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31 de agosto de 2023
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Depresso e cristianismo – Cristos tambm enfrentam a depresso? – parte 1 556a4s

Por Aline J. M. Cho, Andr T. C. Chen, Giovanni Hsiao e Wu Tu Hsing em nome da Associao Mdica gape

C. tem 40 anos. Casou-se com M, com quem compartilhou o sonho de construir uma vida repleta de sentido, filhos e estabilidade. ou a trabalhar 80 horas por semana, e aos poucos, foi se percebendo distante de seus dois filhos e da sua esposa, procurando o lcool como vlvula de escape em algumas situaes. ou a experienciar perodos de depresso e solido cada vez mais intensos. A sensao era de estar sozinho. Havia momentos em que se sentia cheio do Esprito e com propsito, mas em muitos outros sentia Deus distante, sem conseguir perceber Sua presena, Seu amor, mesmo orando e estudando a Palavra. ou a no conseguir dormir, no tinha vontade de comer e faltava-lhe energia at para as atividades bsicas do dia a dia. Quando percebeu, pensamentos suicidas tornaram-se frequentes, o que o deixava com muito medo, por pensar que poderia cometer tal pecado contra Deus.

Histrias como a de C. no so incomuns na vida da igreja. Neste artigo, refletiremos sobre estigmas relacionados depresso dentro da igreja, o que a depresso, como um cristo deve lidar com uma situao como esta e como a comunidade de f pode ser um grande instrumento no processo de restaurao de pessoas com depresso.

Verdadeiros cristos deprimem?

O ser humano, criado imagem e semelhana de Deus, tem uma necessidade inata de conexo. Todavia, nossas relaes foram distorcidas devido queda descrita no livro de Gnesis, captulo 3. Como resultado, experimentamos a separao de Deus, dos nossos semelhantes, de ns mesmos, da natureza e de um trabalho com significado. Em Cristo, todas as coisas so restauradas. Algumas dessas separaes podem ser restauradas logo no incio da caminhada crist. Por exemplo, pessoas cujos sintomas depressivos estavam relacionados busca de significado podem ser dramaticamente transformadas com um novo relacionamento com o Deus vivo.

No entanto, como consequncia da queda, temos ainda nossos corpos biologicamente afetados, personalidades danificadas, relacionamentos problemticos e desejos pecaminosos, sujeitos a tentaes. Fazemos parte de um mundo cado, de natureza cada, no qual a depresso, assim como outras doenas, faz parte. Cristos tambm enfrentam a depresso.

Embora tenhamos nos tornado uma nova criao em Cristo Jesus (cf. 2Co 5.17), essa perfeita nova criao s ser plenamente realizada quando estivermos unidos a Ele na eternidade. Um dia, seremos libertos de toda dor fsica e psicolgica. Seremos completamente restaurados por ocasio da vinda em glria do Senhor, quando Ele enxugar de nossos olhos toda lgrima. Nesse nterim, Jesus declarou: No mundo, vocs am por aflies; mas coragem, eu venci o mundo. (Jo 16.33, NAA)

Sobre a depresso

A depresso uma condio que envolve aspectos biolgicos, psicolgicos, sociais e espirituais. um transtorno mental srio que est se tornando cada vez mais comum na sociedade contempornea¹. De fato, a maioria das pessoas que leem este artigo j teve ou ter um amigo prximo ou membro da famlia que sofre de depresso.

Diversos mecanismos complexos interagem entre si na gnese da depresso. Do ponto de vista biolgico, a fisiopatologia intrincada e ainda h muito a ser estudado. Possveis mecanismos incluem:

1) alterao de neurotransmissores (serotonina, noradrenalina, GABA, glutamato, dentre outros),
2) anormalidades do eixo hipotlamo-hipfise-adrenal relacionados ao estresse crnico,
3) inflamao,
4) neuroplasticidade reduzida,
5) alterao da rede neuronal.

Todos esses mecanismos interagem entre si. Alm disso, foi demonstrado que fatores psicolgicos tm efeito direto no neurodesenvolvimento cerebral, podendo predispor depresso, ao mesmo tempo que fatores biolgicos podem, por sua vez, agravar funcionamentos psicolgicos. Vislumbrar essa complexidade, ainda que de modo superficial, nos ajuda a ter mais clareza de por que necessrio um tratamento integrado que envolva todos aspectos.

A depresso pode ter um efeito devastador tanto para o indivduo quanto para sua famlia. Ela pode afetar pessoas de todas as origens, incluindo lderes cristos proeminentes, como aconteceu com Martin Luther King, Incio de Loyola², Abraham Lincoln³ e Joo da Cruz⁴.

Embora os sintomas de depresso variem de caso a caso, existem algumas caractersticas centrais, como a perda de energia, de interesse e, frequentemente, do prazer. Alm disso, alteraes fisiolgicas podem ser observadas no corpo, afetando o apetite, o sono, a capacidade de concentrao, a ateno, entre outros aspectos.

A depresso leva as pessoas a experienciar uma sensao de vazio e desesperana. Infelizmente, ela pode ser uma inimiga silenciosa, pois muitos indivduos sentem-se envergonhados em itir seus problemas. Especialmente entre os cristos, comum o receio de falar abertamente sobre essa condio. Por medo de serem julgados como maus cristos ou com pouca f, evitam buscar ajuda mdica especfica.

