Palestina: o Holocausto dos Filhos de Ismael 721o6n

Nota:
Artigo escrito pelo bispo Robinson Cavalcanti para a revista Ultimato 194, em 1988. O mesmo texto tambm foi publicado no livro A Utopia Possvel, em 1993. Cavalcanti faleceu em fevereiro de 2012.

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O mundo tem assistido consternado s cenas de violncia envolvendo tropas israelenses e civis palestinos nos territrios ocupados. A brutalidade mostrada pela televiso causa perplexidade em muitos cristos expostos, por tantos anos, a uma viso unilateral sempre favorvel causa sionista: os bons judeus versus os maus rabes.

Como sabido, com a Guerra dos Seis Dias (1967), Israel anexa a Faixa de Gaza, a Cisjordnia e Jerusalm Oriental, onde vivem mais de um milho de palestinos. Essas regies permanecem sob governo militar e lei marcial, com seus habitantes sujeitos a condies subumanas, privados de direitos e transformados em mo de obra barata, como os guetos negros da frica do Sul. Qualquer pessoa pode ser detida sem justificativa e por tempo indeterminado, sem poder ver o seu advogado. Todos so suspeitos do crime de querer se ver livres dos seus ocupantes. Segundo a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional, o uso de torturas uma prtica habitual, e os presos so julgados por tribunais militares judeus. Ao mesmo tempo, grupos extremistas, como o Gush Emunin, vo erigindo, fora, povoamentos israelitas.

Enquanto isso, o Estado de Israel propriamente dito uma sociedade estratificada e desigual, onde a minoria de judeus brancos askhenazitas detm o controle do governo e da economia, com a massa dos judeus morenos sefarditas inferiorizada e discriminada e os rabes e drusos como cidados de terceira classe.

No podemos esquecer que o sionismo significou um revs para a Igreja Crist naquela regio. Em 1948, 50% da populao de Jerusalm era crist, bem como 90% da populao de Belm. O Patriarcado Ortodoxo Grego de Jerusalm data de 451 d.C. Discriminados como cristos e perseguidos como rabes, a maioria dos cristos deixou o pas, no restando hoje mais do que 10%. Desde 1967, 100.000 cristos rabes emigraram. A postura unilateralmente pr Israel dos cristos ocidentais um obstculo evangelizao dos rabes e deixa em situao difcil os cristos locais.

A Histria registra que o pr judasmo entre os cristos est ligado figura do telogo ingls dispensacionalista John Nelson Darby (1800 82) e disseminao da Bblia comentada Scofield. Em 1876, foi realizada a Conferncia de Nigara sobre as Profecias, com forte influncia sobre os Bible College. Por um literalismo, procurou se defender um direito divino dos judeus s terras palestinas, a qualquer preo. So esses protestantes que do as bases bblicas para o sionismo (esse originalmente secular e nacionalista, humanista e socialista). Isso algo totalmente estranho ao pensamento evanglico do sculo XVI, que nem era pr milenista nem dispensacionalista. Lutero e Calvino tomariam um susto com essas interpretaes.

O Dr. Marvin Wilson, do Gordon College, denuncia que os fins no justificam os meios, que o Israel de hoje nem uma teocracia nem o Reino de Deus, e que no pode ser julgado por outro padro de moralidade diferente das outras naes. Para o Dr. Anthony Compolo, do Easton College, o dispensacionalismo nos fez entusiastas do desalojamento dos palestinos e indiferentes s injustias praticadas contra aquele povo. E o Dr. Wesley Brown, presidente do Seminrio Batista Americano do Oeste, na Califrnia, afirma que Deus est ao lado dos oprimidos, e no caso do conflito rabe israelense no h dvida de que os palestinos rabes so os oprimidos, e que a maioria das interpretaes dispensacionalistas amplamente baseada numa hermenutica invlida.

Quanto ao terrorismo palestino, bom lembrar que Israel foi construdo base do terrorismo judeu contra os ocupantes ingleses e as populaes rabes. Segundo o historiador menonita canadense Dr. Frank Epp, quatro ex Primeiros-Ministros israelenses estiveram envolvidos pessoalmente em atividades guerrilheiras ou militares para a expulso dos palestinos. Menahem Begin (depois Prmio Nobel da Paz), em seus verdes anos, escreveu um livro defendendo a ao terrorista e foi responsvel, em 1948, pelo massacre da vila rabe de Deir Yassin, quando morreram 250 homens, mulheres e crianas. Sua organizao, o Irgun, bem como a Haganah (fundada em 1920) e a Palmach, foram responsveis por inmeros massacres contra civis (vide Hotel Rei Davi).

Por sculos, rabes mulumanos, cristos, judeus e drusos viveram harmoniosamente na regio, antes do retorno em massa dos judeus louros, eslavos e germnicos (estranhos para a paisagem humana da regio) que migraram em massa para a Palestina em virtude do sionismo. Em 1948, a ONU concede a 1/3 de judeus o direito de mandar em 2/3 de rabes.

No devemos temer a defesa da justia com medo de sermos acusados de anti semitas. Os cristos sentem a conscincia culpada do anti semitismo da Inquisio e do Nazismo, sentem simpatia pelos kibutsin e pelos moshavim, mas no podem negar sua soteriologia histrica, que nos ensina que s h um caminho para Deus inclusive para os judeus que Jesus Cristo, e que o Povo de Deus hoje o Corpo de Cristo, a Igreja, chamada a exercer um ministrio de reconciliao e a lutar pelos valores do Reino.

No podemos sucumbir tentao militarista e intolerante, genocida dos judeus, nem nos esquecer que os rabes tambm so filhos de Abrao, sob promessa de bno de Deus, e que ali est presente a maior parte dos cristos, nossos irmos. Por dois Estados soberanos: Israel e Palestina. Por um estatuto internacional para Jerusalm.