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30 de agosto de 2017
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No princpio era um verso 275a16
Por Marco Zuchi
Nasci na tapera da Candonga e ei minha infncia tentando falar com Deus. Ainda guardo na memria o cheiro de caf revirado no terreiro, e as sementes grudando debaixo dos meus ps. Nesta poca eu ainda no entendia que De

us amava mesmo era me escrever poemas. Precisei crescer para compreender que os versos precisam do silncio de quem os escreve para dar firmamento s respostas de quem os l. Em vo indaguei por diversas vezes a Deus sobre as circunstncias da minha vida; gritei com Ele ao longe daquela serra para fazer-me ouvir. Por vrias vezes, olhei para dentro de mim e me satisfiz momentaneamente, e, em vo, me revoltei por anos. Era novo para compreender que palavras erradas, quando soltas, rasuram as linhas da nossa vida. Sabedoria mesmo no as dizer.
Os galhos secos e empoeirados ultraavam a cerca da fazenda, como quem no respeitava as regras da propriedade; assim como eles, eu cresci entre a tapera e a casa grande, tendo debaixo dos ps apenas o cho de terra. Menino de ps descalos e roupa puda, cresci correndo de um lado para outro em disparada, levantando poeira pelas estradas de cho da fazenda do Moinho. Nesta poca eu achava que conhecia todos os detalhes do caminho, como algum que tem pressa para pegar o atalho e chegar a algum lugar; ou fugir dele, no sei ao certo.
Terra cansada, pasto machucado, roa de caf com dificuldade para vingar e mos calejadas. Assim os meus dias aram dolorosamente pela minha infncia, vendo a esperana ser maltratada pela dificuldade. Desde criana minha vida era cumprir os afazeres de gente grande, e ajudar meu pai na lida diria. Nossa nica forma de sobrevivncia era transformar em vida aquele cho cansado, que precisava da nossa dedicao no arado.
Pedi a Deus que meu corao no secasse como aquele pasto
Homem trabalhador foi meu pai, seu Pedro das Candongas como ele era conhecido. Nunca vi resignao igual no mundo, e olha que a vida foi generosa comigo me tirando desta terra infrtil e me levando a lugares cuja distncia jamais um dia eu imaginei chegar. Nunca vi meu pai reclamar da sua dura vida; nunca murmurou seu sofrimento comigo, e olha que a vida teimou em no ser generosa com ele e com minha me. A camisa branca puda entreaberta escondia sua pele queimada de sol. Suas costelas marcavam seu peito moreno enrugado, lembranas que ficaram na minha memria. S vi a face de meu pai se entristecer um nico dia, quando eu lhe perguntei se Deus existe.
Minha me conseguia manter-se doce diante de tanto amargor que a vida lhe impa. Me acordava todo dia bem cedo para eu ajudar meu pai no curral. Ainda sinto sua mo nos meus cabelos. Cabia a mim amarrar os bezerros no p das vacas, enquanto meu pai tirava o leite que elas, por teimosia, insistiam em produzir. Ainda hoje escuto o som do leite batendo no balde. Leite fresco para o caf da casa grande primeiro, dizia meu pai enquanto minha boca enchia d`agua. Depois, eu corria em disparada tocando os bois do patro que se perdiam no campo em busca de um pasto que prestasse. Foi quando diante aquela imensido de montanhas eu parei, olhei para o cu e pedi a Deus que meu corao no secasse como a vida naquele pasto, mas, eu no escutei Deus falar comigo.
O silncio de Deus virou revolta
Tempos difceis foram aqueles de minha infncia, anos de estiagem trouxeram muito sofrimento para quem vivia no campo. Queria eu entender, porque eu no podia ser como o filho do meu patro. Porque cabia a mim tamanho sofrimento e tanta obrigao se para o filho do doutor sobrava muito afago e diverso, garantidos pela mesa farta de um pai to importante na cidade. O silncio de Deus virou revolta, e eu cresci achando que Ele no gostava de falar comigo. Sempre calado me senti s por anos.
Depois de um dia duro de trabalho, em que ei puxando lona debaixo do cafezal, pois era obrigao do meu pai separar o caf que prestava do que no prestava, j cansado em casa, enquanto esticava o cobertor de peleja sobre minha cama, eu encontrei coragem para falar com Deus novamente. Deus se voc dividiu o mundo entre os que vieram para servir e os que so servidos de que lado o Senhor est? As perguntas carregadas de sentimentos adormeciam com o sono do menino, porm acordavam sem as respostas de que ele tanto precisava, e assim, cada dia eu me via mais distante de Deus.