Como enfrentar a depresso como cristo

A cosmoviso crist enfatiza o pecado, a graa e a dimenso relacional, mostrando como estvamos distantes de Deus e como Ele, por sua iniciativa, buscou reconciliar-se conosco. No entanto, como conciliar a busca espiritual por significado com o conceito mdico de depresso clnica? Seriam estas abordagens excludentes e opostas? Como a cosmoviso crist influencia no tratamento da depresso? A ideia no responder a todas estas questes, mas levantar alguns pontos de reflexo.

>>Sade Emocional e Vida Crist <<

1) Como cristos, compreendemos que somos seres criados por Deus. Devemos cuidar bem de nosso corpo, que templo do Esprito Santo (1Co 6.19). Quando a depresso afeta nossa vida apropriado buscar ajuda de profissionais de sade qualificados. Assim como no hesitamos em buscar cuidados mdicos para outras questes de sade, como diabetes ou asma, devemos tratar as questes de sade mental com a mesma seriedade e sem estigma.

2) O filsofo Soren Kierkegaard, que lutou contra sintomas depressivos ao longo da vida, sugeriu que podemos escolher como respondemos espiritualmente a nossos estados emocionais e manter a esperana mesmo em meio ao sofrimento mental. Ele diferenciou a pessoa deprimida lutando contra a angstia daquela em desespero, que perdeu toda a esperana. Segundo Kierkegaard, lutar por manter a esperana pode levar a uma sade espiritual, mesmo enfrentando a depresso. Encontramos um exemplo semelhante em Salmos 42.3-5, onde o salmista descreve sua angstia, mas tambm encoraja a si mesmo a manter a esperana em Deus.

Como filhos de Deus, podemos encontrar nele o que precisamos para ar o sofrimento e encontrar propsito em meio a adversidades (Ro 5.3-4; 8.28), mesmo em condies crnicas, como pode acontecer em alguns transtornos de humor.

3) Para algum que est deprimido, ser compreendido fundamental. O evangelho revela-nos o prprio Senhor Jesus Cristo, que se tornou humano e experimentou profunda dor e aflio, maior do que qualquer homem j experimentou. Cristo, nossa semelhana, foi tentado de todas as formas. Deus no est distante, mas se preocupa conosco e compreende nossas lutas (Hb 4.15-16).

4) Um relacionamento vivo com Deus, dentro de uma comunidade comprometida com Sua misso, atende s necessidades existenciais do ser humano. Uma viso realista e bblica de ns mesmos ajuda a entender e atender nossas necessidades psicolgicas. Por meio de Cristo, temos a possibilidade de curar relacionamentos, perdoar, encontrar propsito e trabalho significativo (Mt 6.12; 18.21-22; Lc 23.34).

5) importante abrir-se e ser honesto consigo mesmo e com pessoas confiveis em sua comunidade sobre sua depresso. Compartilhar sua histria pode encorajar outros a buscar ajuda e mostrar que a depresso uma condio mdica real, tratvel e no um motivo de vergonha. A comunidade de f deve acolher, oferecer amor, aceitao e identidade, ministrando uns aos outros os dons que Deus nos concedeu (cf. Gl 6.2).

>> Este continua em Depresso e cristianismo Comunidades de f como instrumentos e no perturbadores parte 2<<

Notas:

1. Moreno-Agostino D, Wu YT, Daskalopoulou C, Hasan MT, Huisman M, Prina M. Global trends in the prevalence and incidence of depression:a systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2021;281(December 2020):235-243. doi:10.1016/j.jad.2020.12.035

2. Lieburg MJ van. Famous Depressives. Ten Historical Sketches. Organon International; 1988.

3. Shenk JW. Lincolns Great Depression. The Atlantic. https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2005/10/lincolns-great-depression/304247/. Published 2005. Accessed July 12, 2023.

4. Cross J of the. The Dark Night of the Soul. London: Thomas Baker; 1908. https://www.poetryfoundation.org/poems/157984/the-dark-night-of-the-soul .

Aline Jimi Myung Cho (MD) membro da Igreja Presbiteriana Yonhap, mdica psiquiatra geral e da infncia e adolescncia, vice-coordenadora clnica do Ambulatrio do Desenvolvimento dos Relacionamentos e das Emoes no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP.

Andr Tsin Chih Chen (MD, MDiv, PhD) membro da Igreja Presbiteriana do Caminho; mdico radio-oncologista do Instituto do Cncer do Estado de So Paulo, HC-FMUSP; coordenador de Pesquisa Clnica do Departamento

Giovanni Hsiao (MD) um cristo buscando viver sua vocao de forma redentiva em um mundo em sofrimento; membro da Igreja Presbiteriana Vida Nova de So Paulo e mdico psiquiatra pelo HC-FMUSP.

Wu Tu Hsing (MD, PhD) pastor titular da Igreja Presbiteriana de Formosa do Brasil TAI-AN; Professor Doutor da Disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da FMUSP; diretor do Centro de Acupuntura do IOT/HC/FMUSP

Saiba mais:
DEPRESSO, ANSIEDADE, TENTAO, CULPA. Deus est de braos abertos para o aflito | Edio 347

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