, culpa feliz! 4b684a

SEMANA "CULPA E GRAA"

Agostinho de Hipona era mesmo muito bom de bola. Confisses, por exemplo, um golao. Daqueles que o Neymar ou o Messi fazem e que, para humilhar o restante mortal da humanidade, parece brincadeira de criana. Engenho. Arte. Dom. Meu professor mais brilhante de literatura dizia que esse livro inventou o conceito de autobiografia. E biografia espiritual, eu diria, antes, bem antes dos Pensamentos, de Pascal e dessa lindeza que Surpreendido pela alegria, de C.S. Lewis, ou ainda A montanha dos sete patamares, do monge-literato Thomas Merton.

Mas, no tem jeito, Agostinho bateu umas pra fora, bicudas feias: seu caso mal resolvido com o neoplatonismo, por exemplo; ou a sua nfase no celibato, ao ler Paulo de modo radical (1 Cor 7.1,2 ). Por exemplo, irritante perceber que o Bispo africano achava mesmo que o celibato era superior ao matrimnio. Sua mal resolvida e notria promiscuidade antes da converso desembocou numa implicncia com a sexualidade. Eu diria que Agostinho o pai dessa ideia comum na cristandade de que pecado sexo, e sexo pecado. Quando ouvimos fulano caiu em pecado no pensamos o que, mas sim com quem.

Mas, falando srio, a conversa aqui muito mais sobre o conceito de culpa e como, na igreja e na vida, lidamos com o mesmo ou com a vida a partir do conceito que alimentarmos, que mantivermos. Esse mesmo Agostinho, contraditoriamente genial como todos os grandes homens, especialmente os de Deus, dizia que o cristo quando cai, cai de joelhos... , felix culpa (, culpa feliz), que me leva aos ps do Nazareno!

A igreja que conheo mais, a igreja fundamentalista da minha infncia e juventude, como diria Philip Yancey, tem enfatizado muito mais o culpa do que a graa. Temos feito categrica e sistematicamente muito mais a opo pelo farisasmo do que pela graa, que zera a culpa (zera a reza, diria Caetano Veloso, na sua cano neoconcretista), lava a alma, redime a vida. Culpa real, ensinou-nos Paul Tournier, algo muito bem-vindo. Hoje, sob os auspcios da psiquiatria e psicologia, sabemos que a psicopatologia marcada por ausncia de culpa - e dos demais sentimentos, claro. Assassino em srie no sente culpa. Nenhuma. O problema no a culpa real, que chamada nas Escrituras de tristeza segundo Deus (Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvao, da qual ningum se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte. 2 Co 7.10). Mas a culpa falsa, pondo os dois Paulos, o de Tarso e o da Sua (Tournier), para dialogarem, resulta no conceito de tristeza segundo o mundo, aniquila, mata. Prestou ateno? letal.

>> Conhea o lanamento Culpa e Graa, de Paul Tournier

Pense, por exemplo, em Simo Pedro e Judas Iscariotes. Os dois traram o Senhor. O primeiro para no se prejudicar. O segundo para se beneficiar. Mas ambos traram. Pisaram feio na bola. O ponto que o primeiro foi tomado pela culpa real, por essa tal tristeza segundo Deus, e arrependeu-se, foi restaurado. O segundo foi esmagado pela tristeza do mundo e tirou a prpria vida, destrudo pelo remorso. Sim, eu diria que remorso o nome usual para a tristeza do mundo. Arrependimento bem diferente de remorso. Arrependimento (etimolgica e exegeticamente significa mudana de mente/mentalidade, metania, outra cabea e pensamento) olha para a frente, para o futuro, para a vida a partir da. Lembro-me da observao to lcida de Kierkegaard: a vida s pode ser compreendida ao olharmos para trs, mas s pode ser vivida ao olharmos para o futuro. Remorso olha para trs. O tempo todo. Obsessivamente, ele concentra o olha no retrovisor. Por isso, ao considerar essas duas coisas, culpa e graa, eu fico com (o melhor de) Agostinho: felix culpa, culpa abenoado , feliz - que me faz olhar para meus (muitos pecados e meu Pecado) e dizer: seu peso, seu estrago, sua misria e sua vergonha , conduzem-me a Cristo!

Leia tambm
Graa eterna para culpas modernas (Rubem Amorese)
H salvao para a culpa?
Ultimatos sobre culpa e graa

Imagem: www.freeimages.com/photo/1083299