C. S. Lewis e como lidar com a presuno, as discrdias e a lngua ferina 213g1

A discrdia pode, s vezes, ser expressa sem a aparncia de presuno, se for feita com argumentos. O apoio geralmente vir de algum improvvel, da comunidade, at descobrirmos que aqueles que eram silenciosamente dissidentes constituam a maioria.



O nosso desacordo em relao ao que as outras pessoas dizem, em minha opinio, pode eventualmente ser expresso sem que sejamos pedantes, se o fizermos com base em argumentos, e no de uma maneira autocrtica. 



Claro que o lado da verdade pode ser derrotado. Isso importa muito menos do que eu costumava pensar. A prpria pessoa que discutiu com voc pode reconhecer anos depois, que foi influenciada pelo que voc disse.






claro que surge um momento em que o grau de perversidade (injustia, canalhice e inverdades) atinge um nvel contra o qual um protesto ter de ser feito, mesmo com poucas chances de sucesso.



No entanto, h um tipo de mal contra o qual e preciso sempre protestar, por menor que seja a chance de sucesso. Ha acordos cordiais, feitos com cinismo ou com brutalidade, que precisam, inequivocadamente, ser estabelecidos. E se no for possvel fazer isso sem parecer pedante, ento devemos parecer pedantes, pois o que incomoda realmente no e parecer, mas ser pedante.





Se no gostamos suficientemente de fazer o protesto improvvel que sejamos presunosos na realidade. Aqueles que gostam de "testificar" esto em uma posio diferente e mais perigosa. Mas h ambientes sociais to sujos que neles quase um sintoma alarmante se uma pessoa nunca foi chamada de tal.



Da mesma forma, embora o pedantismo seja uma loucura e o esnobismo um vcio, h crculos em que apenas uma pessoa indiferente a tudo que acontece escapar de ser chamado de pedante, e outros em que as maneiras so to grosseiras, espalhafatosas e desavergonhadas que uma pessoa (qualquer que seja sua posio social) de bom gosto natural ser chamado de presunoso.



O que torna to difcil esse contato com pessoas perversas que lidar de forma eficaz, no requer apenas boas intenes, mesmo com humildade e coragem; pode exigir talentos sociais e at intelectuais que Deus no nos deu. Portanto, no hipocrisia, mas mera prudncia evit-la quando podemos.



Os salmistas no estavam errados quando descreveram o homem bom como evitando "a cadeira dos escarnecedores" e temendo associar-se com os mpios para no "comer" (devemos dizer, rir, irar, aprovar, justificar?) "coisas que lhes agradam".



No nos deixes cair em tentao quase sempre significa, entre outras coisas: Nega-me aqueles convites agradveis, aqueles contatos altamente interessantes, aquela participao nos grandes movimentos de nosso tempo que, em geral e sob tal risco, eu desejo.



Intimamente conectados com essas advertncias contra o que chamo de conivncia esto os protestos do Saltrio contra outros pecados da lngua. Sinto que, quando comecei a l-los, eles me surpreenderam um pouco; eu, de certa forma, esperava que, em uma poca mais simples e mais violenta, em que se usava a faca, o grande cajado e o tio para fazer o mal, as palavras no fossem to mordazes.



No entanto, na realidade, os salmistas no mencionam nenhum outro tipo de mal mais frequentemente que este, um mal que a maioria das sociedades civilizadas compartilha. Suas gargantas so um tumulo aberto; com suas lnguas enganam sutilmente (Sl 5.9); Violncia e maldade [ou perjrio, na traduo do doutor Moffatt] esto em sua lngua (10.7); lbios bajuladores (12.3); lnguas acusadoras (31.20); palavras [...] maldosas e traioeiras (36.3); o cochicho dos homens maus (41.7); mentiras cruis que cortam como navalha (52.2); conversa que soam mais suaves 
que o leo, mas [...] afiadas como punhais (55.21); zombaria impiedosa (102.8). O Saltrio est repleto disso. E quase possvel ouvir o sussurro, a fofoca, a mentira, a repreenso, a bajulao e a circulao de rumores incessantes.




Nenhum reajuste histrico ou cultural necessrio, mesmo 2.500 anos depois. Estamos no mundo que conhecemos e Lewis poderia estar se referindo polarizao religiosa e sociopoltica dos ltimos anos no Brasil. At mesmo detectamos naquele coro murmurante e bajulador vozes que nos so familiares. Uma delas to familiar que poderia ser facilmente reconhecida: minha prpria voz.



E no nos deixes cair em tentao, mas livra-nos do mal, porque teu o Reino, o poder e a glria para sempre. Amm (Mt 6.13)



At Que Tenhamos Rostos - A releitura de um mito, C.S. Lewis

Surpreendido Pela Alegria, C. S. Lewis