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08 de abril de 2016
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A microcefalia e a fora da vida na fraqueza 1y2q4e
DOSSI*
O debate sobre a microcefalia est na ordem do dia. O tema estar em breve no Supremo Tribunal Federal, com uma petio da legalizao de aborto liderada pela professora de Direito da Universidade de Braslia, Dbora Diniz. Dbora alcanou destaque mundial ao publicar um texto no jornal The New York Times, argumentando que esta a oportunidade do governo brasileiro dar s mulheres o controle definitivo sobre sua vida reprodutiva e o poder de gerenciar sua gravidez. Seu argumento ressalta que, como muitas mes contaminadas pelo Zika Vrus esto em regies pobres e sofrem com o descaso do governo, responsabilidade do Estado minorar o sofrimento permitindo o aborto. Em muitos casos, diante da fragilidade da vulnerabilidade familiar e social, o aborto dos microenceflicos aparenta ser a nica soluo possvel. Esta argumentao, entretanto, no se aproxima das questes fundamentais envolvendo a microcefalia e outras deficincias mentais: no texto referido, o termo microcefalia no sequer mencionado. Constitui-se uma soluo tcnica e pragmtica, uma reduo que despreza a totalidade dos fatores envolvidos. Ela ignora a possibilidade de se emergir uma resposta madura dos deficientes e seus familiares fragilidade da vida.
O presente artigo no nasce de uma viso idealista alheia experincia das pessoas. Como psiclogos, lidamos diariamente com o sofrimento humano e as realidades da vulnerabilidade social e a deficincia. Identificamo-nos com pessoas que no conseguem descobrir um caminho em meio dor, sentem-se desesperadas e se angustiam pela falta de e. Entretanto, temos visto deficientes, mes e familiares aprendendo a reconhecer a fora da vida em meio fraqueza, descobrindo um horizonte grande e cheio de possibilidades, mesmo em meio aos limites e frustraes. Por isto cremos que o debate no deve focar-se no aborto: preciso vislumbrar possibilidades de uma resposta que no nega a deficincia, mas que a inclui, mesmo sendo um posicionamento na fragilidade. Neste artigo, propomos que a concepo crist da fora na fraqueza gera um novo olhar vulnerabilidade e deficincia; esta viso permite uma resposta a partir da fragilidade (e no contra ela) nos abrindo para a relao com os outros e com Deus.
Apesar de reconhecermos a necessidade de uma abordagem multidisciplinar pela complexidade dos desafios ticos contemporneos, nosso enfoque uma contribuio especfica a um debate amplo: uma resposta crist nutrida pelas experincias de acolhimento do sofrimento humano no trabalho psicolgico.
O presente escondido da deficincia mental
Vivemos em momento histrico que despreza o fraco e a deficincia mental. Atravs dos avanos tecnolgicos do sculo 21, a neurocincia tem pesquisado o aumento da capacidade do crebro. Diante dos projetos de melhora humana, o presente sculo tem averso deficincia cognitiva. Sem nos darmos conta, criamos nossos filhos para serem bons competidores no mercado de trabalho, e no os queremos limitados por deficincias de inteligncia. A consequncia uma sociedade que exclui, inferioriza e nega o valor e o potencial do deficiente.
Apesar de muitas vezes serem vistas como fardos, pessoas com deficincia mental carregam um presente escondido. A microcefalia ou a sndrome de Down podem se tornar recursos pelo quais compreendemos que a capacidade da cabea no determina a grandeza do corao. Nesta infinidade de possibilidades que a vida apresenta, deficientes mentais podem responder de maneira madura aos seus relacionamentos e na sua vinculao com o mundo. E mesmo naqueles em que o retardo mental severo, o presente escondido permanece: por se comunicarem prioritariamente em afeto e no entrarem na mentalidade da performance, da capacidade cognitiva que valoriza a produtividade, eles subvertem a lgica desumanizadora que despreza a vulnerabilidade. Os deficientes tem uma capacidade profunda de receber afeto, e assim compreendem o amor incondicional de Deus, que no se baseia no mrito. Eles nos ensinam a ver a fraqueza como graa, e a perseverar sem desprezar a deficincia, mas acolhe-la como um dom.
A necessidade da afirmao da potencialidade do deficiente mental no exclui os limites e as impossibilidades. Porm ela nos instiga a pensar que a vulnerabilidade carrega uma espera. Vulnerabilidade significa que a vida no est programada, permanece aberta e precisa ser cuidada. As famlias de crianas com deficincias tem uma oportunidade de descobrirem o mistrio do amor nascido na fraqueza.
Temos prestado um desservio como cristos ao encorajar, sem qualquer reflexo, a lgica da vitria/cura sobre o sofrimento, sem atentar para as questes da vulnerabilidade, da limitao e principalmente do Deus que nos sustenta de maneira constante enquanto convivemos com a dor, nos trazendo cura para fragilidades que no conseguimos nomear. Nos esquecemos de que o milagre mais importante Deus fazer brotar em ns um amor incondicional e doador pelos filhos nas suas deficincias.
