Apoie com um cafezinho
Ol&aacute visitante!
Entrar Cadastre-se

Esqueci minha senha 14113k

  • sacola de compras

    sacola de compras 142f1e

    Sua sacola de compras est vazia.
Seja bem-vindo Visitante!
  • sacola de compras

    sacola de compras 142f1e

    Sua sacola de compras est vazia.

Opinio 3pp3w

Por que ler grandes livros? A resposta de um epistemlogo 4j1669

Por Marcelo Cabral

No tentarei definir o que so grandes livros. Simplesmente aceito que eles existem, e aos montes. No s os clssicos,1 mas livros de ontem e de hoje permeiam estantes fsicas e bibliotecas virtuais para quem tiver a pacincia e a ousadia de abri-los, ajustar a ateno, calibrar os olhos, buscar a companhia de um caf ou talvez de um ch de frutas vermelhas e, assim, l-los. De Homero a Sabino, de Plato a Lygia Fagundes Telles, de Dante a Ernaux, de Emily Bront a Guimares, de Proust a Natalia Ginzburg, de Austen a Tolkien a Calvino a Tolsti a a lista extensa, graas a Deus.

J que no vou explicar o que um bom livro, eis o que pretendo: esboar um conjunto de razes a favor do valor epistemolgico da literatura. Que ler bons livros nos d prazer, agua nossas faculdades, melhora nossa apreciao esttica, tem o potencial de gerar virtudes nada disso me parece controverso. Uma questo mais suspeita se a literatura gera conhecimento. Acredito que a intuio da maioria de ns semelhante: Sim, claro que ler bons livros nos proporciona conhecimento!. Mas como? Conhecimento de que tipo? Ser que para obter conhecimento no melhor ler artigos cientficos, obras acadmicas ou ensaios dissertativos?

Comecemos com a simples constatao que a literatura fornece conhecimento:

1. do(a) autor(a) e suas ideias, perspectivas e percepes particulares do mundo.

Ao ler um livro, ganhamos a possibilidade de enxergar as coisas pelas lentes do autor e ver o mundo atravs de suas nfases, prioridades e concepes particulares. Assim, aprendemos em alguma medida o que o autor ou autora enxerga das coisas, e conhecemos o seu uso particular das palavras para expressar pensamentos e hermenuticas da (sua) realidade.

Mas esse s o ponto de partida. Se o livro for de fato bom, o conhecimento ganho maior do que, meramente, as ideias do autor: adquirimos um entendimento mais amplo.

2. do prprio mundo, de seus habitantes e de suas relaes, e das muitas formas como a vida pode ser vivida.

Aprendemos mais sobre a prpria realidade. amos a notar coisas que antes nos escapavam; aprendemos sobre lugares que nunca visitamos ou que talvez tenhamos visitado: mas um aprendizado distinto daquele dos manuais ao lermos em um romance sobre vidas experimentadas em uma certa cidade, vila ou lugarejo, como se algo novo se decodificasse: construes se tornam smbolos, esquinas viram esconderijos, capelas so confisses, simples pedras se transmutam em runas, e o lugar ganha toda uma tecitura e densidade que antes simplesmente desconhecamos. De todos os aspectos da realidade, entretanto, a literatura est mais bem posicionada do que qualquer outro artifcio para nos ensinar sobre.

3. as relaes propriamente humanas, as respostas ambguas que as pessoas ofertam aos desafios da vida e das muitas (muitas!) maneiras que um mesmo fato pode ser apossado pelo corao humano.

Terence Cuneo2 fornece um bom exemplo: se queres aprender sobre a amizade, o melhor caminho no o livro VIII da tica a Nicmaco de Aristteles provavelmente o tratado filosfico mais importante sobre o tema de todos os tempos , mas ler um livro como Crossing to Safety [Destinos Cruzados], de Wallace Stegner: personagens com suas muitas vicissitudes, manias, qualidades e defeitos, tem suas histrias contadas em um desenvolvimento, em que o tempo se torna o horizonte das idas e vindas em que lidam com doenas, traies, personalidades fortes, falta de ambio e atos incrveis de ternura. Um bom livro capaz de selecionar e explorar fatos e expresses que, maioria de ns, am completamente despercebidos, mas que so exatamente os fatos e expresses que subsidiam a natureza da amizade e de outras marcas das relaes humanas.

