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15 de julho de 2024
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Filosofia da Religio Uma introduo 442d4f
Por Davi Bastos
Resenha:Filosofia da religio uma introduo
Que livro maravilhoso! Qualquer um consegue ler e entender, mesmo o assunto sendo bem abstrato. Esse foi o que recebi de um professor universitrio sobre Filosofia da religio uma introduo, de William Rowe. A clareza, simplicidade e conciso, assim como a ateno histria da filosofia, fazem desse livro a principal introduo filosofia da religio no mundo. A presente traduo brasileira foi feita a partir da quarta edio anglfona, de 2006, com vrios acrscimos e melhorias em relao primeira edio de 1978. Rowe faleceu em 2015, de modo que essa provavelmente a ltima edio que ser feita seria muito difcil para qualquer filsofo emular a fluida e informativa escrita de Rowe em captulos adicionais.
O ncleo do livro a discusso filosfica sobre a existncia ou inexistncia de Deus. Primeiro, Rowe caracteriza (no captulo 1) a noo de Deus a ser investigada filosoficamente. Ele afirma que o que explorar no livro a existncia ou inexistncia do Deus testa: isto , um ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno [] e autoexistente. Tesmo a crena na existncia de um ser com essas caractersticas, e atesmo a crena na inexistncia de um ser com essas caractersticas. Esse uso regimentado de tesmo e atesmo se distingue do uso comum no dia a dia: na terminologia de Rowe, o telogo protestante Tillich atesta, pois rejeitava a crena no que chamamos de Deus testa, ainda que, no uso corrente da expresso, Tillich fosse testa, porque acreditava em uma realidade divina, embora diferente do Deus testa.⁴
Esclarecida a questo acerca de que tipo de ser esse que se quer saber se existe ou no (ou que se quer saber se h boa base filosfica para defender sua existncia ou inexistncia), Rowe a a discutir os argumentos favorveis existncia de Deus que partem puramente do raciocnio filosfico, independentemente de qualquer texto ou tradio revelada. Ele inicia com o argumento cosmolgico (captulo 2) que defende que todo evento possui uma causa, ento, deve haver uma primeira causa de tudo que no seja ela mesma causada por nada, e que seja distinta de si mesma. Rowe evita a linguagem causal, contudo, atendo-se noo de explicao. Esse movimento provavelmente fruto da terminologia filosfica analtica que, seguindo David Hume, opta majoritariamente por separar o termo causa apenas para causas eficientes, isto , grosso modo, causas do domnio da fsica.⁵ As outras causas de Aristteles adotadas na filosofia medieval seriam, na verdade, tipos de explicao (causas material, formal e final).⁶ Nenhuma dessas complicaes do pano de fundo, contudo, so apresentadas para o leitor, que pode seguir a leitura fluidamente entendendo o argumento cosmolgico como um argumento acerca de seres explicados por outros seres, seres no explicados por outros e seres explicados por si prprios. Rowe explica e analisa cada premissa pormenorizadamente, de forma a elucidar o que est em jogo aqui, e tambm apresenta as foras e fraquezas desse argumento.
A mesma ateno recebida pelo argumento cosmolgico dada ao argumento ontolgico (captulo 3) e ao argumento do projeto (captulo 4). Talvez o leitor conhea o argumento do projeto pela alcunha de argumento do design. Como editor da srie Filosofia e F Crist, da qual este livro parte, creio que cabe aqui uma explicao editorial. Sou o culpado por essa traduo de design por projeto. Em primeiro lugar, simplesmente deixar a palavra design em ingls deveria ser um ltimo recurso. Ainda que tenha sido uma opo amplamente adotada em tradues para o portugus, no uma traduo, e, tendo boas opes, no vejo por que seria necessrio apegar-se a essa tradio de traduo. Em segundo lugar, a palavra ambgua e cheia de nuances em ingls, o que muitas vezes gera confuses em portugus por no conhecermos as nuances da palavra. perfeitamente plausvel, em ingls, que um ateu afirme que o universo manifesta design. Essa afirmao no o compromete com a tese de que h um designer, um projetista do universo. Por que no? Porque ele no est usando a palavra design no sentido de que h um projeto, mas de que h uma ordem ou funcionalidade na natureza. O argumento do design no um argumento de que h ordem ou regularidade na natureza, mas sim um argumento de que a melhor explicao para tal ordem a existncia de projetistas (ou um nico projetista) que ordenaram a natureza de acordo com seu projeto. No um argumento da ordem, portanto, mas um argumento do projeto. Isso importante porque, por vezes, uma falcia de equivocao usada para dizer que algum se comprometeu com a existncia de Deus: se algum concede que h design, ento concede que h um designer.⁷ Isso seria uma falcia se a pessoa em questo no estiver usando o termo design no sentido de projeto, mas sim no sentido de ordem. Para benefcio do leitor, portanto, optamos por traduzir design ora por projeto, ora por ordem ou funcionalidade. Deixamos marcado entre colchetes, contudo, todas as principais ocorrncias de design.