A pessoa como um dom relacional e o desafio de uma vida no nascida
O conceito de pessoa est no centro dos desafios ticos atuais. Na tradio ocidental, enfatizou-se pessoa ora como algum dotado de capacidade cognitiva-racional, um indivduo independente; ora a partir da relao, um ser presenteado por um outro. No caso da permisso para o aborto no caso de anencefalia, concedida pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, o ministro Marco Aurlio Mello utilizou a concepo de pessoa a partir da capacidade cognitiva, em moldes jurdicos (sujeito de direitos), indivduos produtivos que participam da vida social: no h possibilidade de desenvolvimento da massa enceflica em momento posterior. O anencfalo jamais se transformar em uma pessoa. Diante dos debates atuais, necessrio redescobrir a tradio da segunda concepo, a pessoa humana como um presente relacional. Na viso crist, o conceito de pessoa inclui a capacidade racional, mas vai alm dela: na Trindade, Pai, Filho e Esprito Santo so pessoas, no qual um para o outro doador, o receptor e o presente.
O conceito de pessoa pode ser compreendido a partir da relao, pois at mesmo uma criana com poucos instantes de vida j incide sobre a famlia e a marca. Sua existncia, mesmo intrauterina, j um acontecimento que desperta nos pais a vinculao e a doao afetiva. O livro de Sarah Williams (The Shaming of the Strong: the challenge of an unborn life) o testemunho pessoal da Sarah sobre sua terceira gestao, de sua filha que foi diagnosticada com uma patologia incompatvel com a vida. Ela foi aconselhada a abortar (por todos os mdicos), mas optou por levar a gestao at o final. A beb viveu at o final da gestao, mas nasceu morta. Sarah descreve todo o processo, gestao, nomeao da criana, papel dela na constituio familiar e o turbilho de sofrimento, sentimentos e transformaes que ocorreram em sua famlia e contextos relacionais mais amplos. Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sbios, e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. (1 Corntios 1.27)
Durante a gestao, Sarah meditou por dois meses no Salmo 139. Tu viste o meu embrio; os Teus olhos me viram substncia ainda informe, quando no oculto fui formado diz o salmista.
Sarah escreve:
Se este texto verdade, ento Deus sonhou e amou minha filha como sugere o versculo. Isso tem implicaes profundas sobre meu conceito de normalidade e principalmente para meu papel de me, minha relao com Deus e com minha filha. Eu queria um beb para segurar, uma criana para brincar e ensinar, para estar de acordo com meus sonhos e projeto de famlia e preencher algumas das minhas ambies. Eu no queria um beb deformado e certamente no queria um beb morto. Deus comeou a me desafiar: e se a definio de vida de Deus diferente da minha? E se o destino deste beb ar toda a eternidade com Deus? E se os dias que Ele ordenou para ela no inclurem um aniversrio? Ser que estes dias foram menos preciosos ou sem significado? E se meu papel na relao com ela, de me e filha, cooperar para que os sonhos de Deus para esta criana sejam concretizados? E se o trabalho que Deus me deu foi o de nutrir sua vida e prepar-la para o cu, mantendo uma postura de orao e adorao ao Pai para familiariz-la com a doce presena do Pai do cu, para onde ela iria em breve? 1

O presente artigo no nasce de uma viso idealista alheia experincia das pessoas. Como psiclogos, lidamos diariamente com o sofrimento humano e as realidades da vulnerabilidade social e a deficincia. Identificamo-nos com pessoas que no conseguem descobrir um caminho em meio dor, sentem-se desesperadas e se angustiam pela falta de e. Entretanto, temos visto deficientes, mes e familiares aprendendo a reconhecer a fora da vida em meio fraqueza, descobrindo um horizonte grande e cheio de possibilidades, mesmo em meio aos limites e frustraes. Por isto cremos que o debate no deve focar-se no aborto: preciso vislumbrar possibilidades de uma resposta que no nega a deficincia, mas que a inclui, mesmo sendo um posicionamento na fragilidade. Neste artigo, propomos que a concepo crist da fora na fraqueza gera um novo olhar vulnerabilidade e deficincia; esta viso permite uma resposta a partir da fragilidade (e no contra ela) nos abrindo para a relao com os outros e com Deus.
Apesar de reconhecermos a necessidade de uma abordagem multidisciplinar pela complexidade dos desafios ticos contemporneos, nosso enfoque uma contribuio especfica a um debate amplo: uma resposta crist nutrida pelas experincias de acolhimento do sofrimento humano no trabalho psicolgico.
O presente escondido da deficincia mental
Vivemos em momento histrico que despreza o fraco e a deficincia mental. Atravs dos avanos tecnolgicos do sculo 21, a neurocincia tem pesquisado o aumento da capacidade do crebro. Diante dos projetos de melhora humana, o presente sculo tem averso deficincia cognitiva. Sem nos darmos conta, criamos nossos filhos para serem bons competidores no mercado de trabalho, e no os queremos limitados por deficincias de inteligncia. A consequncia uma sociedade que exclui, inferioriza e nega o valor e o potencial do deficiente.
