A era inconclusa 65565

O fim da histria no outro que no Jesus Cristo. O fim comeou com o seu advento e agora estamos esperando que ele termine!

Entrevista: Justo Gonzalez

Nascido em Havana, casado com a tambm historiadora Catherine Gunsalus Gonzalez, Justo L. Gonzalez, 77 anos, estudou no Seminrio Evanglico de Teologia Matanzas (em Cuba), na Universidade de Yale (nos Estados Unidos) e na Universidade de Estrasburgo (na Frana). Foi a pessoa mais jovem a concluir o doutorado em teologia histrica em Yale (em 1961, aos 24 anos). Exerceu o magistrio no Seminrio Evanglico de Porto Rico e nas universidades americanas de Yale, Emory e Columbia. Gosta tanto de histria que escreveu A Histria Tambm Tem a Sua Histria (2001). Alguns de seus livros foram escritos em parceria com a esposa, com a sobrinha Ondina Gonzalez e outras pessoas. No momento, o escritor cubano-americano, da Igreja Metodista Unida dos Estados Unidos, est escrevendo A Histria do Domingo. O casal tem uma filha, duas netas e trs bisnetos.

O ltimo volume de sua Histria Ilustrada do Cristianismo (1988) tem o significativo ttulo de A Era Inconclusa. At onde vai essa era inconclusa? O que est acontecendo durante esse tempo?
Gonzalez Vivemos sempre numa era inconclusa, pois nunca sabemos o que o futuro vai trazer. Porm, o que vimos nessas ltimas dcadas foi uma mudana notvel no mapa do cristianismo. No sculo 19 e no incio do sculo 20, o centro da vitalidade crist estava no Atlntico Norte. Hoje, h vrios centros. Os centros de vitalidade evangelizadora esto no sul. No norte, ainda esto os centros de estudos, com as suas grandes bibliotecas. Porm, isso est mudando, conforme a digitalizao vai fazendo com que mais e mais livros sejam veis nos pases mais pobres.

A expresso o fim da histria, cunhada pelo intelectual Francis Fukuyama, em 1989, no fim da Guerra Fria, correta?
Gonzalez No acho que seja o fim da histria, mas sim o fim de uma era histrica, de uma etapa dominada pela civilizao ocidental. Por outro lado, antes, quando se falava da era inconclusa, talvez isso mesmo pudesse ser entendido no sentido de que cada momento presente , em certo sentido, o fim da histria. o fim da histria como ado, como dado, e o comeo de uma nova histria ainda no realizada.

Mas, na verdade, o fim da histria no outro que no Jesus Cristo. Nesse sentido, o fim comeou com o seu advento. Agora estamos esperando que ele termine!

O cardeal indiano Oswald Gracias, presidente da Federao das Conferncias Episcopais Asiticas, afirmou h poucos dias que os asiticos so religiosos por natureza, mas um esprito de secularismo e materialismo est ganhando terreno. Qual o grau de perigo que o secularismo apresenta f crist?
Gonzalez O secularismo nos leva a pensar que tudo est em nossas mos, que podemos resolver todos os problemas apenas com um pouco mais de tecnologia. Naturalmente, isso errneo e a posteriori a humanidade vai pagar caro por esse erro. Mas isso no quer dizer que a religiosidade seja necessariamente aliada da f crist. Religiosidade demais se ope tanto quanto a secularizao verdadeira f crista. uma religiosidade transmundana, que nos faz pensar que este mundo no de grande importncia e que, portanto, se desentende da doutrina da criao e do respeito que, portanto, a criao merece.

O secularismo ameaa o cristianismo abertamente. A falsa religiosidade o ameaa mais sutilmente e, portanto, pode ser mais perigosa.

O editorial de um dos maiores jornais brasileiros lembrou, em 2014, que no realista esperar mudanas da gua para o vinho numa instituio tradicional e conservadora como a Santa S. E acrescentou: So visveis, todavia, as inclinaes do papa em promover um aggiornamento.... Nessa era inconclusa poder haver uma reforma sria na Igreja Catlica?
Gonzalez Acredito que negar toda a possibilidade de reforma em qualquer igreja negar o poder do Esprito Santo. Na Igreja Romana, a Bblia est sendo lida muito mais que antes. Fortalecida pelo Esprito Santo, a Palavra de Deus pode reformar qualquer instituio. Alm disso, acredito que isso o que cada um de ns experimenta. No h pessoa que esteja fora do alcance transformador da graa de Deus. E, se no houver pessoas, tambm no haver igreja.



Qual a sua opinio sobre o papa Francisco?
Gonzalez Acho que um sopro de ar fresco. Se conseguir implementar s uma frao do seu programa, vai continuar um processo que comeou com Joo XXIII. Esse processo, alm de ir transformando a Igreja Catlica, tornou mais difcil para os evanglicos critic-la como fizemos em tempos anteriores. Lembremos que, em 1950, criticvamos os catlicos porque a missa era em latim e porque no liam a Bblia. Hoje, essas crticas j no so possveis. Restam muitas outras crticas possveis. Mas, com dois ou trs papas como Francisco, as mudanas sero tais que faro com que seja mais necessrio para ns entender as razoes teolgicas pelas quais no concordamos com Roma.

