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26 de maio de 2014
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A Misso Integral nem to integral assim! 4j6s56

A primeira vez que eu embarquei num nibus, em Porto Alegre, rumo Argentina, foi em 1972. L, recluso numa pequena cidade chamada Villa Maria, eu ei um ms aos ps de pessoas como Ren Padilla e Samuel Escobar. Aquele ms tornou-se inesquecvel para mim por ter sido altamente formador na minha vida. Depois de Villa Maria foram muitas as vezes em que pude participar de discusses teolgicas e vivncias comunitrias que ajudaram a forjar a minha caminhada no seguimento a Jesus. Quem sabe, a questo mais importante que eu poderia dizer que Ren, Samuel e seus companheiros eram simples, veis e tinham um corao pastoral; e, ao mesmo tempo, eram estudiosos e me impressionavam com o seu conhecimento, a bibliografia que manejavam e sua grande cultura teolgica. Eram homens de famlia e se preocupavam em mentorear jovens como eu, com as minhas perguntas e os meus devaneios. Eles queriam simplesmente ser seguidores de Jesus e neste af percorriam o continente latino-americano em seguidos encontros de evangelizao e formao de discpulos.
Embora este no seja o espao onde convm entrar em detalhes dessas minhas andanas, eu queria, guisa de contribuio para esta nossa conversa, pontuar quatro coisas.
O termo Misso Integral no pode ser, nem absolutizado, nem ideologizado!
Se certo que o termo MI tem um forte cunho latino-americano, histrias como a de INFEMIT (International Fellowship of Mission Theologians) evidenciam que havia em outros continentes uma preocupao e uma agenda similar e que se buscavam oportunidades e fruns de encontro onde se pudesse compartilhar e construir uma agenda que refletisse a grande amplitude da misso da igreja. No h cercas geogrficas em torno compreenso da MI.
Tambm se pode afirmar que a voz latino-americana foi chave para que uma compreenso de misso que fosse integral viesse a marcar presena no Pacto de Lausanne. Mas o compromisso com esta compreenso de misso no foi uma descoberta que se deu neste continente, pois outras expresses similares povoam as diferentes histrias missionrias. E, em tempos recentes, a MI ganhou muito mais presena no prprio Movimento de Lausanne, ao ponto de ser abraada como integral mission pelo Compromisso da Cidade do Cabo, de cuja redao eu mesmo tive a oportunidade de participar. Outros esforos globais como o Micah Challenge (Desafio Miquias) e a Micah Network (Rede Miquias) expressam muito bem que h uma caminhada global na vertente desta compreenso e misso.
Esse desenvolvimento, no entanto, no pode nos levar a absolutizar uma determinada forma de falar da misso. MI s um jeito de falar. um jeito de querer gestar uma obedincia ao evangelho que seja o mais consistente e ampla possvel. A MI, de fato, nem to integral assim. Alis, nada do que fazemos to integral assim e todos s sabemos e s falamos em parte, como o prprio apstolo Paulo nos ensina. E tem mais: creio que a MI deve ser avaliada criticamente, e cada nova gerao e cada novo contexto deve faz-lo. Ainda que formado na escola da MI, eu tenho procurado avali-la criticamente e percebido reas nas quais ela precisa refletir. Entre estas, eu ressaltaria: a busca por expresses de uma espiritualidade que leve mais em conta o corao e no s a mente; que se busque um jeito de fazer teologia que seja menos cerebral e mais potico; que a predominncia do homem branco seja completada por outras raas e etnias e pelo importante feminino; que deixe de ser um fenmeno fortemente de classe mdia, como o so muitas de nossas igrejas histricas, e encontre o caminho da popularizao e da carismatizao; que a nfase socioeconmica e at poltica da realidade seja ampliada, por exemplo, por um discernimento cultural e scio cultural da realidade na qual vivemos para citar umas poucas reas a serem trabalhadas. Mas confesso que, em orao, sempre volto a balbuciar o anseio de que a minha compreenso e vivncia da misso seja o mais integral possvel... para a glria de Deus.
