Rookmaaker e o significado da arte 312n38

Por Jos de Segovia

Muitos continuamos crendo, como ele, que toda vida e realidade est relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ao e sentimento , em certo sentido, religio.

Este ano o centenrio do melhor amigo de Francis Schaeffer de acordo com a biografia de Colin Duriez , o holands Hans Rookmaaker (1922-1977). Esse professor mudou a viso da arte de muitos evanglicos. A melhor introduo a seu pensamento uma srie de conferncias publicadas em espanhol em 1995 sob o ttulo El arte no necesita justificacin (A Arte No Precisa de Justificativa, Ultimato, 2010).A Facultad Latinoamericana de Estudios Teolgicos tambm reeditou recentemente o livro intitulado A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura (Ultimato, 2015).

Essa obra pretende mostrar a relao entre a grande revoluo cultural de nosso tempo e o esprito geral da poca, com exemplos provenientes geralmente da pintura, embora tambm haja citaes de msicos dos anos 60 como Bob Dylan ou Paul Simon. Sua tese fundamental que a arte sempre uma interpretao de uma certa viso da realidade. Por isso a arte moderna, segundo Rookmaaker, reflete uma cultura agonizante, que parte da Era da Razo, ou Iluminismo. O livro traa as origens desse movimento de uma forma clara e comovente. No um livro sistemtico. s vezes algo repetitivo, mas tem uma mensagem poderosa.

Rookmaaker significa em holands aquele que faz fumaa, apropriado para algum que todos recordam com uma imagem to incomum no mundo evanglico como a de um fumante empedernido. Os estudantes na Inglaterra costumavam cham-lo carinhosamente de Rooky. Na Holanda, muitos iam casa dele nas noites de domingo, quando Hans expunha a Epstola aos Romanos, cachimbo na mo, e respondia perguntas.

Tinha fama de extravagante e excntrico. Em viagens Gr-Bretanha a partir de 1967, o professor era conhecido pelas conversas at tarde da noite, que eram o pesadelo dos assessores dos Grupos Bblicos Universitrios que o acompanhavam. Os evanglicos norte-americanos ficavam escandalizados com suas palestras, em que mostrava slides que frequentemente incluam a nudez. Usava ainda ilustraes musicais dos Beatles ou dos Rolling Stones, ou at mesmo do rock californiano mais cido, como Grateful Dead ou Jefferson Airplane.

Vtima do nazismo
Rookmaaker vinha de uma famlia no crist. Seu av era um diplomata que abandonou o protestantismo ao se casar com uma catlica e anunciar sua separao de qualquer igreja conhecida. Quando Hans nasceu em Haia, no incio dos felizes ano 20, seus pais viviam entre Sumatra e a Holanda. No foi batizado quando criana. Era bastante introvertido e cresceu protegico pelas duas irms, sempre mudando de casa. A guerra separou sua famlia entre os campos de concentrao japoneses na Indonsia e as prises nazistas na Polnia.


Na priso nazista, o nico livro a que Rookmaaker tinha o era a Bblia. Em 1943, foi deportado junto com dez mil holandeses a um campo de guerra em Nuremberg. Ali a fome, mas comea a fazer grandes descobertas na Escritura. Depois levado para a Ucrnia, a pelos ps dos montes Crpatos e termina na costa bltica, continuando seus estudos pelo correio. L conhece um capito chamado Mekkes, que mais tarde ser professor de filosofia. Atravs dele, se torna cristo.

Amigo de Shaeffer
Aps sua libertao, Hans fala de sua nova f a uma das amigas que sobreviveram ao Holocausto. Anky trabalhava como secretria em Haia. Iam juntos ao cinema, mas ela no foi igreja at o dia em que Rookmaaker foi batizado em uma Igreja Reformada Livre, uma denominao conservadora que havia sado da igreja reformada fundada pelo telogo e primeiro-ministro holands Abraham Kuyper. Anky tinha idias orientais, como a reencarnao, mas quando se tornou crist eles se casaram.

No meio protestante conservador no qual Hans e Anky circulavam, surgiu uma oportunidade de trabalho na primeira Conferncia do Conclio Internacional de Igrejas Crists, realizada em Amsterd em 1948, como uma alternativa fundamentalista ao ecumnico Conselho Mundial de Igrejas que se estabeleceu nesse mesmo ano naquela cidade. Um jovem pastor presbiteriano norte-americano chamado Francis Schaeffer (1912-1984) militava ento nas fileiras do neo-fundamentalismo que aquele conclio representava, com a separao da Igreja Presbiteriana Ortodoxa e do Seminrio de Westminster aps a morte de Machen, por uma disputa sobre o direito liberdade de conscincia de professores e estudantes, para fumar, beber ou danar.

Aquele estudante que fumava cachimbo e perguntava sobre msica negra chamou a ateno de Schaeffer, que se impressionou ainda com a converso de Rookmaaker durante a guerra. Andaram pela cidade, to interessados na conversa que Hans esqueceu de buscar Anky. Assim comeou uma amizade que duraria a vida toda. Schaeffer foi depois enviado como missionrio Europa para trabalhar com crianas. L teve a crise de f que o levou a comear uma comunidade nas montanhas em 1954, que chamou de L"Abri (Refgio). Rookmaaker ou muito tempo l conversando com no-crentes sobre a f. Seu pensamento est por trs do livro de Schaeffer, A Arte e a Bblia, publicado pela Ultimato em 2010.

