Termos intraduzveis na natalidade do Senhor zr67

Derval Dasilio

O salmo 146 uma das leituras do advento; prepara a vinda do Senhor. As ligaes deste salmo com a vida de Jesus so inmeras. Basta lembrar o esboo sobre o reino de Deus (Lucas 4.18-21) e as consequncias desse manifesto de Jesus a respeito dos oprimidos em todos os nveis, dos famintos da terra (mais de 1,5 bilhes de homens, mulheres e crianas am fome por lhes faltarem nutrientes mnimos para a sobrevivncia). Fala de prisioneiros, guerras em todos os quadrantes por motivo de conscincia ou de religio reprimida. H sequestrados pela globalizao cultural, sem direito vida autntica; h cegos s realidades esmagadoras de um mundo envolvido em lutas pelo poder.

O que ser moderno, hoje? Ser cool, flexvel, hedonista, libertrio? O culto ao luxo, ao conforto, ao desperdcio (use e jogue fora), deixa rastros bem visveis no mundo egosta e impiedoso de nossos dias. H vtimas da cegueira escondidas atrs de luxuosos culos italianos.

O salmo 146 evoca o carinho de Deus pelos exilados, retirantes, imigrantes, desprotegidos, perseguidos. Lembra as vivas e os rfos, smbolos dos esquecidos, despojados, sem trabalho, sem sustento, sem lugar no mundo. O reino que Jesus anunciou traz esperana para dentro da caminhada dos despossudos, alijados do mercado e do mundo produtivo. No podemos esquecer a atitude de Jesus contra os poderosos, ensinando-nos a no confiar neles e nos religiosos que os imitavam em hipocrisia, quando se dirigia a eles sem cuidado estilstico, proferindo palavres em aramaico¹.

Neste salmo Deus aliado dos justos contra os injustos; fiel aos esmagados pelos poderes deste mundo. Feliz quem se apoia nesse Deus! Os perversos referem-se a ele, para justificar a injustia que cometem, mas ele mesmo, Deus de Israel, que aponta os meios para enfrentar tais injustias sem submisso s suas imposies. H citaes no salmo 146 sobre grupos humanos excludos da vida econmica produtiva (explorados por poderosos injustos e seus apoiadores), aqueles que no tm privilgios e cujos direitos fundamentais so sistematicamente negados, e os que no tm liberdade de conscincia e expresso. Outras paisagens so apontadas na utopia do salmo proftico: a semi-escravido do trabalho, jornadas imensas e sem descanso adequado.

O salmista evoca a fome de dignidade. Parece ter escrito hoje! Andando pelas ruas, o autor do salmo poderia tambm ser um dos que vislumbram sinais de esperana subindo os morros, convivendo com traficantes, no meio do tiroteio e das balas perdidas, caminhando com os habitantes dos lugares de toda pobreza e de imensa misria: A porta do barraco era sem trinco, / mas a lua furando o nosso zinco / salpicava de estrelas nosso cho (Orestes Barbosa). As casas no tm mais zinco, mas os telhados e as paredes so perfurados por balas perdidas, nas proximidades dos morros.

Aqui, a poesia tem comunicao secreta com o sofrimento do homem, dizia Pablo Neruda. Difcil imaginar o poeta bblico dentro de um shopping, veloz para gastar as economias reunidas o ano inteiro, cheio de urgncias consumistas, respondendo ao marketing insistente da mdia natalina. Em Copenhague (COP-15), todas as igrejas da Dinamarca fizeram dobrar os sinos, a fim de exortar os lderes do mundo para que adotem medidas urgentes para salvar o planeta de uma catstrofe ambiental.

Quem est encantado pelas guirlandas, pelas lmpadas piscantes, pelas rvores de natal em verdes artificiais, convidado a deter-se por um momento e olhar ao redor. Pensar sobre a asfixia das festas inteis, dos compromissos obrigatrios, das trocas de presentes, e parar para ouvir uma cano bblica. Hora de escutar o tum-tum-tum rtmico envolvente, fascinante, dos que deviam chorar, mas incompreensivelmente danam e cantam, talvez envolvidos pela esperana do Salvador. Porm isso o que este salmo desperta em ns, ouvindo sua msica, enquanto nos deixamos arrebatar. Escrevia o pastor Jacy Maraschin, irmo anglicano: Como vamos cantar / este canto imprevisto, / to distantes do lar, / to num mundo sem Cristo () Como vamos cantar se o irmo explorado, / se lhe fazem calar, / se ele sempre anulado? / A cano do Senhor tem de ser verdadeira, / para ser o louvor na terra brasileira. Ento Natal...

Nota
1. Fala original traduzida com excesso de escrpulos por delicados tradutores (cf. Joachim Jeremias).


Derval Dasilio pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. www.derv.wordpress.com

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