O encontro com a Palavra foi fascinante!
Os meus primeiros encontros com a MI se deram enquanto estudava teologia numa instituio de corte liberal. Oriundo de um contexto pietista, confesso que estava bastante perdido no universo daquela formao e o encontro com essa outra escola me deslumbrou. O que eu via nos encontros onde a MI estava sendo gestada era uma profunda submisso Palavra de Deus, associada descoberta de que esta era profundamente relevante para os nossos conturbados dias e podia ser estudada com srios critrios histricos, geogrficos e semnticos. Neste universo eu encontrava uma hermenutica que entendia a autoridade da Palavra, estudava-a com seriedade e a aplicava ao contexto em que vivamos.
At hoje sou fascinado pela Palavra de Deus, e foi nos caminhos da MI que este encanto foi se aprofundando. Alis, a nfase na Palavra de Deus foi pioneira nesta caminhada. A Fraternidade Teolgica Latino-Americana, que foi o lugar maior onde a teologia da MI foi gestada, comeou a surgir no primeiro Congresso Latino-Americano de Evangelizao (CLADE I), realizado em Bogot, Colmbia, em 1969. E o seu primeiro encontro formal, ps CLADE I, tematizou a Palavra de Deus, deixando evidente o lugar central desta em qualquer teologia e em qualquer caminhada crist. Assim, a MI nasceu no bero das Escrituras.
A descoberta da centralidade do reino de Deus
Procurando sobreviver em meio aos meandros de uma teologia liberal, que era muito boa na desconstruo de sistemas e credos, foi a descoberta do reino de Deus como a chave hermenutica para a construo da minha f e vivncia da misso que me ensinou a nadar rumo sobrevivncia na f no Deus trino. O evangelho se abriu e ganhou cores que eu no imaginava. O evangelho falava de mim e do outro, especialmente do pequeno e do pobre. O evangelho falava do corpo, da alma e do esprito. Ele falava da pessoa e dos sistemas e estruturas onde elas vivem. Falava do ado e do presente e apontava para o futuro de Deus. O evangelho mostrava um Jesus que anunciava e vivia o reino de Deus, e me convidava a segui-lo nas sendas da esperana desse reino.
Logo depois da Consulta sobre a Palavra de Deus, na qual a FTL foi formalmente criada, procurou-se mergulhar na nfase no reino de Deus, como demonstrado e apontado pelos evangelhos. Este reino de Deus que dava os contornos para a gestao de uma missiologia que fosse fiel aos evangelhos, que se soubesse a servio do Deus trino e fosse em busca do outro, quem quer que ele fosse e onde quer que estivesse. Por isso que CLADE III trouxe o slogan de Lausanne para as nossas paragens latinas: Todo o Evangelho, para todos os povos, desde a Amrica Latina.
Descobrindo a realidade ao nosso redor
Vindo de um transfundo pietista, que tende a olhar mais para a realidade espiritual do que para a realidade social do outro, e vivendo num contexto de ditadura militar, onde a preocupao sociopoltica tendia a ser cunhada de subversiva, foi significativo para mim descobrir a dimenso mais ampla do evangelho, tanto na dimenso cultural como social e econmica da realidade. Eu costumo dizer que foi o evangelho que me abriu os olhos para a realidade e especialmente para o pobre, o excludo e o vulnervel.
s vezes surge a pergunta (e muitas vezes, a afirmao) sobre a influncia do marxismo na teologia da MI. Aqui, parece-me que precisamos discernir dois diferentes momentos. Num primeiro momento, a questo central era perceber e discernir a realidade que a iniciativa missionria norte-americana estava, em sua maioria, trazendo para o nosso continente.