Arte, msica e cinema
Hans estudou Histria da Arte e fez seu doutorado sobre Gauguin. Ensinava em uma escola secundria e escrevia crticas de arte para um jornal, enquanto Anky continuava trabalhando como secretria em um hospital. No tinham muito dinheiro. Ele gastava muito em livros e discos. A verdade que era pouco prtico, mas sua f preenchia toda a sua vida. Comeou uma reunio de orao em sua igreja, na qual foi escolhido como ancio nos anos 60. O telogo e primeiro-ministro da Holanda Abraham Kuyper havia fundado a Universidade Livre de Amsterd, inspirado por sua f crist. L Rookmaaker se tornou professor de Histria da Arte. Era muito popular entre os estudantes, que vinham de muitos pases para estudar com ele. Saa com eles para ver galerias, e faziam at excurses Alemanha.

Nos anos 60, visita vrias universidades americanas, frequenta igrejas negras e conhece a famosa cantora gospel Mahalia Jackson. Publica ento um livro sobre jazz, blues e spirituals, e chega a ser responsvel pela conhecida coleo de discos chamada Riverside, que recuperava gravaes desse tipo de msica para a gravadora Fontana. Rookmaaker gostava de Bach, mas depois no se interessava por praticamente nada at as origens do jazz. Nisso, como em tantas outras coisas, no era nada convencional. Sua esposa costumava se levantar cedo, mas ele era praticamente intratvel at o meio da manh. Sua vida noturna o tornava incapaz de pronunciar qualquer palavra a essas horas que no fosse um gesto de irritao.

Rookmaaker lia muito, mas no romances, exceto os de C. S. Lewis. No entendia nada de esporte, mas era um grande cinfilo. Foi at mesmo membro do conselho estatal de censura de filmes que havia na Holanda. Suas decises eram to curiosas quanto era grande sua averso ao moralismo. Preferia uma viso honesta da vida, por exemplo, ainda que mostrasse uma clara permissividade sexual, violncia gratuita dos filmes de ao. Aprovava por isso os obras de Buuel ou Fellini, e rechaava os filmes de Kung-Fu. Em 1962, publicou um livro sobre arte e entretenimento, que mostra seus critrios de avaliao a esse respeito.

Seu legado hoje
Em 1970, publica seu livro sobre arte moderna, dois anos depois de outro sobre a arte e o pblico de hoje. A obra foi traduzida para muitos idiomas. O jornal britnico Observer a escolheu como um dos livros do ano em 1972. Aqui encontramos uma autntica perspectiva bblica sobre a histria da arte. No muito depois, em 1977, Rookmaaker partia para o Senhor com um ataque cardaco repentino, aos 55 anos de idade. Em seu funeral, tal como ele queria, foi tocado um dos spirituals de Mahalia Jackson.

Um de seus discpulos ingleses, Graham Birtwistle, o sucedeu na Universidade. Outros continuaram sua obra, como Marc de Klijn, um pintor e pianista de jazz que vinha de uma famlia artstica de judeus no crentes, e que se tornara cristo atravs de Rookmaaker. Embora atualmente viva em Israel, ensinou ilustrao para minha esposa na Academia Crist de Belas Artes que foi fundada no final dos anos 70 na cidade de Kampen - onde estudei teologia, sendo membro de sua igreja.


Uma filha de Rookmaaker, Marleen, estudou musicologia. Tive a oportunidade de conhec-la alguns anos atrs, em uma conferncia sobre a Reforma em Wittenberg. Ela publicou a obra completa do pai em ingls, em seis volumes. No h dvida de que seu legado continua vivo hoje. Pois, como ele dizia, a f no s uma questo de religio, da alma e de sua salvao no cu, mas da salvao de toda a pessoa, um modo de vida e pensamento que afeta todos os aspectos da vida humana.

Muitos de ns continuamos a acreditar que toda vida e realidade est relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ao e sentimento , em certo sentido, religio. Portanto, no s a alma em um sentido estritamente religioso que pertence a Deus, mas toda a vida. Esses grandes princpios bblicos da Reforma do resposta no s questo de qual a atitude crist em relao cultura, mas tambm qual deve ser a atitude do crente em relao a uma cultura no-crist.

Acredito, como ele, que Deus quer que seu povo viva, j que ele Deus de vida, de vida plena, em toda a realidade humana. E que Seus mandamentos no so simplesmente religiosos ou ticos, mas princpios bsicos de vida. Como Rookmaaker, para mim a arte no uma questo de gosto. O que sempre me pergunto o que ela diz sobre a vida humana. Acredito que a est o seu significado.


Jos de Segovia Barrn, pastor da Igreja Evanglica do bairro de San Pascual em Madrid. Professor da Faculdade Internacional de Teologia IBSTE de Castelldefels, do Centro Evanglico de Estudos Bblicos (CEEB) de Barcelona, da Faculdade de Teologia UEBE (FTUEBE) de Alcobendas (Madrid) e da Escola de Estudos Bblicos e Teolgicos de Welwyn (Inglaterra). Autor dos livros Entrelneas, Ocultismo, Historias Extraas Sobre Jess, El Prncipe Caspian y La Fe de C. S. Lewis, Huellas del Cristianismo en el Cine e El Asombro del Perdn. casado com Anna, e tem quatro filhos: Lluvia, Natn, No e Edn.

Traduzido por Davi A. O. Pinto
Artigo originalmente publicado emRookmaaker y el sentido del arte. Reproduzido com permisso.

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