Tentando compreender Gaza 2mm1e

PorColin Chapman
Se houver um cessar-fogo quando este artigo for lido [este texto foi escrito em 2014, quando confrontos com Israel semelhantes aos de 2021 ocorriam], nenhuma das questes abaixo estar resolvida. Eis aqui, portanto, uma breve tentativa de analisar do que se trata esta recente deflagrao da luta entre Israel e Gaza com quatro chaves que me ajudam a compreender o quadro maior.

Benny Morris foi um dos primeiros novos historiadores revisionistas israelenses que documentaram o processo pelo qual cerca de 750.000 palestinos foram expulsos de seus lares, meses antes e depois da criao do estado de Israel em maio de 1948. Em seu livro The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947-1949 [O nascimento do problema dos refugiados palestinos] (1988), ele desfez o mito de que haviam fugido porque seus lderes os haviam incentivado, e descreveu como alguns foram para Gaza, enquanto outros se mudaram para o Egito, a Cisjordnia e o Lbano. Alguns anos depois, ele surpreendeu muitos quando disse, numa entrevista para o jornal Haaretz, que Israel no teria tantos problemas hoje se tivesse feito um trabalho mais completo e expulsado muito mais palestinos da rea do novo estado de Israel. Outro historiador israelense, Ilan Papp, hoje professor da Faculdade de Cincias Sociais e Estudos Internacionais na Universidade de Exeter, usou material semelhante para descrever com muitos detalhes como as expulses foram realizadas em toda a rea com o objetivo de reduzir ao mnimo possvel o nmero de rabes que permaneceriam dentro do estado de Israel, e ele no teve receio de dar ao livro o ttulo The Ethnic Cleansing of Palestine [A limpeza tnica da Palestina] (2006). O tratamento a que Israel submeteu os palestinos durante esse perodo crucial antes de depois do estabelecimento do estado tem sido chamado o pecado original de Israel. O ponto relevante nesse contexto que os msseis que os palestinos lanam de Gaza caem sobre reas de onde seus pais e avs foram expulsos em 1948.

Rami Khoury, jornalista palestino-jordaniano, defende com vigor esse ponto num artigo publicado no jornal The Daily Star em Beirute, em 26 de julho:

Ningum pode negar o direito de Israel autodefesa, sujeito ao teste de proporcionalidade, e compreensvel que Israel queira forar o Hamas a parar de lanar msseis indiscriminadamente contra Israel. O Hamas poderia ter parado de lanar msseis assim que as baixas comearam a se acumular e a comunidade internacional pediu um cessar-fogo. Mas Gaza tem sido descrita como a maior priso a cu aberto do mundo, e os msseis (que, por enquanto, s mataram trs civis em Israel), expressam o desespero dos palestinos por oito anos de bloqueio econmico impostos por Israel depois que o Hamas chegou ao poder em 2006. evidente a determinao de Israel em destruir o arsenal do Hamas e a rede de tneis que chegam a Israel. Mas os lderes do Hamas acreditam que no podem se dar ao luxo de aceitar um cessar-fogo sem garantirem, da parte de Israel, concesses que aliviem a crise humanitria que se desenvolve dentro de Gaza. Os nmeros aterradores de mortes de civis, portanto, e a destruio de tantas propriedades so vistos como o preo que precisa ser pago para forar Israel a se curvar presso internacional e encerrar seu bloqueio nefasto. Os palestinos em Gaza sentem que se no morrem sob os msseis, sero estrangulados at a morte pelo bloqueio.

Antes dele, claro, a ocupao existia. Em junho de 1967, Israel ocupou a Cisjordnia, os Montes de Gol, o Sinai e a Faixa de Gaza, onde acabaram construindo 20 assentamentos em 20% da rea. Foi nesse contexto de ocupao que, por volta de 1988, surgiu o Hamas como movimento de resistncia. A maior parte do mundo acredita que a ocupao israelense da Cisjordnia a partir de 1967 ilegal segundo a lei internacional e que cada assentamento nos territrios ocupados ilegal. Sob a liderana de Ariel Sharon, Israel retirou-se completamente de Gaza em 2005, mas pela lei internacional, ainda mantm todas as responsabilidades do poder de ocupao. A fundamentao lgica para o recuo foi explicada nestes termos por Dov Weissglass, um dos conselheiros de Sharon: A importncia do plano de retirada o congelamento do processo de paz E quando se congela esse processo, evita-se o estabelecimento de um estado palestino, evita-se uma discusso sobre refugiados, os limites e Jerusalm. Parece que, agora, at a istrao americana concluiu que o dito processo de paz buscado que John Kerry vem buscando com tanto empenho nos ltimos nove meses cai por terra principalmente porque Israel se recusa a parar de construir novos assentamentos na Cisjordnia. Os msseis do Hamas, portanto, parecem ser o nico meio que tm para expressar a ira e o desespero dos palestinos com o bloqueio e a ocupao.

Avi Shlaim, professor emrito de Relaes Internacionais na Universidade de Oxford destaca esses pontos num artigo intitulado Qual a utilidade do equilbrio numa guerra to assimtrica">Por que a graa no chega para alcanar muulmanos?