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04 de maro de 2022
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Robinson Cavalcanti e os Sentidos do Ser Evangelical 706422
Por Lyndon de Arajo Santos
Falar de Robinson Cavalcanti como um evangelical aponta para uma das suas identidades como sujeito histrico que se constituiu e foi constitudo no conjunto das suas relaes sociais, polticas, religiosas e culturais.

Estudos sobre Robinson Cavalcanti j comeam a ser produzidos no mbito da academia e com penetrao no circuito evanglico brasileiro. Em Poltica, Religio e Sociedade: a contribuio protestante de Robinson Cavalcanti, o historiador Fernando Costa o compreendeu como participante de um contexto e de uma conjuntura histrica do protestantismo no Brasil (COSTA, 2020). Costa partiu da historiografia do protestantismo, dos significados do termo protestante e da preocupao com a vertente progressista desse protestantismo. Robinson foi um contraponto cultura conservadora dos evanglicos, ao transitar em fronteiras discursivas e em ambientes intelectuais e polticos que lhe proporcionaram um papel relevante naquele cenrio. Sua influncia se deu entre igrejas, movimentos estudantis, entidades representativas como alianas evanglicas e movimentos protestantes missionrios e teolgicos (COSTA, 2020, p. 15).
A anlise ainda o apresenta como um sujeito portador de memria, de crtica, de influncia e de fronteiras. Deste modo, o insere na continuidade do processo histrico do protestantismo brasileiro, aponta as influncias recebidas e rene textos escritos como base de anlise de seu pensamento e de sua atividade como militante nos espaos religiosos e polticos. Enfim, o situa dentro do escopo do protestantismo progressista.
So necessrias ainda novas pesquisas que contemplem mais sobre o discurso de Robinson Cavalcanti, partindo de documentos relacionados a cerca de dez anos de publicao semanal no Jornal do Commercio de Pernambuco, outras publicaes em espanhol e ingls, livros, palestras, pregaes e pastorais, bem como outras produes enquanto bispo diocesano que no prefiguram como fontes para o que a pesquisa de props (COSTA, 2020, p. 19).
O presente texto insere-se nessa esteira de pesquisas e de reflexes em aberto, com uma pequena contribuio e provocaes ao historicizar o termo evangelical e propor o caminho de uma fazer teolgico decolonial. Ser apresentado um depoimento pessoal das relaes com Robinson Cavalcanti e um debate problematizador sobre um dos seus principais escritos, Cristianismo e Poltica. Antes, porm, cabe ainda uma palavra sobre o termo evangelical.
POR QUE AINDA EVANGELICAL?

Os dois Congressos Mundiais de Evangelizao em 1966 na Alemanha e em 1974 em Lausanne, Sua, so colocados como marcos do nascimento desse movimento (SIMES, 2016). O chamado Pacto de Lausanne considerado como o seu documento principal. Entidades e movimentos como o CIEE Comunidade Internacional de Estudantes Evanglicos e, no Brasil a ABU Aliana Bblica Universitria, representam espaos institucionais. O evangelicalismo seria o movimento historicamente definido como conservador nas doutrinas, mas voltado para uma dada tica religiosa e social, mantendo o fervor missionrio e o biblicismo que buscava escapar tanto do literalismo como de uma hermenutica relativista.
Contudo, na Amrica Latina, ocorreram variaes de posies, de fronteiras e de tonalidades que se desfazem nas relaes concretas entre sujeitos, movimentos e grupos, relativizando as categorizaes e os esteretipos, objeto de pesquisas e anlises futuras. A vertente assim autodenominada evangelical constituiu-se a partir da teologia da misso integral e desenvolveu suas prprias perspectivas e horizontes teolgicos, com intensa mobilizao em torno de publicaes, consultas, intercmbios e congressos.
Por um lado, procurou conservar a identidade evanglica pautada na confessionalidade, na autoridade das escrituras e na prtica missionria voltada para o crescimento de igrejas, sendo crtica, mas ainda tributria matriz estadunidense, embora fazendo abordagens contextuais. Por outro, avanou nas problematizaes missionais, teolgicas e hermenuticas, oriundas das experincias pastorais e eclesiais, do pluralismo em termos religiosos e da diversidade de gnero, das questes indgenas e dos legados da colonizao ibrica no continente, a exemplo da escravizao de indgenas e de africanos.
Neste sentido, aproximou-se de compreenses e de linguagens progressistas e ecumnicas como a Teologia da Libertao e suas variantes da teologia negra e teologia feminista, estabelecendo dilogos e diluindo as fronteiras demarcadas pelas classificaes clssicas. Eixos temticos centrais como a ecologia e o meio ambiente, a laicidade e o espao pblico, as questes de gnero e a diversidade, impem o debate teolgico que inclua todo o legado plural do que seria o evangelicalismo, mas que se repense como decolonial.
Podemos, ento, pensar Robinson Cavalcanti neste processo de construo e de disputas semnticas que se estabeleceu nos contextos latinoamericano e brasileiro, nas dcadas de 1970 a 2000, na tentativa de instituir um significado para o que ele chamou de evangelicalismo holstico.
UM DEPOIMENTO PESSOAL