Meus pensamentos iam longe enquanto trabalhava no arado ao lado do meu pai. Distrado, meus pensamentos se silenciavam a ponto de escutar o som do barulho da terra sendo cortada. Sobre minha pergunta a Deus na noite anterior, meu corao no se aquietava.Cresci alimentando esta revolta dentro de mim. Enquanto isso, meu pai, homem de poucas palavras, no tirava os olhos do outro lado do campo enquanto puxava o arado. Gostava de me dizer: filho, para boa plantao, alm de boa semente, o arado tem que seguir reto e para isso, no podemos olhar para o lado e nem nos distrair, dizia ele com voz ofegante.
Deus deve ser como o dono da fazenda, eu pensava com meus botes; os conselhos do meu pai, no conseguiam ser maior que a minha revolta naquela poca. A vida de caseiro no vida digna de uma pessoa to poderosa, Deus no pode levar a vida como a nossa, eu repetia para mim mesmo todo dia. O suor escorria na testa do meu pai e sua camisa ficava encharcada enquanto ele puxava o arado. L da varanda o fazendeiro dava suas ordens. Com suas botas reluzentes, firmadas no parapeito do sobrado, ele soprava a fumaa do seu charuto enquanto levantava uma de suas sobrancelhas para afirmar suas verdades. Quero ser como o Doutor Lencio um dia! Apenas pensei comigo com medo de magoar meu pai. Este sim conhece de tudo sem nunca ter sofrido com a mo no arado. Diante daquela cena perguntei novamente a Deus, em pensamento, quem teria sido criado a sua semelhana, meu pai ou o fazendeiro?
Diante do silncio de Deus, me calei tambm
Cresci, sem obter as respostas para minha arrogncia, e ela foi tomando conta do meu corao. Da vida da minha infncia s guardei a vontade de sair em disparada. Assim, fiz da minha vida uma corrida em busca do meu sucesso, e ela foi generosa comigo. Decidi no pegar mais no arado, e busquei todas as oportunidades para sair daquela condio. Tive a oportunidade de estudar na recente escola criada no distrito; duas horas de caminhada me separavam diariamente da chance de, um dia, deixar de ser o filho do caseiro para sonhar os sonhos do filho do fazendeiro. E a vida foi generosa, cuidou de mim em todos os detalhes.
Diante do silncio de Deus, me calei tambm; meu alvo no era mais traado pelo arado, mas pelas certezas que pensei ter sobre as coisas. De aluno exemplar, ganhei uma bolsa para estudar na cidade; formei-me em direito enquanto trabalhava como ajudante na venda como guarda livros. A vida me fez doutor, e mais do que isso, me fez poeta de renome na cidade, e as minhas linhas eram agora o nico caminho capaz de esvaziar minha mente de tanto ado e de tanto futuro; capaz de trazer paz para meu corao. Quanto mais eu escrevia, mais encontrava as respostas que tanto procurava.
Quis ganhar o mundo, mas no conhecia o caminho de casa
A poesia foi o nico caminho que encontrei para dar vida ao homem que eu queria ser, eu precisava explicar meu grande vazio para o mundo. Sentia que faltava algo no que escrevia como quem escreve cartas sem respostas. Comecei a escrever querendo sentir a mo de Deus desenhar com a minha. Amar a Deus estar em conformidade com seus desejos para ns; acho que desde criana relutei muito quanto a isso, no queria ser a pedra que Deus jogou no lago para observar suas ondas dissiparem at acalmar, queria ser dono do meu destino. Quis ganhar o mundo, mas no conhecia o caminho de casa.
Foi quando percebi Deus naquilo tudo que fazia, como se ele olhasse minha vida em poesia e verso. Olhei para Deus como um poeta, a fazer da matria prima da minha vida seus versos. Vi beleza na dificuldade da minha infncia, amparo nas desiluses, fortaleza nas amarguras e beleza no servir. Tive a sensao de que Deus, em seu silncio, capturou momentos especiais da minha vida e transformou em poemas minhas boas lembranas. Sem perceber, enquanto vivia, Deus transformava minhas memrias em versos prontos dentro de mim.
Eu precisava mergulhar nas minhas memrias para reencontrar com Deus. Num dia destes, sentado em minha escrivaninha, resolvi fazer um poema sobre a minha infncia. Parei tudo que estava fazendo e permiti que aquele garoto espalhando o caf no terreiro viesse ao meu encontro novamente. Assim, deixei minha infncia inundar meu corao e a lembrana dar lugar para minha poesia. Foi quando eu me deparei com o Deus da minha infncia e com as perguntas que fizera sobre quem era Ele, de que lado estava e porque no me respondia.
