Envelhecer com planos e expectativas 4w1t72

A terceira idade
Aprecio muito a maneira didtica e inspiradora como o professor Robert Clinton, autor do livro Etapas na vida de um Lder (2000), descreve as ltimas fases de desenvolvimento do lder cristo, nomeando-as de convergncia e de celebrao. Primeiro porque ele considera, e concordo plenamente, que a vida esse continuum sempre em desenvolvimento, que se segue em etapas, fases e subfases delineadas com caractersticas naturais de acordo com o que se espera do ciclo vital humano. Deste modo h eventos previsveis na cronologia humana que nos oferecem a oportunidade de aprender com a vida de outros e de nos preparar para as fases subsequentes, se formos sbios e atentos.

Em segundo lugar, Clinton se refere ao que chamamos final de carreira (l pelos 65 anos em diante) a fase de ouro (palavras minhas), no sentido de que para ela convergem a destreza de uma vida, a sabedoria e conhecimento acumulados de mais de meio sculo, e a capacidade de entregar tudo isso sem pretenso de aplausos e reconhecimento social, porque j se acha reconhecido o suficiente por Deus e pelos homens. Visto assim, essas fases da vida madura e idosa seriam a cereja do bolo, na perspectiva divina e humana.

Porm, vamos ser sinceros, no todo mundo e Clinton o primeiro a reconhecer que chega a saborear dessa cereja. Ele mesmo afirma que h obstculos para que o cristo maduro usufrua dessa fase tardia de maneira to frutfera. Muitas vezes, vrias ocupaes para desviar o olhar do inevitvel, ou convites feitos e aceitos para ocupar cargos de importncia hierrquica na fase madura, que pouco correspondem aos seus verdadeiros anseios, levariam essa pessoa para longe da convergncia e, por fim, da celebrao. Fica claro, portanto, que preciso adquirir alguns ingredientes especficos e raros para se chegar terceira idade dando frutos, mas possvel. Isso provou sua pesquisa.

Diante das possibilidades e impossibilidades presentes no caminho do envelhecimento a partir dos 60+, convido voc, leitor, a refletir enquanto abrimos as cortinas desse tema, a fim de mostrar cenrios da nossa populao idosa brasileira, com respeito a sade mental, a vida produtiva, aos redirecionamentos do sentido de viver, e a capacidade de frutificar para o Reino de Deus.

Essa fase da vida, cujos males mais comuns so mascarados pela propaganda a fim de torn-la mais doce chamando-a de melhor idade, idade da liberdade para escolher o que se quer, ou a boa velhice, como alguns preferem dizer, referindo-se manuteno da sade, na verdade, para grande parte desse grupo se torna sinnimo de desamparo, solido e invisibilidade, mesmo quando vive com ou bem perto de seus familiares. Do ponto de vista fsico, o que dizer das dores dirias, doenas crnicas incapacitantes, fadiga, falta de energia e prazer, e a obrigao de ingerir pilhas de remdios enfileirados em cima da mesa como lembrete, para serem distribudos entre as refeies. Somada restrio de sade, que dificulta a mobilidade e a autonomia, de grande parte da populao idosa brasileira h ainda a escassez financeira, tendo em vista que a maioria est destinada a viver com um salrio mnimo de aposentadoria. Nesse caso, no incomum em nossa cultura que a pessoa idosa e a ocupar um quartinho da casa de algum parente, onde ainda contribui financeiramente, o que , para muitos dessa faixa etria a nica opo, restando depois disso o asilo pblico. Ento, agora parece que temos os dois lados da moeda de uma s realidade, a vida na velhice.

Possivelmente voc j tomou conhecimento das estatsticas atuais, mas vou mencionar algumas de maneira sucinta, apenas para reforar em nossa mente o que j fato e nos ajudar a conectar os elementos. O fenmeno do envelhecimento das populaes no mundo, que tem sido pesquisado e comentado razoavelmente nos ltimos anos, , em poucas palavras, decorrente basicamente de dois fatores que foram sendo modificados ao longo de dcadas: o aumento da expectativa de vida e a diminuio da taxa de natalidade (o nmero de filhos por mulher vem caindo nos ltimos quarenta anos).

Lembro-me que na minha adolescncia (hoje tenho 56 anos) eu ouvia dizer que alguns pases europeus eram considerados velhos devido sua populao majoritariamente formada de idosos, enquanto o Brasil era visto como um pas jovem. Nos dias atuais o cenrio mudou totalmente, pois os nmeros indicam um crescente de envelhecimento da populao brasileira para as prximas dcadas, e o que mais chama a ateno nessas projees a velocidade com que esse fenmeno vem ocorrendo no Brasil em comparao a outras regies do mundo. A OMS (Organizao Mundial de Sade) alerta que esse crescimento ir ocorrer na seguinte proporo: Enquanto a quantidade de idosos duplicar no mundo at o ano de 2050, ela quase triplicar no Brasil. ¹