Aps ar pelos trs principais argumentos a favor da existncia de Deus, Rowe avalia se experincias religiosas poderiam servir como evidncias da existncia de Deus (captulo 5). Ele avalia diferentes tipos de experincias religiosas, mas foca em experincias msticas, principalmente experincias msticas introvertidas, nas quais algum volta-se para dentro e encontra a realidade divina na parte mais profunda do ser.⁸ E, embora entenda que pessoas que tm tais experincias possam estar justificadas a tom-las como verdicas, ressalta que as experincias no oferecem, em nenhum de seus relatos, uma percepo clara do divino como o Deus testa caracterizado por Rowe, isto , um ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno e autoexistente. As experincias msticas podem servir como confirmao de que h uma realidade divina, mas no oferecem nenhuma base para a crena no Deus testa isto , essas exatas propriedades no so autoevidentes nas experincias analisadas. Em minha opinio, contudo, o ponto forte deste captulo so as descries das experincias msticas e a anlise de Rowe de suas caractersticas. Vale a pena conhecer.
O captulo 6 discute f e razo: a f irracional? A razo pode ar a f? Ou crenas adas pela razo no so crenas da f? Rowe apresenta rapidamente a viso de Toms de Aquino e concentra-se no debate Clifford-James, isto , entre William Clifford e William James. Para Clifford, crer sem evidncias suficientes moralmente errado, enquanto James defende a razoabilidade e permissividade moral da crena no embasada em evidncias (ou mal embasada). primeira vista, pode parecer que Clifford tem toda a razo, mas a famosa defesa de James surpreendentemente bem montada e tem sido usada para defender a crena no evidencial, especialmente a f religiosa.
O tratamento de Rowe sobre o problema do mal (captulo 7) pode ser um tanto desalentador para alguns testas. Afinal, o prprio Rowe deixou o cristianismo e tornou-se ateu, sendo um dos principais proponentes e defensores contemporneos do argumento do mal contra a existncia de Deus. No de se espantar que, apesar da mxima neutralidade que busca assumir no livro, ele termina os captulos dos argumentos em favor da crena em Deus ctico quanto a sua eficcia, enquanto termina o captulo sobre o problema do mal defendendo a razoabilidade do problema e rejeitando as solues propostas. Por que eu, um cristo, escolheria um livro de um ateu para introduzir a filosofia da religio? A resposta simples: porque o melhor livro que h, e porque o atesmo de Rowe quase imperceptvel no livro. O livro intelectualmente honesto, argumentativamente slido e incrivelmente vel. No h motivo para o leitor se desesperar com o tratamento do autor quanto ao problema do mal. Certamente esse o maior desafio filosfico para a crena em Deus, mas temos hoje muitas propostas de respostas possveis, bem construdas e detalhadas, com muitas virtudes. Destaco especialmente o tesmo ctico: a crena de que o intelecto de Deus to distante do nosso que de se esperar que sejamos incapazes de julgar e avaliar os motivos que Deus pode ter para permitir o mal. No deixe de ler este captulo, que bem escrito e simples de entender. nele, tambm, que Rowe distingue quatro posies muito interessantes: o tesmo amigvel (cr que racional para si acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa, dadas as evidncias de que ela dispe), o tesmo hostil (cr que sempre irracional no acreditar em Deus), o atesmo amigvel (cr que racional para si no acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa) e o atesmo hostil (cr que sempre irracional acreditar em Deus).