As linhas levaram-me novamente para minha casa, reviveram minha infncia, mostraram o homem que era meu pai e a mulher que era minha me. A poesia viu beleza em tudo que eu tinha e no prestava ateno, e nem sequer dava valor. A poesia me levou at meus heris, minhas angstias e minhas respostas. Foi quando, pela primeira vez, eu entendi como Deus falava comigo. Enxerguei nossa vida como um verso, daqueles que descrevem nossas linhas e cuja matria prima nossa vida. Descobri que Deus amava me escrever poemas. Lembrei-me do meu pai na hora, e de como eu queria estar com ele para contar tudo isso.
Como falar com Deus?
Uma saudade de casa tomou conta de mim, peguei minhas coisas e sai em disparada rua afora para pegar o primeiro trem para minha terra natal. Chegando, de longe eu avistei o casebre de meus pais, l no p da serra. Estava da mesma forma que deixara quando fui embora ainda jovem sem sequer olhar para trs. Corri para dentro de casa; o cheiro do fogo de lenha, e as paredes sujas do fogo da lamparina encheram meu corao de lembrana. Olhar a luz entrar por aquele corredor de cho de terra batida e apontar para o quarto do meu pai, j velho, calejado pela luta, e deitado naquela cama me levaram ao pranto.
Aproximei-me dele, peguei em sua mo doda e entreguei meu diploma, disse para ele que agora ele tinha um filho Doutor, que a vida tinha me feito um homem de sucesso e que ganhava a vida escrevendo poemas. Ele sorriu como quem fica feliz em ver seu filho realizado. Mas, esta no era a sua principal preocupao comigo. Com voz fraca, ele me perguntou: Meu filho Doutor j superou sua amargura? Sim pai, respondi para ele: Deus no s ouvia minhas perguntas quando criana, como respondia todas elas com os exemplos da sua vida. Eu que no conseguia entender, pois, naquela poca ainda no sabia ler seus poemas. O pai, como quem no se aguentava em contentamento, perguntou: meu filho, conte para seu pai como falar com Deus?
Encontrei-me ali menino novamente, diante da cama do meu pai. Pela janela olhei para o cu e busquei a resposta que daria para ele ali deitado. No poderia ser diferente, a resposta veio em forma de verso sobre a sua vida e a minha infncia naquela casa, que recitei para ele enquanto relembrvamos as nossas histrias. Versos que falavam dele e de como ele foi importante para todos ns, de como sua vida teve tanto significado para Deus. Estava feliz em ter voltado para casa. Peguei na sua mo, olhei para minha me sentada na cadeira ao lado, e disse ao p do seu ouvido: o que tenho eu a te dizer sobre como falar com Deus meu pai, se tu s, na minha vida, o maior poema que Ele me deu.
Marco Aurlio Zuchi da Conceio fotgrafo, cientista poltico pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e mestre em Comunicao, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conhea seu blog pessoal.
Os galhos secos e empoeirados ultraavam a cerca da fazenda, como quem no respeitava as regras da propriedade; assim como eles, eu cresci entre a tapera e a casa grande, tendo debaixo dos ps apenas o cho de terra. Menino de ps descalos e roupa puda, cresci correndo de um lado para outro em disparada, levantando poeira pelas estradas de cho da fazenda do Moinho. Nesta poca eu achava que conhecia todos os detalhes do caminho, como algum que tem pressa para pegar o atalho e chegar a algum lugar; ou fugir dele, no sei ao certo.
Terra cansada, pasto machucado, roa de caf com dificuldade para vingar e mos calejadas. Assim os meus dias aram dolorosamente pela minha infncia, vendo a esperana ser maltratada pela dificuldade. Desde criana minha vida era cumprir os afazeres de gente grande, e ajudar meu pai na lida diria. Nossa nica forma de sobrevivncia era transformar em vida aquele cho cansado, que precisava da nossa dedicao no arado.
Pedi a Deus que meu corao no secasse como aquele pasto
Homem trabalhador foi meu pai, seu Pedro das Candongas como ele era conhecido. Nunca vi resignao igual no mundo, e olha que a vida foi generosa comigo me tirando desta terra infrtil e me levando a lugares cuja distncia jamais um dia eu imaginei chegar. Nunca vi meu pai reclamar da sua dura vida; nunca murmurou seu sofrimento comigo, e olha que a vida teimou em no ser generosa com ele e com minha me. A camisa branca puda entreaberta escondia sua pele queimada de sol. Suas costelas marcavam seu peito moreno enrugado, lembranas que ficaram na minha memria. S vi a face de meu pai se entristecer um nico dia, quando eu lhe perguntei se Deus existe.
