por parte do governo brasileiro, da Amaznia para a explorao comercial, o ritmo de desflorestamento aumentar. Um grupo de cientistas brasileiros calculou que entre 2021 e 2030 o programa de desflorestamento liberar 13,12 gigatoneladas de carbono na atmosfera, um impacto duas a trs vezes maior que o impacto anual de toda a economia dos Estados Unidos com todos os seus avies, automveis e indstrias.

Soluo?

Embora muitas organizaes, comunidades e governos estejam atacando o problema da mudana climtica e haja exemplos alentadores ao redor do mundo, no h soluo global alguma considerada vivel no futuro prximo. Tecnologias para extrair carbono da atmosfera j existem, mas so caras e exigiriam uma escala de produo simplesmente inimaginvel.

H duas incertezas acerca desse assunto. A primeira diz respeito resposta humana. O que faremos e com que velocidade e intensidade agiremos? importante lembrar que muitos governos e lderes mundiais discordam das constataes e recomendaes dos cientistas climticos. A segunda incgnita como o clima vai responder s medidas humanas. Essas questes esto sendo analisadas por cientistas e organizaes mundiais h tempos. As informaes finalmente chegaram at ns e talvez voc, assim como eu, se sinta pasmado. Precisamos de medidas drsticas e imediatas, especialmente no mbito poltico, pois o tamanho do problema j ultraou os limites das aes meramente individuais, por mais importantes que estas sejam.

A misso da igreja

Qual a nossa misso como discpulos de Cristo e como corpo de Cristo? Qual foi a orientao incessante de Jesus em relao ao discipulado seno o simples Sigam-me? E como se entende isso? Geralmente pensamos nas coisas que Jesus fazia e falava durante o seu ministrio, como cura, ensino, proclamao e sua vida ntima de orao. claro que essas atividades servem de modelo para ns. Mas pensemos no que Jesus est fazendo hoje e como podemos e devemos segui-lo nisso. verdade que ele est destra do Pai respondendo s nossas oraes e recebendo os nossos louvores. Porm, o Novo Testamento diz claramente que ele est convergindo todas as coisas, tanto as celestiais quanto as terrestres, a si mesmo (Ef 1.10). O final do mesmo captulo declara que, para Jesus ser a cabea sobre todas as coisas, Deus criou a igreja. Ou seja, ns somos as mos e os ps de Jesus para sincronizar tudo neste mundo a ele. Jesus est sujeitando todos os seus inimigos debaixo dos seus ps (1Co 15.23-28). Em Efsios, esses inimigos so chamados de principados e poderes nas regies celestiais, e cabe igreja anunciar a esses poderes a multiforme sabedoria de Deus (Ef 3.10). Logo, nosso papel o de sermos instrumentos de Deus para o resgate de cada centmetro do nosso mundo e da nossa histria para Cristo. isso que Paulo quer dizer quando afirma: Portanto, por meio do Filho, Deus resolveu trazer o Universo de volta para si mesmo. Ele trouxe a paz por meio da morte do seu Filho na cruz e assim trouxe de volta para si mesmo todas as coisas, tanto na terra como no cu (Cl 1.20). Somos emissrios de Cristo para resgatar a criao para ele. Ou, usando a linguagem de Romanos 8, toda a criao est olhando e esperando em ns a sua prpria libertao (v. 20-23). E pergunto: o que devemos fazer para cumprir a misso de Deus?

Em termos da nossa misso, continuemos a pregar o evangelho, a plantar igrejas, a exercer ministrios de misericrdia e a alcanar os menos alcanados. E continuemos a treinar a prxima gerao a fazer o mesmo. O que mudar ento? Muita coisa!

Nos prximos trinta anos as enchentes (muito mais severas), as secas (mais intensas), o aumento do poder destrutivo dos furaces e as guerras traro um maior nmero de vtimas, famintos e refugiados. E a igreja ter uma oportunidade indita de no somente amar a Deus com todo o seu louvor e culto, mas tambm de amar o seu prximo cada vez mais prximo e em maior nmero como a si mesma, refletindo de modo concreto a compaixo de Deus, seguindo o modelo da igreja primitiva, que durante os primeiros trezentos anos demonstrou o amor do Senhor em meio s epidemias que varriam o imprio.

Diante da nossa sorte nas prximas dcadas, melhor nos prepararmos para alm da nossa religiosidade e das pequenas preocupaes na atualidade.

Deus soberano? Ele prover? Ele cuidar de tudo isso? Sim! Novos cus e nova terra so promessas dele! Mas o aquecimento global no sua responsabilidade. A responsabilidade nossa. E o Deus soberano, o Deus-que-prov, cuja tarefa redimir todas as coisas no cu e na terra em Cristo Jesus (Cl 1.23), deu a ns, seu povo, corpo de Cristo, a responsabilidade de cuidar da criao amada por ele. O que voc far? O que ns faremos? Devolveremos a Deus a incumbncia que ele nos deu?

Timteo Carriker telogo, missionrio da Igreja Presbiteriana Independente, capelo dA Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Editora Ultimato, autor de A Viso Missionria na Bblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro. blogueiro do portal Ultimato.

Nota
1. Wallace-Wells, David. A terra inabitvel; uma histria do futuro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2019.

[Foto da srieLgrimas do Rio Doce, de Leonardo Meron, 2016]

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>> Conhea o livroAssim na Terra como no Cu, de Gnia Csar Bontempo, org..

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