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Quando a pandemia no permite dizer adeus – lembranas de minha av 5j1x5o

Obiturios em tempos de Covid-19
Por Phelipe Reis
Porque sinto, escrevo. Porque escrevo, sinto. Estamos enterrando nossos velhos. Enterrando uma parte de ns, da nossa histria e de nossas razes.
Comunidade Boa Esperana do Z A. de l que tenho as memrias mais peculiares da minha infncia. Lembranas de experincias que Elis e Joaquim, meus filhos, provavelmente no vivero. Da beira do rio at a casa do vov Romano e da vov Tereza, era meia hora de caminhada. Estrada de barro e pedra. No tempo de chuva, s lama. Antes de entrar na casa, tirar o barro da sandlia com uma faca velha destinada para isso. A casa simples, de madeira, assoalho, jirau... Tudo bem ajeitadinho. Ao redor dela, galinhas, pintos, galos, porcos, patos, um barraco para fazer farinha, o banheiro de madeira mais afastado e uma senhora mangueira, imponente, que derramava seus frutos aos montes pelo cho. As mangas faziam a nossa alegria e deixavam os dentes cheios de fiapos. Nesta poca no tinha gua encanada, era preciso ir buscar em cacimbas ou em pequenos igaraps um pouco distantes da casa. gua limpinha, transparente, fria e gostosa.
Mas curumim no podia ficar s fazendo danao e brincando o dia todo, tambm tinha que ajudar no trabalho de gente grande. Ir pro roado ajudar a tirar mandioca, macaxeira, car, batata doce. Depois, ajudar a descascar e ralar a mandioca para fazer a farinha, que seria torrada naquele forno grande, que quando ficava muito tempo sem ser usado, virava casa aconchegante para as galinhas botarem seus ovos. Vez ou outra, moer o milho para dar aos animais espalhados ao redor da casa. Lembro que tinha uma engenhoca de moer a cana. ava uma, duas vezes e via o caldo escorrendo naquela valeta meio enferrujada. Depois bebia com gosto.
Aos domingos pela manh, ao soar do sino, todos tinham que ir missa. Na mesa do caf, era comum ter beiju cica, p de moleque, leite de vaca, farinha de tapioca e, s vezes, um queijo novinho, dividido milimetricamente pelo velho Romano, para poder dar pelo menos um pedacinho para tantos curumins e cunhants.
O domingo tarde era um dos momentos mais aguardados, porque era quando os adultos poderiam levar a curuminzada para pular e tomar banho nas guas geladas do igarap Grande. Mas este momento tambm era disputado com o futebol que acontecia no campo quase em frente casa. Do outro lado do campo, tinham alguns uixizeiros. Enquanto o povo jogava bola, amos procurar uix e outras frutas.
O que se destaca em meio a estas lembranas so as confraternizaes de dezembro, Natal e fim de ano. Sempre que possvel, juntava quase todos da famlia. Era muita gente, muita animao, conversa, risadas, msica, amigo oculto, comida e bebida. E, claro, alguns desentendimentos, como em qualquer outra famlia normal.
Vov Romano nos deixou primeiro. Era muito sisudo e brabo. Dava medo at de ir pedir a bena. Quando bebia umas e outras, at que abria um sorriso. Ele tinha uma maquira que ficava atada perto do velho freezer que guardava o gelo. Quando ele no estava por perto, at dava para ficar nela um pouco. Mas se ele encontrasse algum nela, era certo levar um belo ralho.
J vov Tereza, sempre foi uma mulher tranquila, de poucas palavras e um sorriso singelo no rosto. Sua rotina era de muito trabalho, sempre. Varria, limpava, cozinhava, lava loua, dava comida pras galinhas, lavava roupa, ainda ia pra roa quando precisava. Gostava de cozinhar, fazer pamonha, mungunz, bolo de macaxeira. Era ela quem fazia variados tipos de mingaus que minha me e suas irms iam vender na antiga da praa da prefeitura, quando eram adolescentes.
Na tarde nublada de 23 de maio, os olhos da vov se fecharam para sempre. Tereza Romano Marques, viveu quase um sculo e foi desfalecendo aos poucos devido a um tumor que foi crescendo rapidamente, comprimindo seus rgos e lhe causando muita dor nos ltimos meses de vida. Esta pandemia forou uma despedida diferente. A famlia numerosa formada por vov Romano e por vov Tereza, no pde se reunir para velar seu corpo, nem estar presente no sepultamento. Aps os trmites, as autoridades ordenaram o sepultamento imediato. E assim aconteceu, na mesma noite, debaixo de muita chuva, num cemitrio escuro.
H cerca de duas semanas tive a oportunidade de visitar vov Tereza. Troquei algumas palavras, li um Salmo bblico, cantei uma cano e orei com ela. Na ocasio, falou a mim: Deus sabe que estou em suas mos. Que ele faa a vontade dele. Uma pena no ter visitado ela mais vezes.
Confesso que tardiamente comecei a aprender a valorizar nossos velhos e velhas, ter interesse em ouvir suas histrias e seus causos, aprender com sua sabedoria e experincia de vida. Que tolo! Quando comecei a perceber o valor e a riqueza que eles carregam, eles j estavam se aproximando do fim de sua agem por este mundo.
Nestes dias, estamos enterrando nossos velhos e velhas. E quando os enterramos, enterramos junto uma parte de ns, da nossa histria e das nossas razes. Agora, s me restam as lembranas e a certeza de que neste lugar que se chama memria se enrazam e florescem alguns dos mais nobres sentimentos humanos. Lembranas e sentimentos que, algum dia, da mente podero se apagar, mas nestas palavras, que rascunho como uma forma de vivenciar o luto, podero se eternizar.
Descanse em paz, v Tereza, nos braos daquele que no lhe criou para a dor nem para o sofrimento, mas para a vida eterna.
Parintins, 23 de maio de 2020.
Phelipe Reis, neto de Adelson, Ernesto, Cam, Romano e Tereza.

natural do Amazonas, casado com Luze e pai da Elis e do Joaquim. Graduado em Comunicao Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mestre em Missiologia no Centro Evanglico de Misses (CEM). missionrio e colaborador do Portal Ultimato.
  • Textos publicados: 190 [ver]

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