Minha me conseguia manter-se doce diante de tanto amargor que a vida lhe impa. Me acordava todo dia bem cedo para eu ajudar meu pai no curral. Ainda sinto sua mo nos meus cabelos. Cabia a mim amarrar os bezerros no p das vacas, enquanto meu pai tirava o leite que elas, por teimosia, insistiam em produzir. Ainda hoje escuto o som do leite batendo no balde. Leite fresco para o caf da casa grande primeiro, dizia meu pai enquanto minha boca enchia d`agua. Depois, eu corria em disparada tocando os bois do patro que se perdiam no campo em busca de um pasto que prestasse. Foi quando diante aquela imensido de montanhas eu parei, olhei para o cu e pedi a Deus que meu corao no secasse como a vida naquele pasto, mas, eu no escutei Deus falar comigo.
O silncio de Deus virou revolta
Tempos difceis foram aqueles de minha infncia, anos de estiagem trouxeram muito sofrimento para quem vivia no campo. Queria eu entender, porque eu no podia ser como o filho do meu patro. Porque cabia a mim tamanho sofrimento e tanta obrigao se para o filho do doutor sobrava muito afago e diverso, garantidos pela mesa farta de um pai to importante na cidade. O silncio de Deus virou revolta, e eu cresci achando que Ele no gostava de falar comigo. Sempre calado me senti s por anos.
Depois de um dia duro de trabalho, em que ei puxando lona debaixo do cafezal, pois era obrigao do meu pai separar o caf que prestava do que no prestava, j cansado em casa, enquanto esticava o cobertor de peleja sobre minha cama, eu encontrei coragem para falar com Deus novamente. Deus se voc dividiu o mundo entre os que vieram para servir e os que so servidos de que lado o Senhor est? As perguntas carregadas de sentimentos adormeciam com o sono do menino, porm acordavam sem as respostas de que ele tanto precisava, e assim, cada dia eu me via mais distante de Deus.

Deus deve ser como o dono da fazenda, eu pensava com meus botes; os conselhos do meu pai, no conseguiam ser maior que a minha revolta naquela poca. A vida de caseiro no vida digna de uma pessoa to poderosa, Deus no pode levar a vida como a nossa, eu repetia para mim mesmo todo dia. O suor escorria na testa do meu pai e sua camisa ficava encharcada enquanto ele puxava o arado. L da varanda o fazendeiro dava suas ordens. Com suas botas reluzentes, firmadas no parapeito do sobrado, ele soprava a fumaa do seu charuto enquanto levantava uma de suas sobrancelhas para afirmar suas verdades. Quero ser como o Doutor Lencio um dia! Apenas pensei comigo com medo de magoar meu pai. Este sim conhece de tudo sem nunca ter sofrido com a mo no arado. Diante daquela cena perguntei novamente a Deus, em pensamento, quem teria sido criado a sua semelhana, meu pai ou o fazendeiro?
Diante do silncio de Deus, me calei tambm
Cresci, sem obter as respostas para minha arrogncia, e ela foi tomando conta do meu corao. Da vida da minha infncia s guardei a vontade de sair em disparada. Assim, fiz da minha vida uma corrida em busca do meu sucesso, e ela foi generosa comigo. Decidi no pegar mais no arado, e busquei todas as oportunidades para sair daquela condio. Tive a oportunidade de estudar na recente escola criada no distrito; duas horas de caminhada me separavam diariamente da chance de, um dia, deixar de ser o filho do caseiro para sonhar os sonhos do filho do fazendeiro. E a vida foi generosa, cuidou de mim em todos os detalhes.
Diante do silncio de Deus, me calei tambm; meu alvo no era mais traado pelo arado, mas pelas certezas que pensei ter sobre as coisas. De aluno exemplar, ganhei uma bolsa para estudar na cidade; formei-me em direito enquanto trabalhava como ajudante na venda como guarda livros. A vida me fez doutor, e mais do que isso, me fez poeta de renome na cidade, e as minhas linhas eram agora o nico caminho capaz de esvaziar minha mente de tanto ado e de tanto futuro; capaz de trazer paz para meu corao. Quanto mais eu escrevia, mais encontrava as respostas que tanto procurava.
