Conscincia negra e ao crist 2h5y4p

Os bancos do pequeno templo do seminrio batista do Rio de Janeiro (RJ) tinham muitos espaos vagos: uma mdia de 30 a 40 pessoas presentes na Conferncia Nacional Negritude & Evanglicos Reflexo, Resistncia e Engajamento, ocorrida de 13 a 15 de novembro. Pouqussimos tinham a tez branca. A maioria, sem dvida, identificava-se com a cor negra. No somente com a cor, mas com toda uma riqueza de identidade, histria e f que a credencial traz. No somente com a riqueza, mas tambm com as dores e feridas de quem sofreu - e ainda sofre - com a discriminao racial.

Se hoje, 20 de novembro, Dia da Conscincia Negra, a causa est nas manchetes e conquistou sua importncia em calendrios oficiais de algumas cidades como So Paulo, ainda fica a pergunta: e no meio evanglico, h algum movimento consistente e organizado contra o racismo? O pequeno grupo da conferncia talvez mostre fraquezas no processo de formao de um possvel movimento nacional, mas tambm revela foras. Fraquezas porque, de fato, ainda tmido em termos de abrangncia e de articulao. Foras porque, a despeito disso, h produo acadmica, paixo, coragem e olhar bem informado sobre os caminhos democrticos que podem beneficiar a bandeira, que inspirada no Evangelho, luta contra o racismo.

A Conferncia Negritude & Evanglicos, apesar de receber um pequeno pblico, contou com contedo de qualidade sobre as questes relacionadas ao racismo. No faltaram crticas s igrejas evanglicas por um tipo de acomodao quanto s prticas de discriminao dentro do nosso prprio contexto cristo. Um olhar especial para as mulheres negras revelou que estas sofrem uma dupla discriminao: pela cor da pele e pelo gnero. Em muitas igrejas evanglicas, seus espaos so comumente reservados limpeza de banheiros e preparao de refeies. Pouco se v estas mulheres em cargos de liderana; poucas vezes elas so vistas em processos decisrios consistentes.

Quanto produo acadmica, foi possvel ouvir provocaes e propostas no campo da histria, da antropologia, da educao, da teologia e da cultura. Por exemplo: a doutora em educao, Cludia Sales, criticou a falta de referncias do negro nos materiais didticos evanglicos voltados para a primeira infncia. Com relao literatura infantil, percebemos historicamente a ausncia de referncias que poderiam ajudar as crianas negras a reconhecerem e aceitarem sua identidade e colaborar no combate ao racismo, afirmou Cludia. J o antroplogo Rolf Malungo de Souza, falou sobre as representaes da masculinidade negra no Brasil. Ele usou exemplos do livro O Cortio e de novelas como Senhora do Destino e A Cor do Pecado que representam o homem negro como violento e destinado morte. Andreia Fernandes mostrou retratos da discriminao contra negros em peas publicitrias que tambm so confirmadas por estatsticas sociais.

Outro tema abordado em um dos painis do evento foi a violncia contra jovens negros. O Mapa da Violncia no Brasil 2014 revela isto. Em todo o pas, sete jovens so mortos a cada duas horas. So 82 jovens mortos por dia, 30 mil por ano, todos com idades de 15 a 29 anos. E, entre os jovens assassinados, 77% so negros (somando aqui os pretos e pardos, pelos critrios do IBGE).

Em outro , trs estudiosos, entre eles, o conhecido biblista Luis Sayo, falaram sobre o negro e a discriminao racial na Bblia. Rogrio Donizette Bueno, pastor da Comunidade Vineyard em Campinas (SP), especialista em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Mestrando em Educao pelo UNISAL, lembrou que a igreja de Antioquia tinha um negro (Simeo) entre seus profetas e mestres [ver Atos 13.1]. Ao contrrio do que somos induzidos a pensar, o cristianismo entra no continente europeu pelas mos de homens africanos chamados de cristos, muito antes de qualquer europeu, disse ele.

Uma das mais aguardadas participaes da conferncia era de John Perkins [foto acima]. Com corpo frgil na idade de 84 anos, mas com voz forte de quem tem uma longa histria de luta pela reconciliao racial e o desenvolvimento integral, Perkins nasceu em uma comunidade rural pobre em Mississippi (EUA), sofreu o preconceito por ser negro, mas tambm iniciou um abrangente trabalho de apoio ao desenvolvimento integral de comunidades, inspirado no Evangelho. Hoje, a organizao que Perkins iniciou h uns 30 anos ajuda mais de mil iniciativas e rene milhares de pessoas em conferncias anuais. Na conferncia brasileira, curiosamente, John foi quem falou menos sobre o racismo propriamente dito. Ele compartilhou sua experincia pessoal, orientou os presentes sobre liderana e exps o modelo que criou na rea de desenvolvimento comunitrio. Ele defendeu apaixonadamente a reconciliao como fruto da reconciliao pessoal com Deus. A verdade incendeia a justia, disse ele.

A Conferncia Nacional Negritude & Evanglicos, que comeou em uma quinta-feira (dia 13), terminou no sbado (dia 15), feriado de Proclamao da Repblica. Que nossa repblica brasileira seja competente em proporcionar no somente bem-estar, mas tambm justia para todos e todas. O caminho para o Movimento Negro Evanglico infelizmente ainda longo.

Atualizado em 21/11/2014, s 06h15.