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31 de outubro de 2016
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E a arte? O que a Reforma teve a ver com ela? 1sv3f

Leva tempo e dedicao, mas o esforo de jogar do jeito certo vale a pena. Assim como na Reforma Protestante valeu o esforo de voltar a um cristianismo autntico. S que, em alguns pontos, a tentativa de mudana traz ainda mais conflitos. Assim como nas relaes entre f crist e arte l pelo sculo 16.
Com a proposta de mudana nos moldes da religio crist, a Reforma tambm acarretou o declnio da forma da arte crist como produzida at ento. Um dos efeitos imediatos foi a averso decorao dos templos. Enquanto a experincia sensorial no catolicismo era rica em smbolos, no protestantismo as representaes fsicas capazes de promover adorao e devoo eram evitadas. Ainda hoje, para quem j esteve em um local ou momento de culto catlico e evanglico, fcil perceber como a arte geralmente muito incorporada no primeiro contexto e bem pouco no segundo.
Grande parte da recusa protestante em fazer arte de cunho religioso pode ser explicada pela proibio da criao de dolos. Mas alguns viam a criao de imagens de outra forma. A nfase desse mandamento est na repreenso adorao dos dolos, o que atribua a cones materiais a glria que era devida somente a Deus.
Onde, porm, imagens ou esttuas so produzidas sem idolatria, ento a fabricao delas no proibida, disse Lutero. Meus confinadores devem tambm deixar-me ter, usar, e olhar para um crucifixo ou uma Madonna () Contanto que eu no os adore, mas apenas os tenha como memoriais1.
Mesmo com Lutero, um dos expoentes da Reforma Protestante, tendo uma viso clara sobre o papel e a presena da arte na igreja, outro dos efeitos imediatos do movimento foi o de que muitas das manifestaes de cunho religioso, como esttuas, vestes, murais, vitrais e manuscritos ilustrados foi destruda e queimada por protestantes por toda Europa.
O estudioso das obras de Shakespeare, G.B. Harrison, afirma que A reforma, sob o comando de Eduardo VI foi o pior desastre artstico que j aconteceu na Inglaterra. (...) Alm disso, a demanda dessas obras de arte subitamente cessou e as tradies de geraes de artesos se perderam2.
Durante o perodo em que estava no centro do poder europeu, a igreja de Roma foi a maior patrocinadora da pintura e da escultura. Artistas como Rafael e Michelangelo, ambos entre o fim do sculo 15 e incio do 16, produziam diversas obras por encomenda com temas explicitamente religiosos para adornar os templos, lugares de adorao, funerais ou atividades eclesisticas.
No contexto da poca, as telas e vitrais presentes nesses locais no eram apenas belos, mas funcionavam como uma espcie de liturgia visual, apresentando a criao do homem, o nascimento de Cristo, a via crcis e outras narrativas sagradas para aqueles que no tinham o ao texto bblico e nem conheciam o latim, lngua na qual as cerimnias eram realizadas. vlido questionar vrias das engrenagens que moviam esse sistema, mas desvalorizar as tradies artsticas nele presentes chega a ser desonesto.
Com a autoridade do catolicismo enfraquecida, seu potencial de atuao como benfeitor de artistas foi reduzida. Sem um forte discurso religioso contrrio ao acmulo de riquezas, as encomendas aos artistas aram a ser de obras com temas de interesses pessoais, como retratos e paisagens. As experincias dirias dos cristos comuns da Europa, antes dificilmente retratadas nas obras artsticas, aram a tambm ter seu lugar.
A afirmao dos reformadores de que Cristo era senhor no apenas nos perodos de orao, adorao e estudo bblico, mas sobre todas as coisas, legitimava a reivindicao dos aspectos no religiosos da vida para Deus, o que trouxe uma nova perspectiva ao que poderia constituir uma arte crist.
Assim, realizar obras para Deus no significava produzir telas, artefatos e qualquer tipo de manifestao artstica que apresentasse ligao direta com temas religiosos ou com o momento de culto, mas sim produzir tais expresses de arte para glorificar o nome de Cristo.
Essa compreenso foi essencial para o contexto da arte criada por cristos. Mesmo que no tratasse de temas explicitamente bblicos, era possvel que a arte fosse impregnada de valores do reino. O jornalista britnico Steve Turner destaca a obra de Rembrandt, que foi educado em uma igreja reformada e no idealizava os temas em suas obras, que retratam uma mistura de glria e queda, sendo criticado por usar lavadeiras como modelos, por exemplo.