Ampliando o foco para Amrica Latina, especialistas afirmam que a populao continuar crescendo at o ano 2060 e, a partir de ento, comear a diminuir. O diretor do centro latino-americano e caribenho de demografia da Cepal, foi categrico ao dizer que se h algum que ainda acha que a exploso demogrfica um problema, deve esquec-lo. A realidade e o desafio da nossa regio o envelhecimento da populao ²

De acordo com o Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o ndice de envelhecimento de 55,2 idosos para cada 100 crianas entre 0 e 14 anos. Em 2010 o ndice era de 30,7! Com o rpido aumento, a idade mediana da populao brasileira ou de 29 para 35 anos nesse curto intervalo de anos. Resumindo os dados, a pesquisa mostrou que o total de pessoas com 65 anos ou mais, chegou a somar 10,9% da populao brasileira, representando uma alta de 57,4% em pouco mais de uma dcada. Por outro lado, o tamanho das famlias tem encolhido ao longo das dcadas, pois o total de crianas com idade at 14 anos, experimentou uma queda de 12,6% nesse mesmo intervalo de tempo. ³

fato, estamos envelhecendo rapidamente como nao, e isso promove a reboque o crescimento de diversas demandas que requerem novas polticas sociais, econmicas e de sade. O efeito disso j pode ser visto, por exemplo, nas reformulaes realizadas pelo governo nos planos de aposentadoria pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), referentes ao acrscimo para o tempo de contribuio e tempo de servio.

Diante disso, falar em envelhecimento hoje se tornou uma emergncia para todos os setores sociais, pois estamos diante de um grande desafio que est s portas, requerendo aes estratgicas multidisciplinares. A igreja crist no pode ficar alheia a este cenrio, pois se por um lado constitui um desafio, por outro, representa uma oportunidade para viver e pregar o Evangelho nesse novo contexto sociocultural, trazendo esperana para os que no tm nenhuma e frutos para o Reino de Deus.

A velhice engloba a convergncia de mltiplos fatores psicossociais e econmicos que promovem mudanas de grande porte em diversas facetas do funcionamento e desenvolvimento do ser humano nessa fase de vida. Na verdade, a velhice deve ser vista como um continuum de toda uma vida, tendo esta sido vivida de maneira saudvel, ativa e plena, ou ao contrrio. Neste caso, partimos da premissa de que todos os seres viventes envelhecem e morrem como fruto do pecado que entrou no mundo, mas a maneira como isso ocorre bem diferente organicamente, fisicamente, emocionalmente e espiritualmente para cada um.

Procurando fazer um breve recorte da rea de sade mental da pessoa idosa, podemos considerar que muitos fatores nessa faixa etria podem propiciar o surgimento de transtornos mentais e neurolgicos como a depresso, a ansiedade, e os quadros demenciais como o Alzheimer e o Parkinson. Apenas para fornecer uma ideia do cenrio, compartilho brevemente os resultados de uma pesquisa realizada pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS) na cidade de Porto Alegre, em que foram constatados altos ndices de depresso (30%), ansiedade (9%), alcoolismo (6,5%) e risco de suicdio (15%), em uma amostra de 578 pessoas a partir dos 60 anos. ⁴

fato que as doenas emocionais como depresso, ansiedade, pnico e at o burnout, crescem em todo o mundo e tm alcanado todas as faixas etrias (a partir da escolar), especialmente as mais ativas. Por isso, a depresso e o suicdio nos ltimos anos tm recebido maior ateno atravs de campanhas com respeito a populao adolescente e jovem, mas segundo pesquisa realizada pelo IBGE, ⁵, os idosos entre 60 e 64 anos j ocupam o topo do ranking entre os mais afetados pela doena no Brasil. Os fatores que podem servir como gatilho para esse quadro nessa fase da vida podem ser muitos, contudo, em geral, consideramos que os contatos sociais decrescem, h perda de amigos antigos e parentes prximos, a rea profissional-laboral extinta e, sem novos objetivos, a parte fsica encontra limitaes em sua mobilidade e fora, a vida cultural e criativa que foi deixada para trs muito cedo para dar lugar ao trabalho para sustento financeiro, e o campo psquico ou emocional, que necessita de todas essas reas anteriores para manter-se saudvel, acaba sendo inevitavelmente afetado, dando lugar aos transtornos psicolgicos e neurolgicos.

Acreditamos que a qualidade de vida cultivada nos anos anteriores ao envelhecimento far grande diferena, por isso, o trabalho de orientao preventiva a este grupo imprescindvel. o que temos tentado colocar sempre em pauta no nosso trabalho entre missionrios, junto ao CIM BRASIL/AMTB (Cuidado Integral Missionrio), atravs de palestras e modelos de prticas, procurando promover a cultura do autocuidado enquanto ainda esto ativos e se dedicam a uma vida em misso, a fim de que sejam frutferos e saudveis, e mais tarde possam colher uma velhice se sentindo mais plenos. Levanto aqui alguns pontos crticos que vale a pena considerar e discutir em nossos sistemas de preparo, envio e cuidado de missionrios e pastores: (1) H falta ou escasso planejamento de vida e ministrio que vislumbre o final de carreira. (2) O processo de transio de final de carreira, que deveria ocorrer pelo menos nos ltimos 3-5 anos de servio, na verdade ocorre repentinamente, sem preparo, sem fechamentos onde possam ser tratados os ressentimentos, as insatisfaes e a resistncia pessoal para lidar com o fechamento do ciclo. Isso desemboca em depresso, amargura contida e testemunho de desestmulo para as prximas geraes. (3) Os baixos salrios para manuteno e/ou a m istrao dos recursos enquanto servem em campo/igreja, impedem de contemplar os itens bsicos para manuteno da sade fsica e mental, como ter um plano de sade, gozar de frias anuais e fazer contribuio para aposentadoria (plano pblico ou privado). Isso trar consequncias aps o envelhecimento, ou at a antecipao do final da carreira.

