Dejetos nos portes das manses v3b2q

Marcos 10.17-30 A riqueza inqua quando no serve a todos

Renuncie ganncia e siga-me, disse Jesus. Ser que o rico se salva? Sobre o significado das riquezas na perspectiva do evangelho, o texto generaliza: no s o que tem muitas propriedades, mas todos os que possuem fortunas, bens abundantes, correm srio perigo de no se salvar. Que ser afortunado? Ser bem-posto, bem remunerado, proprietrio de bens essenciais sem nada lhe faltar no ser rico?

Estar longe do desemprego, da fome, da misria, da falta de previdncia social, do atendimento sade, da educao de qualidade, no ser bem-posto socialmente, portanto, rico? Jos Bortolini nos lembra que a afirmao de Jesus: como difcil entrarem os ricos no Reino de Deus!, assusta os discpulos em escala crescente at ao espanto (Mc 10.24-26). O abismo entre pobres e ricos, no tempo apostlico, era ainda maior que o dos nossos dias.

Em Lenia, cidade com evidncias menores, moderna, ps-industrial, imaginada por talo Calvino, os moradores so insensveis realidade, vestem roupas novas imoderadamente, comem alimentos retirados da geladeira modernssima, ouvem e reproduzem jingles publicitrios sobre os produtos mais quentes do momento, segundo a mdia disponvel. Mas, a cada manh, as sobras de ontem aguardam pelo caminho de lixo informam-nos que restos jogados fora poderiam alimentar milhes no planeta.

A verdadeira paixo dos habitantes da hipermoderna cidade, na verdade, no seria o prazer de expelir, descartar, dejetar a impureza incessante como prostitutas, moradores de rua, mendigos, crackeiros? Os varredores so recebidos como anjos das ruas, mesmo que sua misso seja cercada de um silncio respeitoso. Ningum quer pensar em coisas que j foram rejeitadas, diz Calvino, o talo. Sem confuso. Os moradores se superam na sua busca por novidades eletrnicas, automveis, motos, roupas de grife, comida industrializada, no importando-se que uma fortaleza de excrementos indestrutveis coloque-se diante deles como muros cercando a cidade.

Poderamos perguntar: ser que as pessoas no enxergam esses muros? Compaixo, cuidado, solidariedade, contrariam a insensibilidade e impiedade reinantes. O odor dos montes de lixo no estaria dentro das residncias luxuosas, nos narizes de incomodados e enojados pela pobreza ao redor? difcil saber se teriam de olhar, cheios de preocupao, medo, tremor e horror, as imagens da misria e fraqueza dos socialmente despoderados.

Abominariam a feiura da misria, por macular as paisagens da sociedade e nao desejvel, por serem ftidas, repulsivas, ofensivas e revoltantes; por abrigarem perigos conhecidos e outros, ocultos. Odiariam os dejetos nos seus devaneios desde ontem por uma sociedade limpa, prspera, incontaminada pela pobreza. Certamente gostariam que as montanhas do refugo social se desvanecessem diante de seus olhos e sumissem, esmagadas, pulverizadas ou dissolvidas pelo poder das riquezas concentradas nas mos de bilionrios e trilhardrios que financiam governos que no os incomodem com impostos justos sobre suas fortunas.

preciso lembrar tambm os pases ricos e as profundas diferenas existentes abaixo da Linha do Equador. A ONU informa que em termos comerciais, tecnolgicos e financeiros, os pases do mundo esto cada vez mais prximos, numa rede de interdependncia. Em termos de desenvolvimento humano, entretanto, h um fosso entre pobres e ricos, destaca o IDH 2014/ONU (ndice de Desenvolvimento Humano), que dedica captulos inteiros ao estudo da desigualdade no planeta: Em alguns casos, as diferenas de renda e condies de vida esto aumentando, alerta. O rei da Noruega, fazendo turismo no Brasil, foi ver escolas de samba nas favelas do Rio. Disse, ento, que os escandinavos tinham tanto dinheiro que no sabiam o que fazer com o mesmo.

fcil, tambm, falar da opo pelos desfavorecidos, sem dignidade social e econmica, quando no temos que nos preocupar com o dia de amanh, como vivero nossos filhos e netos. cmodo especular sobre a fome e a misria no mundo quando nossa geladeira e nossos armrios guardam o necessrio para a semana e o ms. Quando o bom salrio permite morar bem, educar os filhos nas melhores escolas, gozar do lazer de alto custo, mantendo nas contas bancrias saldos suficientes para cobrir nossas necessidades.

Atacar o governo e um presidente, sem considerar no todo responsabilidades do Estado e da populao, atribuindo desequilbrios situao poltica do momento o mais comum. Bem-postos gostariam de eleger representantes das elites econmicas, sempre, porque se acham herdeiras do patrimnio nacional, dos cargos pblicos, virando as costas para a realidade.

No nos iludamos. O discurso liberal antievanglico, fala de acumulao de riqueza, de capitalizao, de desenvolvimento econmico sem desenvolvimento social -- o tal bolo que precisa crescer, no forno dos ricos, para depois ser repartido... Ouvimos isso desde criancinha. Quem est falando de promoo humana? Quem busca o desenvolvimento humano? Parece ser somente o Filho de Deus. Ento, quem vai botar a boca no mundo? Se no falarmos, as pedras clamaro (Lc 19.40).

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Foto: Jerzy Mller/Images.com