Se o livro fosse dividido em duas partes, os captulos de 8 a 11 constituiriam a segunda. O captulo 8, por exemplo, sobre milagres, no busca saber se milagres podem ser boas evidncias da existncia de Deus, mas busca saber se razovel crer em milagres (e Rowe conclui que sim, pode ser razovel crer em milagres se j tivermos bons motivos para crer em Deus). Aqui temos um desvio da direo do livro: no mais consideraes filosficas sobre a existncia ou inexistncia do Deus testa, mas consideraes sobre outras teses defendidas por diversas religies. A discusso de vida aps a morte (captulo 9) foca em relatos de mdiuns, mas explica a relevncia da crena testa para ar a crena na vida aps a morte. A discusso sobre prescincia divina e liberdade humana (captulo 10) apresenta quatro posturas possveis diante do problema e conclui que este no insolvel para o tesmo. Rowe entende que a melhor opo para o testa defender que a prescincia de Deus compatvel com a capacidade humana de escolher agir de uma forma ou de outra. Por fim, o ltimo captulo discute qual deve ser nossa postura diante das muitas religies: ceticismo, dogmatismo exclusivista, dogmatismo inclusivista ou pluralismo? Ele apresenta problemas para o exclusivismo e para o pluralismo, mostrando-se mais inclinado para o inclusivismo. Esse captulo muito relevante para as discusses populares hoje sobre tolerncia religiosa e laicidade estatal, na medida em que explica como a tolerncia possvel de um ponto de vista doutrinrio (a partir do inclusivismo) e como o pluralismo no uma opo razovel do ponto de vista filosfico.
Certamente o escopo do livro no agradar a muitos: no h exposies e investigaes de tradies religiosas marginais ao monotesmo, no h explicao ou discusso da doutrina da simplicidade divina, no dada grande ateno epistemologia reformada, no se discute metatica, tica, poltica ou outros assuntos de filosofia prtica, no discute (supostos) conflitos entre cincia e religio etc. Tudo o que exposto aqui, contudo, relevante para todos esses outros temas, e possui carter fundamental para o pensamento religioso: quem Deus? Que motivos temos para crer que ele existe? Ele compatvel com o mal, a liberdade e as muitas religies? Sem ter ao menos uma noo sobre esses assuntos fundamentais, debates sobre poltica e religio nunca sero de fato eficazes, porque nunca contemplaro o pensamento religioso em si o que fica manifesto em muitas supostas defesas da laicidade que so, na verdade, defesas do secularismo. Por esse e outros motivos, o livro Filosofia da religio uma introduo relevante para o cenrio religioso e poltico brasileiro, e tem tambm muito a contribuir com o cenrio filosfico e acadmico.
Notas
1. Veja sua indicao no PhilPapers como a introduo padro, e seu uso em cursos de filosofia da religio de importantes professores em importantes universidades, como Berkeley e Edimburgo apesar da prtica comum entre filsofos de no utilizar textos didticos em cursos de filosofia, apenas fontes primrias.
2. William Rowe, Filosofia da religio uma introduo, 2023, p. 36.
3. Podemos seguramente dizer que se segue de Tiago 2.19 e da definio de Rowe que os demnios seriam testas crena aqui o mero acreditar, independentemente de submisso ou adorao.
4. Ibidem.
5. Como expliquei em minha resenha anterior sobre o livro Discurso Divino, minha inteno nessas resenhas trazer consideraes um tanto pessoais de meus envolvimentos com essas obras enquanto editor, e no simplesmente focar em apresentar o contedo dos livros. Temos uma video-resenha e um podcast sobre este livro que focam mais no contedo propriamente dito.
