A esmola envergonha e vicia o cidado 74k5u

Derval Dasilio

H urgncias. Porm, a sociedade no receptiva. Pessoas famintas, desnutridas, doentes, discriminadas por causa da cor da pele, portadoras de deficincias, sem autonomia fsica, ficam ainda mais fragilizadas (Mc 3 --10). Quem cuidar delas? A religio as condenaria ao conformismo, como resultado de pecados pessoais ou ancestrais, de acordo com o senso comum. Jesus mandou: Entra na roda, fique no meio!. E o esquadro que vigiava, perguntou: Ser que ele ousar contrariar a religio?. Na sinagoga/igreja, lugar dos religiosos, o fato chama a ateno. E Jesus, entendendo o esprito coletivo repressivo, legalista ou fatalista, pergunta: O que a Lei permite fazer no sbado: fazer o bem ou o mal? Salvar uma vida ou dar-lhe fim?. Fica-se em cima do muro. O medo de agir ilegalmente, contra ideologias tradicionais, mais forte.

A religio no cuida dessas coisas? Jesus no espera-- cura o homem deficiente, alimenta famintos, porque hoje sbado, como diria Vincius de Moraes. E inclui diferentes, estranhos. Aqui e agora, a vida no pode esperar pela morte. A neutralidade e a equidistncia, porm, escondem o julgamento de morte. Estabelecer condies de relacionamento para aes que instrumentalizem teolgica e eticamente estas questes como prximas da vida de f, urgente. Mas Jesus, enquanto vigiado pelas autoridades religiosas de seu tempo, era julgado.

Heris nas lutas por libertao no sculo 20, como Mahatma Ghandi, Martin Luther King, Nelson Mandela, jamais teriam chance de fazer o que fizeram, se dependessem da aprovao oficial da igreja crist, para no falar da f fundamentalista. Ghandi leu o Novo Testamento numa noite, quando morava na frica do Sul. Ao amanhecer, convicto de que encontrara orientao certa para sua causa, procurou uma igreja crist. Deparou-se com uma e quis entrar. Imediatamente viu uma placa: proibida a entrada de ces e negros. Nunca mais entrou numa igreja crist. No h notcia sobre qualquer apoio evanglico ou cristo sua causa. Entre cristos, o legalismo sempre est prximo do preconceito e do exclusivismo. A fome e o racismo no so estudados na Escola Dominical. A afirmao do pecado abstrato, sim.

O Brasil quer torrar milhes e milhes para sediar a Copa do Mundo em 2014, e aqui h milhes de pessoas morrendo de fome. O governo desistiu do Fome Zero, pouco depois da vitria nas urnas. Ser a fome uma crise humanitria, social e econmica, resultante da hipocrisia poltica, de campanhas eleitorais governamentais, insensibilidade das elites, da religio, do conformismo da sociedade? Se no , ento, o que ? O homem tolhido pela doena socializada-- e a fome a pior delas-- ou pelo racismo, necessita de amparo. Precisa ser til, trabalhar, produzir o seu sustento e o dos dependentes. Especialmente do ponto de vista coletivo, curar a desnutrio e evitar o holocausto infantil causado por doenas. Transformaes, so importantes para a manuteno da vida.

A desnutrio mata mais que a Aids, acidentes areos e terrestres, guerras e terrorismo, juntos. Seriam como mil transatlnticos afundando, cheios de crianas que vo morrer; e ningum chora, ningum protesta, ningum lamenta. Talvez porque a Aids, a guerra e o terrorismo no fazem distino de classe como a fome faz. Desnutrio em massa, epidemias e aumento na mortalidade so privilgiosdos fracos, excludos da participao dos bens sociais.

Programas como o Bolsa Famlia so esmolas, enquanto o que as famlias necessitam trabalho, habitao e seguridade sanitria, em primeiro lugar. A fome no espera pela religio, diz o Evangelho. Mais de um bilho de homens, mulheres e crianas, neste planeta-- mais de vinte milhes no Brasil-- sofrem por causa da fome. A esmola mata de vergonha ou vicia o cidado, diz Luiz Gonzaga. E Jesus diz, a respeito do descanso que deram a Deus: Meu Pai ainda trabalha para saciar as fomes do mundo.

No juzo final, voc espera ser desculpado? Deus poder lhe obrigar a derramar lgrimas de vergonha, nesse dia, fazendo recitar de cor os poemas que voc poderia ter escrito, e no o fez; as palavras de indignao que evitou proferir, tivesse sido sua uma vida de amor justia (W.H. Auden).


Derval Dasilio pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.