A vitria de Barack Obama, a crise e a democracia 6g5p4e

Robinson Cavalcanti

O vcio de 32 anos lecionando relaes internacionais me fez, mais uma vez, acompanhar (muitas vezes entediado), o longo processo das primrias da eleio presidencial norte-americana, sem nunca ouvir, de qualquer aspirante (e assim permaneceu at o final) qualquer referncia a uma poltica para a Amrica Latina, ou para os milhes de imigrantes latinos indocumentados. As amarras da cultura e dos sistemas poltico, econmico, e judicirio engessam as alternativas. No final, porm, a crise econmico-financeira forou uma maior nitidez entre os candidatos.

Tenho visitado os Estados Unidos por 42 anos, e acompanhado suas eleies desde adolescente. Conheci o velho sul com quatro sanitrios nas rodovirias (para homens e mulheres; pretos e brancos), fui aluno na UCLA, em Los Angeles, no apogeu das lutas pelos direitos civis, e tive em Martin Luther King Jr. um dos meus heris (h um pster dele pregando eu tive um sonho em meu escritrio). Agradeo ao editor Marcos Bontempo, por ter colocado na Prateleira do site da Ultimato um artigo escrito por mim h 20 anos, intitulado Negro, Pastor, Heri. Na vspera da eleio, estando em Paripueira, concedi uma entrevista de 20 minutos para a Rdio Folha FM, do Recife.

Por isso, ei longas horas indo da Foxnews para a CNN em ingls, da CNN em espanhol para a BBC internacional, para a CBN no rdio, ouvindo uma profuso de jornalistas e cientistas polticos, das mais variadas posies. Sou de uma gerao que cresceu, sob a Constituio de 1946, vivenciando a liberdade de organizao e expresso, que conheceu, no incio, lindos anos de uma universidade viva, na busca de utopias libertrias para um mundo injusto, mas que veio a conhecer os anos de chumbo da represso e da censura do regime militar. Escolhi a profisso-misso de professor universitrio para poder viver em uma atmosfera onde era possvel respirar e aprender com a circulao de idias, que eram combatidas apenas por outras idias. J foi dito que, quando h quatro cientistas sociais, h cinco propostas.

H eleies que mudam profundamente as estruturas de um pas. Outras, pela forte carga simblica e catrtica que encerram, so mais revolues culturais. No caso do Brasil, senti apenas uma alegria contida quando Lula foi eleito a primeira vez, porque estava consciente que tinha abandonado as bandeiras histricas, e feito as pazes com os homens. Um caboclo retirante nordestino no portador de diploma de curso superior (nem inferior) chegar Presidncia da Repblica trazia uma grande carga simblica, com o rompimento de paradigmas-preconceitos. Alm disso, Lula teve a sorte de uma conjuntura internacional favorvel, e estatizou o paternalismo da periferia e dos grotes, esvaziando o poder dos coronis municipais e regionais, o que j foi um grande avano.

H dezenas de partidos legais nos EUA, e, a cada eleio, aparecem candidatos independentes ou alternativos. Porm, ao fim e ao cabo, fica a polarizao entre os republicanos e os democratas, que tm mudado de nfases ao longo da histria. Hoje, o Partido Republicano uma coalizo de capitalistas do leste, religiosos conservadores e habitantes individualistas das pequenas cidades, com uma agenda moral individual mais perto da tica crist, mas com uma agenda social de um imperialismo unilateral, de reduo dos direitos civis em nome da segurana e do combate ao terrorismo, alm do direito de se andar armado e de se aplicar a pena de morte. O Partido Democrata mais urbano, inclui os setores intelectuais e artsticos, uma gama de minorias religiosas, tnicas e culturais, mais cosmopolita, mais multilateralista, e, ao mesmo tempo, mais protecionista.