Epifania: um olhar sobre a violncia de nossos dias 3j6z7

Derval Dasilio

Observe um quadro, na verdade, entre os que melhor transmitem todo o desespero advindo da violncia, que intemporal numa sociedade, na guerra ou no terrorismo do crime organizado e da represso policial inconsequente nas favelas das nossas cidades. Inocentes, pobres, desprotegidos, so vtimas preferenciais da violncia. Guernica retrata um dia fatdico, trgico. Demonstra os resultados do bombardeio nazifascista. Franco e Hitler o haviam autorizado. Uma vila espanhola com pouco mais de sete mil habitantes teve metade de sua populao morta pelas metralhadoras nazistas. Estranha coincidncia com o fatdico 11 de setembro de 2001, no desabamento das torres gmeas de Manhattan, Nova York.

Picasso comps esse monumento insanidade da violncia enquanto desenhava um cavalo e um touro, como se quisesse compar-los mula e ao boi dos prespios natalinos -- to dbeis e frgeis em sua mansido, mas engrandecidos na representao de sofrimento, angstia e loucura que alcanam criaturas inocentes numa guerra inexplicvel. Exemplarmente: Guernica abrigaria revoltosos e inconformados com a violncia fascista na Espanha. A violncia sufocante, hoje, explorada ad infinito, impe-se tambm pelo extermnio das sementes de liberdade, enquanto se insufla o medo sem apresentar uma crtica real sobre sua origem.

Junto ao touro e ao cavalo o pintor colocou uma pomba moribunda. Por qu? Ali est a simbologia do Divino. O Esprito Santo de Deus testemunha a brutalidade da violncia. Est identificado com os que sofrem, vtima solidria na indstria de mortes violentas com as quais nos revoltamos ou nos conformamos. , no entanto, Epifania; Deus se revela entre homens, mulheres e crianas brutalizados, que proclamam: Deus, solidrio, est no meio de ns.

O testemunho de Picasso vlido para todos os tempos. Corpos mortos, almas feridas pela destruio daquilo que lhes vale mais, desde a cultura at os melhores valores ticos estraalhados, compem o cenrio de horror. Bem prximo da pomba, o pintor espanhol pintou raios de uma luz misteriosa, sinal de iluminao interior, protegidos dos bombardeios exteriores; uma espcie de couraa garantidora da esperana de liberdade (sperma=semente).

Exterminam-se sementes de liberdade enquanto se insufla o medo. Homens e mulheres tm medo de sair nas ruas. Mas a doutrina trinitria do reino de Deus a doutrina da liberdade. O Filho comunica, na mtua participao da vida indestrutvel, que cada homem e cada mulher se tornam livres para alm dos limites da sua individualidade, e descobrem o espao vital comum da sua liberdade. Esse o aspecto essencial da liberdade. O seu nome amor e solidariedade.

Experimentamos nele a unio da diversidade dos indivduos e a unio das coisas que foram separadas fora, pela violncia. O Esprito Santo de Deus testemunha a violncia contra a liberdade. Ele est no cotidiano, solidrio, gemendo de dor com o sofrimento humano: "O Esprito intercede por ns com gemidos inexprimveis" (Rm 8.26). As vtimas da fbrica de mortes violentas, com as quais nos conformamos, reclamam da indignao dos crentes, porque Deus j est indignado com o sofrimento imposto pela criatura prpria criatura.

Um Deus imvel e aptico no poderia ser colocado como fundamento da liberdade humana. Um soberano absolutista no cu no encoraja nenhuma liberdade sobre a terra. Somente o Deus sofredor e apaixonado, que vem aos homens, e por fora da sua paixo pelo homem, capaz de fazer com que exista a liberdade humana. Ele oferece nossa liberdade o seu divino espao vital. O Deus uno e trino, que realiza o reino da sua glria em uma histria de criao, libertao e glorificao, solidariamente deseja e alicera a liberdade humana, e dispe o homem incessantemente para a liberdade (J. Moltmann). Resta-nos comemorar, nesta Epifania, a presena do Pai, do Filho e do Esprito Santo. Deus est conosco para sempre.
Kyrie eleison