Por Jonathan Silveira

Ser negro nos Estados Unidos sempre foi arriscado. No entanto, ser negro nos Estados Unidos (principalmente no sul) durante o auge da segregao racial dos anos 1950-1960 era praticamente uma sentena de morte. Uma familiarizao ainda que superficial com a histria dos direitos civis americanos mais do que suficiente para evidenciar os inmeros e inmeros casos estarrecedores de intolerncia, fanatismo e crueldade perpetrados contra negros. Muitas dessas histrias trgicas j foram contadas em livros, documentrios, filmes, na msica e na arte em geral. Dentre essas histrias, uma das mais hediondas, sem dvida, a histria de quatro garotinhas negras que foram covardemente assassinadas por membros da Klu Klux Klan durante um culto em uma igreja batista na cidade de Birmingham, Alabama.
Birmingham a cidade das bombas
O Alabama dos anos 1960 governado por George Wallace famoso pela frase segregao hoje, segregao amanh, segregao sempre! , era marcado por prises, linchamentos, castraes, jatos de gua e uso de ces e de bombas contra negros. Embora esta fosse, de modo geral, a realidade em grande parte do sul dos Estados Unidos, Birmingham, contudo, era a cidade mais segregada, sendo, segundo Martin Luther King, o smbolo do ncleo de resistncia integrao. Havia tantas exploses de bombas plantadas por brancos em casas de bairros negros em Birmingham que a cidade chegou a ser tristemente apelidada de Bombingham. Por esses motivos, o Dr. King decidiu incluir Birmingham em sua rota de manifestaes e protestos no violentos (o que o levou a ser preso e a escrever um dos documentos mais importantes e famosos da histria dos direitos civis: Carta de uma cadeia de Birmingham).
A Igreja Batista da Rua 16

O ponto de encontro dos lderes dos direitos civis em Birmingham era a Igreja Batista da Rua 16, que era um local bastante estratgico. Martin Luther King, Ralph Abernathy e Fred Shuttlesworth se encontravam no local para organizar e instruir as pessoas no violncia em suas manifestaes pelo registro eleitoral de negros na cidade. Os encontros e os planos integracionistas da comunidade negra geraram grandes tenses na cidade e a Klu Klux Klan, sentindo que havia uma ameaa comunidade branca, decidiu pr em prtica seu plano diablico.
Quatro crianas inocentes

O dia 15 de setembro de 1963 era dia do Senhor, dia de culto na Igreja Batista da Rua 16. Naquela triste manh de domingo, quatro supremacistas brancos (Thomas Edwin Blanton Jr., Herman Frank Cash, Robert Edward Chambliss e Bobby Frank Cherry) plantaram pelo menos 15 bananas de dinamite embaixo dos degraus que davam o porta principal da igreja, prximo ao poro. Dentro da igreja estavam quatro crianas preparando-se para o culto. A exploso que se seguiu foi to poderosa que danificou janelas de imveis que estavam localizados a uma distncia de dois quarteires. Naquela manh os terroristas, guardies do
status quo, tolheram as vidas de Denise McNair, de 11 anos, Cynthia Wesley, Carole Robertson e Addie Mae Collins, tendo estas 14 anos de idade.
Elas no morreram em vo
Martin Luther King, profundamente comovido com a tragdia, foi a Birmingham para participar do funeral das garotinhas. Em um momento tocante de sua eulogia, ele declarou:
Elas no morreram em vo. Deus ainda tem uma forma de extrair o bem do mal. A histria tem mostrado repetidas vezes que o sofrimento imerecido tem um poder redentor. O sangue inocente dessas garotinhas pode muito bem servir como a fora redentora que trar uma nova luz a esta cidade sombria. [] O sangue derramado por estas meninas inocentes pode obrigar todos os cidados de Birmingham a transformar o extremismo negativo de um ado sombrio no extremismo positivo de um futuro brilhante. Na verdade, este evento trgico pode forar o Sul branco a se confrontar com sua conscincia. [] Espero que possam encontrar algum consolo na afirmao do cristianismo de que a morte no o fim. A morte no um ponto-final que interrompa a grande sentena da vida, mas uma vrgula que acentua seu significado mais sublime. A morte no um beco sem sada que conduza a raa humana a um estado de nulidade, mas uma porta aberta que leva o homem vida eterna. Que essa f ousada, que essa noo invencvel sejam o poder que os sustente durante estes dias de provao. (A autobiografia de Martin Luther King. Organizador: Clayborne Carson. Tradutor: Carlos Alberto Medeiros. Ed. Zahar, p. 277-278)
Nenhuma autoridade branca estava presente no funeral.
Esse episdio terrvel, afinal, acabou sendo uma virada no movimento dos direitos civis, contribuindo para a aprovao do Ato dos Direitos Civis de 1964 no congresso americano.
Quatro Meninas Uma Histria Real

Em 1997, Spike Lee lanou um excelente e elucidativo documentrio sobre o atentado. O documentrio se chama Quatro Meninas Uma Histria Real. Lee fez um trabalho minucioso, entrevistando autoridades da poca do atentado, bem como os familiares das quatro garotinhas. H um momento no documentrio que chamou minha ateno e foi especialmente tocante. Quando June Collins, irm de Addie (uma das crianas mortas), comenta sobre a exploso, ela desabafa:
Foi uma experincia devastadora. Eu tambm tive vrios ataques de pnico. No ado, eu tinha medo de estar fora ou dentro de qualquer lugar. Mas o bombardeio aconteceu numa igreja, onde uma pessoa se sente segura, ou acha que est segura. De todos os lugares, uma igreja.
isto. Uma igreja. A natureza sagrada de um lugar que deveria ser respeitado por todos como um porto seguro, um refgio, um abrigo inviolvel, foi simplesmente ignorada porque almas negras dessacralizavam o lugar. O pior de tudo que esse ataque terrorista no foi perpetrado por radicais anticristos (de fato, ningum se sentiria seguro em uma igreja enquanto vive em um ambiente hostil ao cristianismo). No, esse atentado terrorista foi perpetrado por pessoas brancas, autodeclaradas conservadoras nos costumes e imbudas de um esprito cristo. Quem esperaria ser atacado por essa gente de bem e, acima de tudo, em uma igreja">7 dicas para educar crianas contra o racismo em casa e na igreja