Quis ganhar o mundo, mas no conhecia o caminho de casa
A poesia foi o nico caminho que encontrei para dar vida ao homem que eu queria ser, eu precisava explicar meu grande vazio para o mundo. Sentia que faltava algo no que escrevia como quem escreve cartas sem respostas. Comecei a escrever querendo sentir a mo de Deus desenhar com a minha. Amar a Deus estar em conformidade com seus desejos para ns; acho que desde criana relutei muito quanto a isso, no queria ser a pedra que Deus jogou no lago para observar suas ondas dissiparem at acalmar, queria ser dono do meu destino. Quis ganhar o mundo, mas no conhecia o caminho de casa.
Foi quando percebi Deus naquilo tudo que fazia, como se ele olhasse minha vida em poesia e verso. Olhei para Deus como um poeta, a fazer da matria prima da minha vida seus versos. Vi beleza na dificuldade da minha infncia, amparo nas desiluses, fortaleza nas amarguras e beleza no servir. Tive a sensao de que Deus, em seu silncio, capturou momentos especiais da minha vida e transformou em poemas minhas boas lembranas. Sem perceber, enquanto vivia, Deus transformava minhas memrias em versos prontos dentro de mim.
Eu precisava mergulhar nas minhas memrias para reencontrar com Deus. Num dia destes, sentado em minha escrivaninha, resolvi fazer um poema sobre a minha infncia. Parei tudo que estava fazendo e permiti que aquele garoto espalhando o caf no terreiro viesse ao meu encontro novamente. Assim, deixei minha infncia inundar meu corao e a lembrana dar lugar para minha poesia. Foi quando eu me deparei com o Deus da minha infncia e com as perguntas que fizera sobre quem era Ele, de que lado estava e porque no me respondia.
As linhas levaram-me novamente para minha casa, reviveram minha infncia, mostraram o homem que era meu pai e a mulher que era minha me. A poesia viu beleza em tudo que eu tinha e no prestava ateno, e nem sequer dava valor. A poesia me levou at meus heris, minhas angstias e minhas respostas. Foi quando, pela primeira vez, eu entendi como Deus falava comigo. Enxerguei nossa vida como um verso, daqueles que descrevem nossas linhas e cuja matria prima nossa vida. Descobri que Deus amava me escrever poemas. Lembrei-me do meu pai na hora, e de como eu queria estar com ele para contar tudo isso.
Como falar com Deus?
Uma saudade de casa tomou conta de mim, peguei minhas coisas e sai em disparada rua afora para pegar o primeiro trem para minha terra natal. Chegando, de longe eu avistei o casebre de meus pais, l no p da serra. Estava da mesma forma que deixara quando fui embora ainda jovem sem sequer olhar para trs. Corri para dentro de casa; o cheiro do fogo de lenha, e as paredes sujas do fogo da lamparina encheram meu corao de lembrana. Olhar a luz entrar por aquele corredor de cho de terra batida e apontar para o quarto do meu pai, j velho, calejado pela luta, e deitado naquela cama me levaram ao pranto.
Aproximei-me dele, peguei em sua mo doda e entreguei meu diploma, disse para ele que agora ele tinha um filho Doutor, que a vida tinha me feito um homem de sucesso e que ganhava a vida escrevendo poemas. Ele sorriu como quem fica feliz em ver seu filho realizado. Mas, esta no era a sua principal preocupao comigo. Com voz fraca, ele me perguntou: Meu filho Doutor j superou sua amargura? Sim pai, respondi para ele: Deus no s ouvia minhas perguntas quando criana, como respondia todas elas com os exemplos da sua vida. Eu que no conseguia entender, pois, naquela poca ainda no sabia ler seus poemas. O pai, como quem no se aguentava em contentamento, perguntou: meu filho, conte para seu pai como falar com Deus?
Encontrei-me ali menino novamente, diante da cama do meu pai. Pela janela olhei para o cu e busquei a resposta que daria para ele ali deitado. No poderia ser diferente, a resposta veio em forma de verso sobre a sua vida e a minha infncia naquela casa, que recitei para ele enquanto relembrvamos as nossas histrias. Versos que falavam dele e de como ele foi importante para todos ns, de como sua vida teve tanto significado para Deus. Estava feliz em ter voltado para casa. Peguei na sua mo, olhei para minha me sentada na cadeira ao lado, e disse ao p do seu ouvido: o que tenho eu a te dizer sobre como falar com Deus meu pai, se tu s, na minha vida, o maior poema que Ele me deu.
Marco Aurlio Zuchi da Conceio fotgrafo, cientista poltico pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e mestre em Comunicao, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conhea seu blog pessoal.
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