Em Anna Karienina, temos mais do que a fenomenologia de um amor proibido: temos a exposio de todas as contradies da alma humana ao lidar com paixes que competem entre si, temos a descrio fsica da dor do amor no correspondido, lemos sobre o pendular emocional que amos em uma situao constrangedora. A narrativa d o a um entendimento muito peculiar da nossa humanidade quebrada, profundamente quebrada, mas tambm gloriosa.

Viver, disse Fernando Sabino, escolher uma entre 100 vidas e viver com nostalgia das outras 99. Ler um modo de dar voz a nossas nostalgias, fazer com elas um tratado de paz e at de reconciliao. entrar em contato com a misria de nossa finitude ao mesmo tempo que vivemos um cadinho dos caminhos e escolhas que no fizemos, que no poderamos fazer, que nos faltou coragem de realizar ou que, por grande coragem, tivemos ousadia de no trilhar. J que preciso aceitar a vida, que seja ento corajosamente.3

De todas as facetas humanas, h uma que s a literatura (e os poemas) so capazes de explorar com propriedade, e assim nos do conhecimento.



4. das expresses particulares que os sentimentos ostentam.

Amamos, odiamos, sentimos saudade, temos cimes, s vezes inveja, tem dia que nos d d, outro que nos d alegria, e numa manh vivemos felizes e de noite ficamos tristes. Todas essas emoes, assim colocadas, soam gerais, e, por isso mesmo, abstratas, e no refletem o que de fato sentimos. Existem mil tipos de tristeza e, espero, dez mil tipos de amor. Um bom livro nos d retratos maravilhosamente especficos dos sentimentos, e somos capazes de reconhec-los, de sentir o que uma vez j sentimos, de pela primeira vez conhecer emoes que j habitavam nossa pele. Em O Encontro Marcado, h um momento em que Eduardo Marciano trava uma conversa com seu bom pai, e este finalmente lhe confessa: era tua vida que eu gostaria de ter vivido, no que Eduardo responde: e a tua que eu queria para mim.⁴ Ler essa conversa, no fluxo de tudo o que ocorrera at ento, me ensinou sobre esse sentimento de vontades de vidas diversas que, secretamente, todos ns abrigamos.

E por reconhecermos muitas das relaes e emoes que lemos, a literatura, mais do que a filosofia ou tratados psicolgicos, capaz de fornecer conhecimento.

5. de ns mesmos o to buscado autoconhecimento ao nos deparamos com personagens, sentimentos, relaes e tramas ao mesmo tempo to familiares e to distintas, que nos permitem entrar em um jogo e julgamento de comparao, e, assim, de encontro.

Um grande livro aquele que nos d constantes experincias de Aha! Foi exatamente isso o que eu senti, que pensei, que quis, que julguei, mas era incapaz de descrever a mim mesmo! Nunca haver um personagem idntico a ns mesmos; mas, de repente, encontramos em uma personagem certos traos que nos soam to familiares que so, genuinamente, nossos prprios traos, mas que at ento no conhecamos com texturas to vivas . Lemos um fluxo de pensamentos que retrata certos momentos de quase-loucura ou de desnorteamento que, embora tivssemos experienciado repetidas vezes, no tnhamos palavras para explicar para os outros, ou para ns.

Pode ser uma vertigem particular, ou um amor que mantivemos em segredo, ou um desejo do qual nos envergonhamos, ou um modo especfico de fugir de memrias dolorosas que, ao nos depararmos com descries encarnadas (e, claro, encadernadas) em uma narrativa, acabamos por aprender uma poro de coisas sobre ns mesmos.

De conhecer melhor seres humanos, seus sentimentos e histrias, a literatura uma via, sem par, para

6. o entendimento moral, o certo, o errado, e o grande caminho entre ambos; os muitos certos e os muito errados que energicamente coexistem; os fundamentos dos julgamentos que, por sermos humanos, somos convocados a exercer.