Rembrandt retratava cidados comuns como Jesus os retrataria, valorizando-os por sua natureza humana e no por sua posio social ou riqueza. Trata-os com ternura, mas com honestidade. V a alma por trs da pele que perde a firmeza3.
Mas mesmo sem o compromisso com temas divinos, o relacionamento entre o Cristianismo e as artes ainda permaneceu em tenso, por conta da diviso entre o secular e o sagrado. Segundo Turner, apreciar uma arte que lida com a vida diria, quando ela no apresenta relaes ou concluses explicitamente espirituais, ainda se mostrava uma tarefa de difcil assimilao.
Um ponto essencial para essa discusso, abordado pelo telogo Francis Schaeffer, influenciado pelas ideias do crtico de arte Hans Rookmaaker, que foram contemporneos no sculo 20, a noo de que uma obra de arte tem valor em si mesma. E isso primeiramente porque ela uma obra de criatividade, que tem valor porque Deus criador.
Tal princpio pode parecer bvio, mas ainda hoje para muitos cristos algo impensvel, por isso sua meno, que indispensvel para que no se perca a essncia da arte. A arte no algo que simplesmente analisamos ou avaliamos por seu contedo intelectual. algo a ser apreciado. A Bblia diz que as obras de arte no tabernculo e no templo estavam l pela beleza4.
Em um extremo, Ulrico Zunglio, reformador de Zurique, proibiu a arte na igreja, mesmo a produzida por e voltada para cristos, porque ele focava na centralidade nica das Escrituras e dos sacramentos. O que curioso, visto que ele mesmo era instrumentista e fundou a orquestra da cidade.
J Calvino tinha o entendimento de que tudo que verdadeiro, bom e belo no homem procede da graa de Deus. Mesmo sendo pecador, o homem no estaria inteiramente privado da graa divina que comum a toda humanidade. Sobre haver momentos de verdade em todos os homens, mesmo na condio de pecadores, Calvino escreve:
Quantas vezes, pois, [quando] entramos em contato com escritores profanos, somos advertidos por essa luz da verdade que neles esplende irvel, de que a mente do homem, quanto possvel decada e pervertida de sua integridade, no entanto ainda agora vestida e adornada de excelentes dons divinos. Se reputarmos ser o Esprito de Deus a fonte nica da verdade, a prpria verdade, onde quer que ela aparea, no a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Esprito de Deus. Ora, nem se menosprezam os dons do Esprito sem desprezar-se e afrontar-se ao prprio Esprito5.
Feito imagem de Deus, alm de amar, pensar e sentir, o homem tambm capaz de criar. Nesse quesito, vale ressaltar que mesmo tendo valor em si, a arte produzida por homens nem sempre vai ser moral e intelectualmente boa, uma vez que todos esto corrompidos, o que faz com que nem toda criao seja uma nobre expresso de arte.
Quando o valor da obra de arte em si no levado em considerao, os protestantes de ontem e de hoje - caem no erro de pensar a arte apenas como uma mensagem, um meio para um fim, o que faz com que com frequncia nas igrejas ela acabe reduzida propaganda, um e para o evangelismo. Esse obstculo ainda se une equivocada percepo de que a arte s pode ter algo de cristo se for sempre explicitamente religiosa, abordando apenas temas bblicos, histrias de mrtires e alegorias de relacionamentos pessoais com Deus.
Em meio a restauraes, libertaes, validaes e amplificaes nas relaes entre f e arte no perodo da Reforma Protestante, houve tambm o oposto, com restries, destruies, proibies e divises. E 500 anos depois ainda possvel observar vrios desses conflitos na igreja.
Conhecer o histrico dessas relaes importante para aprender os princpios certos e para tentar no cometer as mesmas falhas. Assim, naquele cenrio do jogo de tabuleiro que vai saindo dos trilhos, vamos constantemente tentando assimilar melhor o que foi estipulado por quem o idealizou, fazendo da Reforma no s um marco histrico, mas mantendo sua essncia viva em ns.
Referncias
1 LUTERO. Contra os Profetas Celestiais. 1525; LW, Vol. 40
2 - HARRISON. Introducing Shakespeare. Londres: Penguin, 1939
3 - TURNER. Cristianismo Criativo? - Uma viso para o cristianismo e as artes. So Paulo: W4Editora, 2006
4 SCHAEFFER. A Arte e a Bblia. Viosa: Ultimato, 2010
5 CALVINO. Institutas, II.2.15
Amanda Almeida tem 23 anos e formada em Comunicao Social pela UFMG. Sua monografia tratou de jornalismo cultural, arte e cristianismo. Amanda escreve para o blog Ultimato Jovem sobre cinema.
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Imagem: Wikimedia Commons
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