6. Intrpretes de Aristteles inclusive tm debatido se a palavra causa deve ser usada como traduo do grego αἱτία, ou se devemos utilizar explicao ou explanao como traduo dos textos de Aristteles. Veja, por exemplo, Max Hoccut, Aristotles Four Becauses, Philosophy, v. 49, n. 190, 1974. Clique aqui para ar.
7. A mesma lgica vale para leis naturais: se h lei, h, portanto, um legislador. Isso no se segue porque o sentido em que se usa o termo lei na expresso lei natural no o mesmo sentido do termo lei em contextos legais, nos quais sempre h um legislador. No necessariamente se segue que, da existncia das leis naturais, h um legislador da ordem natural.
8. Rowe, 2023, p. 108.
Artigo publicado originalmente no site Unus Mundus. Reproduzido com permisso.
REVISTA ULTIMATO | PARA QUE SERVE A TEOLOGIA?
A resposta pergunta Para que serve a teologia">Filosofia da Religio Uma introduo,William L. Rowe
Resenha:Filosofia da religio uma introduo

O ncleo do livro a discusso filosfica sobre a existncia ou inexistncia de Deus. Primeiro, Rowe caracteriza (no captulo 1) a noo de Deus a ser investigada filosoficamente. Ele afirma que o que explorar no livro a existncia ou inexistncia do Deus testa: isto , um ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno [] e autoexistente. Tesmo a crena na existncia de um ser com essas caractersticas, e atesmo a crena na inexistncia de um ser com essas caractersticas. Esse uso regimentado de tesmo e atesmo se distingue do uso comum no dia a dia: na terminologia de Rowe, o telogo protestante Tillich atesta, pois rejeitava a crena no que chamamos de Deus testa, ainda que, no uso corrente da expresso, Tillich fosse testa, porque acreditava em uma realidade divina, embora diferente do Deus testa.⁴
Esclarecida a questo acerca de que tipo de ser esse que se quer saber se existe ou no (ou que se quer saber se h boa base filosfica para defender sua existncia ou inexistncia), Rowe a a discutir os argumentos favorveis existncia de Deus que partem puramente do raciocnio filosfico, independentemente de qualquer texto ou tradio revelada. Ele inicia com o argumento cosmolgico (captulo 2) que defende que todo evento possui uma causa, ento, deve haver uma primeira causa de tudo que no seja ela mesma causada por nada, e que seja distinta de si mesma. Rowe evita a linguagem causal, contudo, atendo-se noo de explicao. Esse movimento provavelmente fruto da terminologia filosfica analtica que, seguindo David Hume, opta majoritariamente por separar o termo causa apenas para causas eficientes, isto , grosso modo, causas do domnio da fsica.⁵ As outras causas de Aristteles adotadas na filosofia medieval seriam, na verdade, tipos de explicao (causas material, formal e final).⁶ Nenhuma dessas complicaes do pano de fundo, contudo, so apresentadas para o leitor, que pode seguir a leitura fluidamente entendendo o argumento cosmolgico como um argumento acerca de seres explicados por outros seres, seres no explicados por outros e seres explicados por si prprios. Rowe explica e analisa cada premissa pormenorizadamente, de forma a elucidar o que est em jogo aqui, e tambm apresenta as foras e fraquezas desse argumento.