Em sua opinio, qual o futuro das igrejas neopentecostais e da teologia da prosperidade? Poderia haver um retrocesso, digamos, um retorno pureza evanglica e ao equilbrio?
Gonzalez Acho que muitas das igrejas que chamamos de neopentecostais no merecem esse nome. So, na verdade, heresias nas quais se torce o evangelho para explorar os crentes. A minha experincia que, nas igrejas da prosperidade, os que prosperam so os chefes, os pregadores. As verdadeiras igrejas pentecostais (sejam antigas ou novas) pregam o evangelho do crucificado. Jesus no parou de sofrer, e o que prometeu aos seus discpulos tampouco era que deixariam de sofrer. Vrios dos apstolos morreram como mrtires. Seria porque no foram fiis, porque no dizimaram? Certamente, no! A fidelidade de Jesus, dos primeiros discpulos e de incontveis crentes no decorrer da histria no os levou prosperidade, nem a deixar de sofrer, muito pelo contrrio. Por outro lado, se esse falso evangelho e esse falso pentecostalismo prosperam, parte da culpa nossa pastores e mestres , que no dedicamos o tempo necessrio para preparar os crentes contra todo vento de doutrina.

H motivo para reservas da parte da igreja protestante para com o movimento ecumnico?
Gonzalez Primeiro, h que esclarecer o que ecumenismo. O verdadeiro ecumenismo no consiste em nos unirmos como se as doutrinas e a verdade no importassem. Isso um indiferentismo acomodado. No questo de dizermos uns aos outros: No importa no que vocs creiam. O verdadeiro ecumenismo tem de se afirmar em outras doutrinas essenciais da f crista, insistir nessas doutrinas e ento buscar a irmandade e a colaborao com outras pessoas que sustentem essas doutrinas, ainda que difiram em outras. Essas outras doutrinas tambm so importantes, e fazemos bem em insistir no seu valor. Porm, elas no so razo para considerar que os demais sejam hereges. Temos de reconhecer, alm disso, que boa parte das nossas diferenas refletem divises e questes que eram importantes nos lugares de origem das misses, mas j no o so no nosso contexto. Por isso, temos de entender a histria das doutrinas e da igreja para saber de onde as nossas diferenas vm e se so, de verdade, to importantes como parecem ou como os primeiros missionrios nos disseram.

At quando Cuba e a Coreia do Norte conservaro o regime comunista?
Gonzalez No sei. O que sei que, apesar de todas as suas promessas, esses regimes no melhoraram as condies do povo. Em Cuba, o comunismo ortodoxo de uns anos para c teve de dar lugar a um pragmatismo que parece ir seguindo o caminho da China. Em tais casos, o comunismo se torna uma ideologia para justificar regimes totalitrios que tm pouco a ver com as doutrinas que proclamam. algo parecido com o que acontece em outros pases onde a linguagem da democracia empregada para ocultar a explorao e a tirania.

Como historiador, acostumado com teorias e prognsticos acadmicos, o senhor acha que devemos crer em uma interveno especial do Esprito Santo nessa era inconclusa, que leve os cristos do mundo inteiro de volta ao primeiro amor (Ap 2.4)?
Gonzalez Acho que isso exatamente o que o Esprito Santo est fazendo nesse grande despertar que est acontecendo nos pases do sul, nas igrejas que crescem a uma velocidade vertiginosa na frica, na Coreia, na ndia e at na China. Est acontecendo em nossa Amrica tambm, com as igrejas verdadeiramente pentecostais e com o despertar em algumas das igrejas mais antigas.

Qual a sua opinio sobre o bloqueio americano a Cuba?
Gonzalez O bloqueio no tem sentido. Causou poucos danos ao regime e muitos danos ao povo, o que , de certo modo, uma ajuda ao regime, pois, se h qualquer problema ou escassez, sempre se pode jogar a culpa no bloqueio. Se no h carne, por causa do bloqueio. Se no h sal (em uma ilha!), por causa do bloqueio etc. A verdadeira razo do bloqueio so questes polticas nos Estados Unidos. O Estado da Florida pode definir uma eleio presidencial. E os eleitores conservadores da Flrida (principalmente cubanos, nicaraguenses e outros exilados) podem afetar o resultado das eleies nesse Estado.

Acho que o bloqueio vai terminar. Mas o que colocar um fim nele no sero consideraes de justia ou de liberdade, mas sim a presso por parte do grande capital norte-americano, que v mexicanos, japoneses e outros investirem em Cuba, sem tambm poder faz-lo.

Artigo publicado originalmente na edio 352, janeiro/fevereiro de 2015, na Ultimato.

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