No livro Aprender a Envelhecer, Paul Tournier faz referncia ao professor Adolphe Portmann que diz o seguinte: Quem no tenha aprendido desde cedo a buscar o sentido de sua vida, no poder encontrar na velhice o modo efetivo de faz-lo.

Durante a vida no fomos ensinados e incentivados a refletir e programar os anos mais tardios da vida, pelo contrrio, em uma cultura que valoriza a juventude e a produtividade, a mensagem que recebemos desde a infncia : estude bastante para ser um bom profissional; trabalhe muito para ter sucesso, conforto e uma boa vida; no perca tempo, faa tudo o que puder para realizar-se enquanto jovem e ativo. Pouco se fala, e muito menos se elabora em termos emocionais e prticos a respeito da velhice que vir um dia. Em outras palavras, nos ensinaram a viver bem enquanto jovens e at maduros, que hoje ainda so considerados jovens. Mas a velhice de fato um vcuo e permanece alvo da nossa evitao e at negao mental, pelo tempo que for possvel.

Na verdade, como bons brasileiros costumamos adiar pensar no assunto da velhice at o ltimo instante. A desculpa que estamos ocupados demais vivendo a vida, mas esquecemos que a velhice ainda vida que planejada antecipadamente poder ser ativa, produtiva e at prazerosa, ainda que de uma maneira diferente das fases anteriores. A Bblia nos ensina a ver na velhice possibilidade real de servio a Deus e ao prximo, com a alegria e a propriedade de algum que j viveu o suficiente para saber de onde procede a verdadeira satisfao e fora. Pois, mesmo na velhice daro fruto, permanecero viosos e verdejantes (Sl 92.14).

Durante a juventude o sujeito dedica-se a construir, uma vida voltada para conquista, produo e realizao prpria, e isso se concretiza fora de si mesmo, em ambiente de constante troca de experincias e na concretude do seu ofcio. E nessa busca corrida para dar sentido vida atravs da entrega ao trabalho e a formao de uma famlia, deixa-se de desejar o lado contemplativo, interior, potico, ldico, o modo pausado de viver. nele que vamos nos encontrar na velhice, por isso precisamos despert-lo cedo, figurativamente, ainda ao meio-dia, porque quando chegar o entardecer da vida, ele ter encontrado o seu lugar e o seu prprio ritmo em ns.

Tournier afirma que no fcil um cultivo paralelo da vida ativa e da vida contemplativa, da cincia e da poesia. Mas, o fato que no momento da aposentadoria e no seguir dos anos de envelhecimento, a vida pausa e os dias so longos e vazios de sentido. O autor defende que para evitar esse efeito desconcertante que d lugar depresso, ainda na metade da vida deve-se comear a refletir e organizar a existncia, com vistas a um futuro ainda distante, dando importncia gradativa a ocupaes cada vez menos exteriores, menos tcnicas e mais culturais, que perduraro aps a aposentadoria. Para o cristo isso se encaixa muito bem, pois o carter contemplativo, na verdade, jamais deveria deixar de ocupar lugar na sua agenda desde a juventude.

O desafio proposto continuar sentindo-se vivo, til a Deus, conectado consigo mesmo e com o outro em qualquer nvel que seja saudvel e frutfero, mas isso em um ritmo totalmente diferente das fases anteriores. Porm, no esqueamos, a busca pelo que realmente importa na fase mais madura da vida do cristo inclui uma transio de mentalidade e funcionamento, do fazer para o ser. Como diz Clinton, a mudana na maturidade vai da competncia do fazer para a eficincia que flui do ser. E essa transio que opera de dentro para fora, precisa se processar lenta e gradativamente ao longo dos anos at que seja incorporada como um modo natural de viver. Celebrar Deus na vida e a vida em Deus o resultado de uma nova compreenso da prpria existncia na velhice, apesar de estar ciente de todas as dificuldades reais e esperadas para essa faixa etria.

Aprender a Envelhecer, Paul Tournier

Fui Moo, Agora Sou Velho... E Da?, Klos M. Lenz Csar

Uma conversa sobre a morte, edio 391 de Ultimato

Envelhecimento saudvel, por Jorge Cruz

A vida a muito rpido, por Jiro Nishimura

Envelhecimento da populao requer novas polticas pblicas e ateno da igreja, por Xnia Casste