A mesma ateno recebida pelo argumento cosmolgico dada ao argumento ontolgico (captulo 3) e ao argumento do projeto (captulo 4). Talvez o leitor conhea o argumento do projeto pela alcunha de argumento do design. Como editor da srie Filosofia e F Crist, da qual este livro parte, creio que cabe aqui uma explicao editorial. Sou o culpado por essa traduo de design por projeto. Em primeiro lugar, simplesmente deixar a palavra design em ingls deveria ser um ltimo recurso. Ainda que tenha sido uma opo amplamente adotada em tradues para o portugus, no uma traduo, e, tendo boas opes, no vejo por que seria necessrio apegar-se a essa tradio de traduo. Em segundo lugar, a palavra ambgua e cheia de nuances em ingls, o que muitas vezes gera confuses em portugus por no conhecermos as nuances da palavra. perfeitamente plausvel, em ingls, que um ateu afirme que o universo manifesta design. Essa afirmao no o compromete com a tese de que h um designer, um projetista do universo. Por que no? Porque ele no est usando a palavra design no sentido de que h um projeto, mas de que h uma ordem ou funcionalidade na natureza. O argumento do design no um argumento de que h ordem ou regularidade na natureza, mas sim um argumento de que a melhor explicao para tal ordem a existncia de projetistas (ou um nico projetista) que ordenaram a natureza de acordo com seu projeto. No um argumento da ordem, portanto, mas um argumento do projeto. Isso importante porque, por vezes, uma falcia de equivocao usada para dizer que algum se comprometeu com a existncia de Deus: se algum concede que h design, ento concede que h um designer.⁷ Isso seria uma falcia se a pessoa em questo no estiver usando o termo design no sentido de projeto, mas sim no sentido de ordem. Para benefcio do leitor, portanto, optamos por traduzir design ora por projeto, ora por ordem ou funcionalidade. Deixamos marcado entre colchetes, contudo, todas as principais ocorrncias de design.

Aps ar pelos trs principais argumentos a favor da existncia de Deus, Rowe avalia se experincias religiosas poderiam servir como evidncias da existncia de Deus (captulo 5). Ele avalia diferentes tipos de experincias religiosas, mas foca em experincias msticas, principalmente experincias msticas introvertidas, nas quais algum volta-se para dentro e encontra a realidade divina na parte mais profunda do ser.⁸ E, embora entenda que pessoas que tm tais experincias possam estar justificadas a tom-las como verdicas, ressalta que as experincias no oferecem, em nenhum de seus relatos, uma percepo clara do divino como o Deus testa caracterizado por Rowe, isto , um ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno e autoexistente. As experincias msticas podem servir como confirmao de que h uma realidade divina, mas no oferecem nenhuma base para a crena no Deus testa isto , essas exatas propriedades no so autoevidentes nas experincias analisadas. Em minha opinio, contudo, o ponto forte deste captulo so as descries das experincias msticas e a anlise de Rowe de suas caractersticas. Vale a pena conhecer.
O captulo 6 discute f e razo: a f irracional? A razo pode ar a f? Ou crenas adas pela razo no so crenas da f? Rowe apresenta rapidamente a viso de Toms de Aquino e concentra-se no debate Clifford-James, isto , entre William Clifford e William James. Para Clifford, crer sem evidncias suficientes moralmente errado, enquanto James defende a razoabilidade e permissividade moral da crena no embasada em evidncias (ou mal embasada). primeira vista, pode parecer que Clifford tem toda a razo, mas a famosa defesa de James surpreendentemente bem montada e tem sido usada para defender a crena no evidencial, especialmente a f religiosa.
O tratamento de Rowe sobre o problema do mal (captulo 7) pode ser um tanto desalentador para alguns testas. Afinal, o prprio Rowe deixou o cristianismo e tornou-se ateu, sendo um dos principais proponentes e defensores contemporneos do argumento do mal contra a existncia de Deus. No de se espantar que, apesar da mxima neutralidade que busca assumir no livro, ele termina os captulos dos argumentos em favor da crena em Deus ctico quanto a sua eficcia, enquanto termina o captulo sobre o problema do mal defendendo a razoabilidade do problema e rejeitando as solues propostas. Por que eu, um cristo, escolheria um livro de um ateu para introduzir a filosofia da religio? A resposta simples: porque o melhor livro que h, e porque o atesmo de Rowe quase imperceptvel no livro. O livro intelectualmente honesto, argumentativamente slido e incrivelmente vel. No h motivo para o leitor se desesperar com o tratamento do autor quanto ao problema do mal. Certamente esse o maior desafio filosfico para a crena em Deus, mas temos hoje muitas propostas de respostas possveis, bem construdas e detalhadas, com muitas virtudes. Destaco especialmente o tesmo ctico: a crena de que o intelecto de Deus to distante do nosso que de se esperar que sejamos incapazes de julgar e avaliar os motivos que Deus pode ter para permitir o mal. No deixe de ler este captulo, que bem escrito e simples de entender. nele, tambm, que Rowe distingue quatro posies muito interessantes: o tesmo amigvel (cr que racional para si acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa, dadas as evidncias de que ela dispe), o tesmo hostil (cr que sempre irracional no acreditar em Deus), o atesmo amigvel (cr que racional para si no acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa) e o atesmo hostil (cr que sempre irracional acreditar em Deus).