Essa alegao no nova. Martha Nussbaum, em seu livro Loves Knowledge, nota que, sobre a vida moral, uma narrativa literria de uma determinada natureza o nico tipo de texto que pode express-las completa e adequadamente, sem contradio.5 S uma boa narrativa capaz de abarcar o emaranhado emocional, os danos reais e potenciais, as motivaes subjacentes e a complexidade das estruturas sociais que esto em jogo nas aes humanas.

Ademais, as histrias funcionam como uma poro de contrafactuais (os famosos e se, e se tivesse sido assim em vez de assado), que nos do uma viso de mundos possveis e realidades paralelas que nos permitem ao menos vislumbrar aes e suas consequncias a partir de muitos ngulos diferentes. O discurso filosfico tambm utiliza contrafactuais, mas apenas de modo : estabelecem argumentos (mais frequentemente, contra-argumentos) que so, claro, importantes para nossa compreenso moral, mas incapazes de tocar no mago das questes e so ainda menos competentes para tocar no nosso mago de ns, os leitores e de, assim, gerar em ns o tipo de movimento volitivo e imaginativo fundamental para o entendimento moral.

Iria terminar com seis pontos, mas sou obrigado a anunciar um stimo. S anunciar, porque sua apropriada descrio precisar de mais espao do que esta coluna permite. A (boa) literatura pavimenta o mais raro, mais valioso e infelizmente no to buscado bem intelectual,

7. a sabedoria.

Notas
1. Sugiro o maravilhoso texto de talo Calvino, Por que ler os clssicos, 2007.
2. Terence Cuneo, F Ritualizada. Ser lanado pela editora Ultimato em 2024.
3. Lygia Fagundes Telles, Ciranda de pedra, 2009.
4. Essa no uma citao direta, mas como eu gosto de me lembrar dela.
5. Martha Nussbaum, Loves Knowledge, 1992, p. 7.


Marcelo Cabral graduado em Economia (UNICAMP) e Filosofia (UNICAMP), e Mestre em Estudos Teolgicos pelo Calvin Theological Seminary. Formado no curso The Interface Between Science and Religion no Royal Academy (Oxford). Faz doutorado em filosofia com dupla diplomao na UNICAMP e na Universidade Livre de Amsterdam, estudando epistemologia das virtudes e sua relao com o conhecimento social.

Publicado originalmente no
site Unus Mundus. Reproduzido com a permisso do autor.

REVISTA ULTIMATO | ENVELHECEMOS: A ARTE DE CONTINUAR

No so todos os que alcanam a longevidade. Precisamos assimilar que a velhice uma estao to natural quanto s estaes do ano e que cada fase da vida tem suas especificidades e belezas prprias. Ao publicar esta matria de capa, Ultimato deseja encorajar um novo olhar para a velhice: um novo olhar dos idosos para eles mesmos e um novo olhar para os idosos por parte da igreja e da sociedade.

disso que trata a matria de capa da
edio 404 da revista Ultimato. Para , clique aqui.
Saiba mais:
25 Livros que Todo Cristo Deveria Ler, Richard J. Foster
Simplesmente Cristo Por que o cristianismo faz sentido, N. T. Wright
Filosofia da Religio: Uma Introduo, William L. Rowe
Calvinismo para uma Era Secular Uma leitura contempornea de Abraham Kuyper, Jessica R. e Robert J. Joustra

QUE BOM QUE VOC CHEGOU AT AQUI. 223i1k

Ultimato quer falar com voc.

A cada dia, mais de dez mil usurios navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, alm do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bblicos, devocionais dirias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, alm de artigos, notcias e servios que so atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.

PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.


Leia mais em Opinio 2l1v6s

Opinio do leitor 1t5dh

Para comentar necessrio estar logado no site. Clique aqui para fazer o ou o seu cadastro.
Ainda no h comentrios sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta

Ainda no h artigos publicados na seo "Palavra do leitor" em resposta a este texto.