Cada um por si... 1m6y53

Rodrigo de Lima Ferreira

H dias em que ns ficamos mais sensveis s dificuldades de outras pessoas. Particularmente, me sinto muito sensibilizado, aflito e angustiado. Recentemente estive conversando com um amigo pastor, de denominao diferente da minha, que mora no litoral do Brasil. Ele tem ado por problemas serissimos de sade, a ponto de no conseguir viver uma vida saudvel. No pode dirigir, no pode ler, no pode ficar muito tempo em p, no pode andar. ou por duas cirurgias na coluna, e precisa de uma terceira. Conversando com ele, me relatou suas dores, sua via-crcis nos hospitais da cidade (um problema srio para quem no dispe de plano de sade), a companhia de seu pai e a barra que sua esposa enfrenta com ele. Como sou muito curioso, perguntei-lhe sobre a reao de seus colegas de denominao. Sua resposta, apesar de esperada, me doeu muito. Contou-me sobre a insensibilidade, a indiferena, as pequenas, mdias e grandes punhaladas que levou por parte de quem carrega o nome de Cristo.

Ao terminar a ligao, fiquei ainda mais angustiado ao me lembrar do Credo Apostlico, especialmente a parte que diz: Creio... na santa igreja catlica (catlico, aqui, no significando a igreja romana, e sim no seu sentido gramatical original, j que katolik, no grego, significa universal). Como cristo, concordo com tudo o que o Credo Apostlico diz, pois entendo ser uma espcie de resumo da f. Mas, sinceramente, no consigo relacionar o termo santa igreja catlica com o relato do meu amigo pastor litorneo. Entendo que santidade muito mais do que este punhado de chaves evanglicos aos quais estamos acostumados: no beber, no fumar, no danar, no ouvir msica secular, entre outros nos. Santidade procurar ver o mundo, a si prprio e a Deus sob a perspectiva de Cristo. A santidade sempre se mostra relacional, e nunca isolacionista. Obviamente que, sem a ajuda de Deus, isso se torna impossvel. E por isso que dependemos tanto da graa.

Sinto-me confuso tambm quando penso na segunda palavra do termo: igreja. Quando me converti, h cerca de vinte anos, eu ainda confundia igreja denominacional (para facilitar, organizao) com igreja relacional (organismo). Era mais ou menos como o lema dos mosqueteiros, um por todos e todos por um. Aos poucos, fui vendo que o lema muitas vezes cada um por si e Deus por todos. O egosmo, a competio, a deslealdade, coisas que so corriqueiras no mundo corporativo, tambm se tornaram corriqueiros no mundo eclesial, onde muitas vezes o ministrio confundido com carreira e deixa de ser medido pela fidelidade, ando a ser medido pelo sucesso.

Como conceber, luz dos nossos tempos, a universalidade? Estamos cada vez mais preocupados com o que acontece com o nosso quintal, nossa parquia, nossa congregao, nosso umbigo. O que acontece com o outro, seja do outro lado da rua ou do outro lado do planeta, no nos interessa. Terremoto na China? Isso problema do governo chins, no meu. Esquemas descobertos de facilitao de prostituio infantil? Deixe que a Polcia Federal resolva, afinal (o chavo de novo), no somos deste mundo.

Mas, apesar dessa minha angstia, ainda creio que exista uma santa igreja catlica. Essa igreja no faz muito alarde de si. Ela est infiltrada nas igrejas nem to santas assim, fazendo diferena, sendo sal e luz. Pude ver um pouquinho do rosto dessa santa igreja catlica ao ver outro pastor amigo meu socorrendo o meu amigo enfermo. De denominaes e at mesmo de teologias diferentes, mas ainda assim caminhando juntos. Sim, creio na santa igreja catlica. Essa igreja, o Corpo, est dentro das igrejas, das instituies, mas o contrrio no verdadeiro. Deus fiel, e ainda tem um povo seu. Ainda existem os 7.000 que no se dobraram a Baal, e somos chamados a fazer parte dessa resistncia. Apesar de tudo o que vemos e amos, ainda h esperana. Ainda bem.


Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em misses urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Serranpolis, GO.