Se o livro fosse dividido em duas partes, os captulos de 8 a 11 constituiriam a segunda. O captulo 8, por exemplo, sobre milagres, no busca saber se milagres podem ser boas evidncias da existncia de Deus, mas busca saber se razovel crer em milagres (e Rowe conclui que sim, pode ser razovel crer em milagres se j tivermos bons motivos para crer em Deus). Aqui temos um desvio da direo do livro: no mais consideraes filosficas sobre a existncia ou inexistncia do Deus testa, mas consideraes sobre outras teses defendidas por diversas religies. A discusso de vida aps a morte (captulo 9) foca em relatos de mdiuns, mas explica a relevncia da crena testa para ar a crena na vida aps a morte. A discusso sobre prescincia divina e liberdade humana (captulo 10) apresenta quatro posturas possveis diante do problema e conclui que este no insolvel para o tesmo. Rowe entende que a melhor opo para o testa defender que a prescincia de Deus compatvel com a capacidade humana de escolher agir de uma forma ou de outra. Por fim, o ltimo captulo discute qual deve ser nossa postura diante das muitas religies: ceticismo, dogmatismo exclusivista, dogmatismo inclusivista ou pluralismo? Ele apresenta problemas para o exclusivismo e para o pluralismo, mostrando-se mais inclinado para o inclusivismo. Esse captulo muito relevante para as discusses populares hoje sobre tolerncia religiosa e laicidade estatal, na medida em que explica como a tolerncia possvel de um ponto de vista doutrinrio (a partir do inclusivismo) e como o pluralismo no uma opo razovel do ponto de vista filosfico.

Notas
1. Veja sua indicao no PhilPapers como a introduo padro, e seu uso em cursos de filosofia da religio de importantes professores em importantes universidades, como Berkeley e Edimburgo apesar da prtica comum entre filsofos de no utilizar textos didticos em cursos de filosofia, apenas fontes primrias.
2. William Rowe, Filosofia da religio uma introduo, 2023, p. 36.
3. Podemos seguramente dizer que se segue de Tiago 2.19 e da definio de Rowe que os demnios seriam testas crena aqui o mero acreditar, independentemente de submisso ou adorao.
4. Ibidem.
5. Como expliquei em minha resenha anterior sobre o livro Discurso Divino, minha inteno nessas resenhas trazer consideraes um tanto pessoais de meus envolvimentos com essas obras enquanto editor, e no simplesmente focar em apresentar o contedo dos livros. Temos uma video-resenha e um podcast sobre este livro que focam mais no contedo propriamente dito.
6. Intrpretes de Aristteles inclusive tm debatido se a palavra causa deve ser usada como traduo do grego αἱτία, ou se devemos utilizar explicao ou explanao como traduo dos textos de Aristteles. Veja, por exemplo, Max Hoccut, Aristotles Four Becauses, Philosophy, v. 49, n. 190, 1974. Clique aqui para ar.
7. A mesma lgica vale para leis naturais: se h lei, h, portanto, um legislador. Isso no se segue porque o sentido em que se usa o termo lei na expresso lei natural no o mesmo sentido do termo lei em contextos legais, nos quais sempre h um legislador. No necessariamente se segue que, da existncia das leis naturais, h um legislador da ordem natural.
8. Rowe, 2023, p. 108.
Artigo publicado originalmente no site Unus Mundus. Reproduzido com permisso.

A resposta pergunta Para que serve a teologia">Filosofia da Religio Uma introduo,William L. Rowe
Davi Bastos casado com Samara e pai de Moiss, Anastcia (in memoriam) e Irene. editor da srie de livros Filosofia e F Crist (Editora Ultimato) e doutorando em filosofia na Unicamp.
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