Apesar de muitas vezes serem vistas como fardos, pessoas com deficincia mental carregam um presente escondido. A microcefalia ou a sndrome de Down podem se tornar recursos pelo quais compreendemos que a capacidade da cabea no determina a grandeza do corao. Nesta infinidade de possibilidades que a vida apresenta, deficientes mentais podem responder de maneira madura aos seus relacionamentos e na sua vinculao com o mundo. E mesmo naqueles em que o retardo mental severo, o presente escondido permanece: por se comunicarem prioritariamente em afeto e no entrarem na mentalidade da performance, da capacidade cognitiva que valoriza a produtividade, eles subvertem a lgica desumanizadora que despreza a vulnerabilidade. Os deficientes tem uma capacidade profunda de receber afeto, e assim compreendem o amor incondicional de Deus, que no se baseia no mrito. Eles nos ensinam a ver a fraqueza como graa, e a perseverar sem desprezar a deficincia, mas acolhe-la como um dom.
A necessidade da afirmao da potencialidade do deficiente mental no exclui os limites e as impossibilidades. Porm ela nos instiga a pensar que a vulnerabilidade carrega uma espera. Vulnerabilidade significa que a vida no est programada, permanece aberta e precisa ser cuidada. As famlias de crianas com deficincias tem uma oportunidade de descobrirem o mistrio do amor nascido na fraqueza.
Temos prestado um desservio como cristos ao encorajar, sem qualquer reflexo, a lgica da vitria/cura sobre o sofrimento, sem atentar para as questes da vulnerabilidade, da limitao e principalmente do Deus que nos sustenta de maneira constante enquanto convivemos com a dor, nos trazendo cura para fragilidades que no conseguimos nomear. Nos esquecemos de que o milagre mais importante Deus fazer brotar em ns um amor incondicional e doador pelos filhos nas suas deficincias.
A pessoa como um dom relacional e o desafio de uma vida no nascida
O conceito de pessoa est no centro dos desafios ticos atuais. Na tradio ocidental, enfatizou-se pessoa ora como algum dotado de capacidade cognitiva-racional, um indivduo independente; ora a partir da relao, um ser presenteado por um outro. No caso da permisso para o aborto no caso de anencefalia, concedida pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, o ministro Marco Aurlio Mello utilizou a concepo de pessoa a partir da capacidade cognitiva, em moldes jurdicos (sujeito de direitos), indivduos produtivos que participam da vida social: no h possibilidade de desenvolvimento da massa enceflica em momento posterior. O anencfalo jamais se transformar em uma pessoa. Diante dos debates atuais, necessrio redescobrir a tradio da segunda concepo, a pessoa humana como um presente relacional. Na viso crist, o conceito de pessoa inclui a capacidade racional, mas vai alm dela: na Trindade, Pai, Filho e Esprito Santo so pessoas, no qual um para o outro doador, o receptor e o presente.
O conceito de pessoa pode ser compreendido a partir da relao, pois at mesmo uma criana com poucos instantes de vida j incide sobre a famlia e a marca. Sua existncia, mesmo intrauterina, j um acontecimento que desperta nos pais a vinculao e a doao afetiva. O livro de Sarah Williams (The Shaming of the Strong: the challenge of an unborn life) o testemunho pessoal da Sarah sobre sua terceira gestao, de sua filha que foi diagnosticada com uma patologia incompatvel com a vida. Ela foi aconselhada a abortar (por todos os mdicos), mas optou por levar a gestao at o final. A beb viveu at o final da gestao, mas nasceu morta. Sarah descreve todo o processo, gestao, nomeao da criana, papel dela na constituio familiar e o turbilho de sofrimento, sentimentos e transformaes que ocorreram em sua famlia e contextos relacionais mais amplos. Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sbios, e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. (1 Corntios 1.27)
Durante a gestao, Sarah meditou por dois meses no Salmo 139. Tu viste o meu embrio; os Teus olhos me viram substncia ainda informe, quando no oculto fui formado diz o salmista.
Sarah escreve:
Se este texto verdade, ento Deus sonhou e amou minha filha como sugere o versculo. Isso tem implicaes profundas sobre meu conceito de normalidade e principalmente para meu papel de me, minha relao com Deus e com minha filha. Eu queria um beb para segurar, uma criana para brincar e ensinar, para estar de acordo com meus sonhos e projeto de famlia e preencher algumas das minhas ambies. Eu no queria um beb deformado e certamente no queria um beb morto. Deus comeou a me desafiar: e se a definio de vida de Deus diferente da minha? E se o destino deste beb ar toda a eternidade com Deus? E se os dias que Ele ordenou para ela no inclurem um aniversrio? Ser que estes dias foram menos preciosos ou sem significado? E se meu papel na relao com ela, de me e filha, cooperar para que os sonhos de Deus para esta criana sejam concretizados? E se o trabalho que Deus me deu foi o de nutrir sua vida e prepar-la para o cu, mantendo uma postura de orao e adorao ao Pai para familiariz-la com a doce presena do Pai do cu, para onde ela iria em breve? 1
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