Morreu um menino. Morrero outros... 5s4f

Prateleira um espao editorial. Aqui, em especial, relacionamos as Escrituras com notcias. Trabalhamos para criar uma mentalidade bblica e desenvolver a arte de encarar os acontecimentos sob a tica crist.

Hoje abrimos exceo. O espao deixa de ser editorial, mas sua funo permanece. A propsito da barbrie que todos acompanhamos na ltima semana, nos indignamos junto com Ricardo Gondim.

Ira

por Ricardo Gondim

Sou pastor de uma comunidade crist em So Paulo; lidero uma rede de igrejas espalhadas pelo Brasil, somando entre 20 e 25 mil pessoas; conduzo um programa de rdio dirio tambm em So Paulo; escrevo para duas revistas de circulao nacional e, porque mantenho um site na internet, sinto-me membro da novssima comunidade dos blogueiros.

Apesar disso, minha capacidade transformadora pfia. Minha voz, semelhante a de milhes de brasileiros, no representa quase nada; no sou conhecido das elites, nunca estive na presena de um presidente da repblica e jamais usei um aporte diplomtico.

Partilho do sentimento de impotncia que toma conta dos meus irmos. Sinto-me frustrado, revoltado, irado, indignado, sei l que expresso usar, com tudo o que ocorre na minha terra.

Assisti a eleio dos novos presidentes da Cmara dos Deputados e do Senado com uma vontade louca de comprar um megafone, ir para a Braslia, e ficar gritando palavres em plena praa pblica. Tive impulso de chamar aqueles polticos arrumadinhos, empertigados dentro de seus ternos novssimos, posando, feito jacus, para fotografias, com as palavras mais chulas da gria portuguesa. Entendo que o jogo poltico necessrio; sei que disputas de poder acontecem em todas as instituies; compreendo que ruim com os deputados, pior sem eles.

Ningum precisa me dar aula de democracia (sou filho de um preso poltico na ditadura e sei o horror dos tiranos), mas, mesmo reconhecendo a necessidade das instituies, fiquei vermelho de raiva com a inaugurao do novo Congresso. Vejo meu pas sangrando e os mesmos chaves sendo repetidos. Sinto que vivemos em meio a um desdm aviltante.

Ningum mais se lembra da aluna de uma universidade do Rio de Janeiro, vtima de uma bala perdida, e que ficou tetraplgica; ningum mais se lembra daquele senhor que chorava enquanto desenterravam seu filho de debaixo da cama de um soldado da Polcia Militar; ningum mais se lembra da fotografia de uma adolescente se prostituindo, sentada no colo de um velho nojento do Amazonas; ningum mais se lembra das mes que enterraram seus filhos, mortos por falta de asseio numa Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital pblico. Dois dias depois das tragdias, chegam outros sinistros mais pavorosos e vamos nos acostumando; de horror em horror chegaremos no inferno preparado pelos prprios brasileiros.
Querem saber? Chega...

Para mim chega, j que os evanglicos degringolaram e hoje a grande maioria dos freqentadores dos cultos composta de pessoas infantilizadas pela religio; noto que o movimento do qual j fiz parte no se importa com a justia nacional, no chora com os que choram e no defende o direito dos mais frgeis. Eles se renem em seus auditrios com uma nica preocupao: ar o divino, para se safarem.

Para mim chega, j que vejo a elite burguesa se locupletando h sculos, sem que ningum consiga faz-la mudar. Ela preguiosa, mesquinha, egosta e insensvel misria que vive do outro do lado do muro de seus condomnios. A elite brasileira se preocupa prioritariamente em blindar seus carros, freqentar desfiles de moda bregussimos em shoppings centers, freqentar os mesmos cabeleireiros badalados e caros das modelos analfabetas, sair, feito papagaio de pirata, nas pginas das revistas de fofoca e comprar roupas em Miami. Ela no est nem a para a misria que cresce sem parar.

Para mim chega, j que os intelectuais nacionais atolaram na irrelevncia de seu esnobismo; trancaram-se em suas torres de marfim, com textos hermticos e propostas mirabolantes e inteis dos tericos de direita ou de esquerda.

Imvel e impotente, tenho vontade de chutar o mastro central desse grande circo de lona rasgada chamado Brasil.

No amos de um povinho sem sangue nos olhos, uma nao sem brios.

Faltam poucos dias para o pas parar de novo para ver as escolas de samba, patrocinadas pelo trfico, desfilarem a nudez das mulheres mais deslumbrantes que nossa raa produziu.

Os poucos gringos com uma libido maior que o medo de morrer, vo babar. E ns, sentaremos em nossas poltronas por quatro dias, embriagados de cerveja e sexo esqueceremos que j perdemos nossa alma.

Morreu um menino e estou com asco dos brasileiros que elegeram o Clodovil, o Maluf, o Genono, o Palocci, o Collor, o Sarney e toda aquela farsa chamada de Congresso Nacional. Sinto nuseas e o meu inferno so os prprios brasileiros.

Morreu um menino e no posso dormir sem antes dizer que, se pudesse, diria aos meus patrcios que a nossa perversidade est transbordando a medida da ira divina.

Morreu um menino, mas o pior ainda est por vir.

Morrero muitos outros e continuaro as mesas redondas de idiotas discutindo as fofocas do futebol.

Morrero muitos outros e a Daslu continuar vendendo calas jeans de 2 mil dlares.

Morrero muitos outros e alguns poucos continuaro tomando vinho de 7 mil dlares em banquetes faustosos.

Morrero muitos outros e os pastores continuaro prometendo abrir portas de emprego para quem der dinheiro em seus cultos.

Cansei do deboche e no sei o que fazer. Estou revoltado com o cinismo e no sei para onde me voltar.

Antes que esquea: o nome do menino era Joo Hlio e seus pais ainda esto chorando muito...

Soli Deo Gloria.



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Excelentssimos Senhores, de Rubem Amorese

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Paternidade e Ira Urbana, de Rubem Amorese