Por que usar a cincia para testar Deus? 2a2846

Guilherme de Carvalho

No dia 9 de abril Ian Sample, correspondente de cincia do The Guardian, publicou um comentrio juntamente com o udio da entrevista concedida a ele por John Polkinghorne, fsico-matemtico e sacerdote anglicano, autor de diversos livros de referncia sobre o dilogo entre cincia e religio. A entrevista fora motivada pelo lanamento recente do livro Questions of Truth: God, Science and Belief,de Polkinghorne, no qual vrios aspectos do debate sobre cincia e religio so tratados em forma de pergunta e resposta.

No contedo da entrevista, nada muito especial, de fato. Sample pergunta sobre as razes para a crena de Polkinghorne em Deus, na encarnao do Verbo, na ressurreio dos mortos, na vida aps a morte etc. No finalzinho temos uma questo sobre criacionismo e Design Inteligente na sala de aula, e s. As respostas de Polkinghorne foram sbrias, essencialmente ortodoxas e claramente escandalosas para o entrevistador. o que se depreende de seus brevssimos, mas esclarecedores, comentrios sobre o assunto: "Eu estava interessado em falar com John porque desejava tentar compreender como ele poderia crer em coisas extraordinrias para as quais no h nenhuma evidncia. Isso o que me fascina a respeito de pessoas religiosas [...] Eu no tinha nenhum interesse em atacar as crenas de Polkinghorne, confusas o quanto me paream, contudo eu queria saber porque ele sustenta as crenas que sustenta. O irritante foi que eu no alcancei o tipo de insight que esperava", disse Sample, em meio a resumos bastante simplrios e banalizantes das crenas de Polkinghorne.

Nenhum dilogo lcido, nenhum esforo visvel para compreender o sentido da f crist. Mas aqui, certamente, precisamos dar ao leitor um pouco mais de orientao contextual. Polkinghorne colaborou com ningum menos que o Prmio Nobel Paul Dirac, foi professor de fsica-matemtica na Universidade de Cambridge (como colega de Stephen Hawkings), ex-diretor do Queen's College e fundador da International Society for Science and Religion.

Porm no apenas o seu currculo que preocupante para uma pequena mas ruidosa minoria de cientistas cticos; o fato que o trabalho de Polkinghorne para mostrar as ligaes implcitas entre a religio e a cincia j mostrou o seu valor permanente. O verdadeiro motivo da entrevista de Sample foi o livro a que nos referimos, Questions of Truth: Fifty-one Responses to Questions About God, Science, and Belief (Westminster John Knox Press), escrito com a assistncia de Nicholas Beale. Como se no bastasse o aval de dois Prmios Nobel ao livro, alm de diversas figuras j conhecidas, como Alister McGrath e Francis Collins, o lanamento da obra foi feito na Universidade de Chicago no encontro anual da American Association for the Advancement of Science (AAAS, a SBPC americana) e em um evento especial da Royal Society, com a presena de trs vice-presidentes e mais de quarenta membros da mais distinta associao cientfica do mundo (para o desespero dos "Novos Ateus"). O secularista ingls A. C. Grayling acusou Polkinghorne de "desonrar" a Royal Society e considerou a coisa toda um escndalo. Mas a julgar pelo apoio dos FRS (Fellows of the Royal Society) a Polkinghorne, a sua irritao no reflete nem mesmo o establishment cientfico ingls atual.

No de se irar, portanto, que alguns cticos se sintam atnitos. Coisas assim no deveriam acontecer. Cientistas renomados no deveriam ter f e ser membros da Royal Society. Mas isso nem sempre os leva a considerar seriamente o cristianismo. E alguns deles se lanam a esforos pouco cientficos como o de tentar compreender em uma entrevista de treze minutos se este ou aquele cientista crente no tem, afinal de contas, um parafuso solto. Contudo eu posso garantir que Polkinghorne no tem f devido a um parafuso solto. Eu o conheci pessoalmente em Cambridge e sei que sua lucidez corresponde perfeitamente sua titulao acadmica.

Se Ian Sample se desse ao trabalho de investigar o que, afinal de contas, est por trs das crenas de Polkinghorne e de outros cientistas influentes sobre Deus e o cristianismo, descobriria que h, sim, srias motivaes para a crena em Deus e, mais ainda, para a crena no Deus de Jesus Cristo, o Deus-Pai, criador do cu e da terra.

Como Polkinghorne gosta de apontar em seus livros, o fundamento original de todas as coisas no uma fora ou uma substncia material, e sim uma pessoa infinita. E pessoas no so conhecidas por meio de metodologias objetificantes, apropriadas apenas a fatos impessoais. Pessoas so conhecidas no interior de relaes do tipo eu-tu, nas quais a confiana, e no o teste experimental, a principal ferramenta cognitiva. Pessoas so invisveis para a cincia emprica, mas nem por isso so menos reais. Portanto a cincia intil para "provar" Deus. No mximo ela pode "falsificar" os falsos deuses.

No verdade que Polkinghorne cr em coisas sem nenhuma evidncia, como Sample sugere maldosamente. No apenas h evidncias que apontam para Deus, mas experincias de um Deus pessoal que, embora reais, esto alm do espectro visvel cincia emprica.

Isso sem dvida "irritante", como o disse Sample, para pessoas que gostariam de ar o universo inteiro por tubos de ensaio. Mas se at mesmo eu sou grande demais para um tubo de ensaio, o que dizer do criador de todas as coisas?


Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, pastor da Igreja Esperana em Belo Horizonte, obreiro de L'Abri no Brasil e presidente da Associao Kuyper para Estudos Transdisciplinares. tambm organizador e autor de Cosmoviso Crist e Transformao e membro da associao Christians in Science (CiS). guilhermedecarvalho.blogspot.com/