Robinson falou sobre os evanglicos na poltica e, como um bom cientista poltico, apresentou didaticamente um mapa ideolgico dos partidos e dos candidatos ao primeiro turno das eleies para presidente da repblica, a primeira depois do fim da ditadura civil-militar. Discorreu sobre cada um dos principais concorrentes ao Planalto como Fernando Collor, Ulysses Guimares, Mrio Covas, Leonel Brizola e Luiz Incio Lula da Silva.
Mesclando humor e um raciocnio arguto, levou os ouvintes a se convencerem pela ltima opo, posicionando-se a favor do candidato operrio para surpresa de muitos, depois de percorrer cada um dos demais enquadrando-os a partir dos seus compromissos de classe. Exps uma anlise lcida da disputa na perspectiva da luta de classes sem citar o conceito marxista.
No segundo semestre do ano de 1995, em Betim, regio metropolitana de Belo Horizonte, o congresso do MEP Movimento Evanglico Progressista reuniu lideranas sindicais e evanglicas para o debate sobre a organizao do prprio movimento e sobre o destino dos evanglicos no campo poltico brasileiro, em tempos de democracia da nova repblica. O evento foi um encontro de expectativas represadas por um segmento progressista entre os evanglicos, que aspiravam ser reconhecidos e marcarem uma posio baseada no entendimento de que era possvel ser evanglico e progressista ao mesmo tempo.
O fracasso do governo de Collor e a disputa recente entre os dois partidos principais que iriam dominar o cenrio poltico das dcadas seguintes, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT), com a acirrada campanha de Lula, legitimou a tomada maior de conscincia e de posicionamentos por parte dos progressistas. Robinson foi um tipo de intelectual orgnico do movimento que procurou se estruturar e construir bases nacionais de representao, numa poca em que os evanglicos eram invisibilizados pelos partidos e pela sociedade em geral, embora estivessem crescendo em nmero e em representatividade no campo poltico, sobretudo por parte dos pentecostais e neopentecostais.
Os demais encontros se deram em So Lus quando da comemorao de quarenta anos de aniversrio da ABUB em 2009. Quando da comemorao do dia da Reforma Protestante, organizada pelo Ncleo da Fraternidade Teolgica Latino-americana - Brasil (FTL-B) na capital maranhense, Robinson proferiu palestra no Palcio Cristo Rei, sede da Universidade Federal do Maranho num sbado pela manh e pregou no templo da Igreja Evanglica Congregacional de So Lus no domingo. O momento de celebrao da eucaristia em conjunto numa igreja de tradio congregacionalista por parte de um bispo anglicano representou a capacidade de se atravessar fronteiras teolgicas outrora intransponveis em torno do entendimento teolgico da ceia, num testemunho ecumnico e fraterno de unidade.
Robinson falaria no templo Igreja Assembleia de Deus no bairro da Cidade Operria, periferia da cidade de So Lus, tambm por ocasio do dia da Reforma Protestante. Foi um evento emblemtico pela presena de um bispo anglicano num templo assembleiano, recebido pelo seu pastor na poca, Rayfran Batista da Silva. O que ficou marcado naquele encontro foi o olhar perspicaz de Robinson para a mobilizao de homens e de mulheres num sbado a tarde, cuidando do templo e tomando outras providncias para o funcionamento daquele espao sagrado no fim de semana. Percebeu a disponibilizao de uma mo-de-obra gratuita instituio por meio do voluntarismo de pessoas simples, oriundas das camadas empobrecidas, mas que se dispunham trabalhar como forma de dignificao pessoal. Sua anlise interclassista foi, mais uma vez, de uma argcia incomum ao ler aquele cotidiano vivido.
Contudo, era perceptvel a mudana do seu discurso outrora militante, acadmico e poltico para outro mais formatado pela condio eclesistica assumida em 1997, mais orgnico e institucional, ortodoxo e confessional, mas sem perder a capacidade de rapidez lgica do pensamento e do humor reflexivo. A fala de Robinson estava tambm atravessada pelos conflitos vividos no ambiente do anglicanismo brasileiro em torno da questo da sexualidade e das tenses vividas pelas tendncias liberais de setores da igreja no mundo. Para ele, a questo da sexualidade seria um divisor de guas do evangelicalismo nacional.
Em 2010, no retorno do III Congresso Mundial de Evangelizao do movimento Lausanne, no voo de cerca de dez horas da Cidade do Cabo na frica do Sul, local do congresso, a Buenos Aires, pudemos conversar sobre o evento e a Igreja Anglicana. Mais do que necessidade de ar o tempo, foi um dilogo instruidor quanto sua viso da igreja e de Lausanne. Lausanne era para ele o movimento referncia do evangelicalismo em sua pluralidade interna de vises sobre a misso da igreja. Falou sobre as disputas finais da comisso de redao do documento final do congresso. Alm disso, exps uma aula convincente sobre a tradio anglicana em sua tentativa de continuidade apostlica, suas tenses com a Igreja Catlica Romana e as divises geogrficas e eclesisticas do anglicanismo mundial, concluindo que o anglicanismo representava a legtima herana do cristianismo primitivo e reformado.
Por pouco, me persuadiu a me tornar um anglicano.
Publicao originalmente pelo Instituto Robinson Cavalcanti. Reproduzido com permisso.
Publicao originalmente pelo Instituto Robinson Cavalcanti. Reproduzido com permisso.
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