importante registrar que essa iniciativa missionria estava focando fortemente a Amrica Latina devido, especialmente, ao fechamento da China para o envio de missionrios estrangeiros, bem como o nmero cada vez maior de missionrios provenientes de crescentes igrejas evanglicas, vrias delas de corte fundamentalista nos Estados Unidos. Esta vertente evanglica, naquele pas, havia reagido fortemente ao liberalismo teolgico vindo da Europa e se posicionado radicalmente contra o chamado evangelho social. Logo, ao desenvolverem os seus ministrios em nosso continente, a nfase numa evangelizao e discipulado voltados para o indivduo e para as coisas espirituais era muito forte, quando no exclusiva. Acresa-se a isso a postura que os EUA haviam tomado em relao grande maioria de ditaduras no continente, fato que contaminava a obra missionria. diante desta nfase que vozes latinas se levantam e chamam ateno para um evangelho que se preocupa com todas as dimenses da vida humana, para a necessidade de se levar em conta a realidade do nosso continente, fortemente marcado pela pobreza, opresso e injustia social. Assim, na nascente da MI est o clamor para que se perceba a realidade e a engajar-se nela e tambm a descoberta de que o evangelho no est alheio a essa realidade e a proclamao do reino de Deus visa a sua transformao.
Num segundo momento, essa mesma caminhada evanglica em torno do conceito da MI percebeu que emergia fortemente no continente aquilo que se chamou de Teologia da Libertao. Essa teologia ajudou a desvendar a realidade deste continente, perguntou pelo lugar da igreja nele e se props fazer uma releitura do evangelho desde a perspectiva daquele que havia sido historicamente excludo nas andanas continentais. Para analisar essa realidade, muitos telogos da libertao fizeram uso do instrumental marxista, enquanto outros fizeram uso tambm da proposta revolucionria articulada a partir do marxismo. Os detentores da teologia da MI discerniram a importncia de entrar em dilogo crtico com a Teologia da Libertao, sem deixar de afirmar os princpios bsicos de uma f evanglica. preciso dizer que nestas fileiras da MI havia desde evanglicos que se identificavam com uma expresso mais conservadora da f, quanto outros que o faziam desde uma perspectiva mais progressista. Tambm se pode dizer que o instrumental marxista de anlise da realidade foi usado e importante para vrios, mas no tenho registro de nenhuma converso para um marxismo ideolgico. Na verdade, acho a discusso em torno da influncia marxista na teologia da MI muito fora de foco. O foco de fato era o evangelho do reino de Deus e sua vivncia na realidade circundante. Nada mais e nada menos do que isso. Alis, isso devia ser feito, em pocas adas e com muita dificuldade, em contextos de muitos governos autoritrios e militares. Hoje o contexto mudou, mas a MI ainda quer o mesmo: todo o evangelho para todos os povos, a partir do lugar onde nos sabemos chamados por Deus.
A vivncia da MI nem to integral assim. Alis, nada que propormos ou fizermos vai ser bem integral, sendo sempre limitado e at unilateral, o que marca da nossa humanidade cada. A vivncia da MI se torna um pouco mais integral quando vivida em comunidade, e creio que essa marca ela tem. A MI uma proposta que se gerou em comunidade e se vive em comunidade. Ela tambm um pouco mais integral, quando novas geraes a avaliam criticamente, complementam e contextualizam novamente, e nesta rea a MI tem encontrado as suas dificuldades, ainda que vemos uma verdadeira multido de jovens querendo abraar e viver a isto que se tem chamado de MI
A MI , em ltima anlise, um esforo, desejo e intento missionrio e comunitrio de escutar, receber e viver o evangelho de Jesus Cristo de forma intensa, comunitria e contextual. Alis, o conceito Misso Integral deve estar a servio disso. Caso contrrio, mudemos de linguagem mas sempre querendo nos encontrar no encanto pelo evangelho e no servio do Reino de Deus no mundo no qual vivemos.
Valdir Steuernagel telogo snior da Viso Mundial Internacional. Pastor luterano, um dos coordenadores da Aliana Crist Evanglica Brasileira e um dos diretores da Aliana Evanglica Mundial e do Movimento de Lausanne.
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Mui bblica misso integral
Lausanne 3 Lies e desafios para a Igreja de Cristo
O que Misso Integral? (Ren Padilla)
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