Como possvel sobreviver num campo de concentrao? 2x4h4k

Na prxima semana estar disponvel online o contedo da edio novembro-dezembro da revista Ultimato. Mas Prateleira adianta agora, na ntegra, uma das matrias de capa dessa edio: Como possvel sobreviver num campo de concentrao?. Boa leitura!

Como possvel acomodar, em cada uma das trs camas de tbua de um triliche, nove prisioneiros deitados de lado, um atrs do outro? (Qualquer metr transporta, no horrio de pico, no mximo 9,8 pessoas em p por metro quadrado.)
Como possvel manter o organismo vivo com 300 gramas de po e um litro de sopa por dia durante meses a fio?
Como possvel realizar trabalhos braais ao relento, sem luvas e agasalhos apropriados, se o termmetro marca 20 graus abaixo de zero? Como possvel no explodir de raiva ao ver o capataz com luvas grossas e casaco de couro forrado de peles?
Como possvel ficar mais de trinta meses sem escrever e receber cartas?
Como possvel conviver, em barracos superlotados, com pessoas at ento estranhas, de vrios pases da Europa, com idiomas e comportamentos diferentes e com profisses e nveis diversos? (Certa ocasio havia 1.100 prisioneiros numa cobertura que comportava, no mximo, duzentas pessoas.)
Como possvel ar a mais inconcebvel falta de higiene por causa do acmulo de gente e da ausncia ou escassez de vasos sanitrios apropriados?
Como possvel continuar vivo apesar da saudade de pessoas, coisas e acontecimentos, dentro de um cercado de arame farpado, com fios de alta tenso, torres de vigia e holofotes acesos a noite inteira?
Como possvel no se desesperar por completo se, do lado de fora, em dois barraces, esto quatro grandes cmaras de gs venenoso e se quase todo o dia se v a fumaa que sai da chamin do forno crematrio levando consigo as cinzas dos que ontem estavam no mesmo barraco?
Como possvel lidar com a sensao de estar andando atrs de seu prprio cadver, de ser um cadver vivo, de ser uma partcula numa massa de carne humana cercada por todos os lados?
Como possvel no ceder tentao do suicdio, no satisfazer a vontade de ir para o fio (agarrar-se cerca eltrica para morrer)?
Como possvel sujeitar-se morosidade do tempo se, num campo de concentrao, um dia demora uma semana?
Como possvel no perder a identidade prpria depois de ser despojado de todos os documentos, de todos os bens e at de nome e sobrenome em troca de um mero e comprido nmero?
Como possvel no perder a autoestima sem ver o prprio rosto no espelho durante dois anos e meio?
O austraco Viktor Emil Frankl, nascido em Viena cinco anos depois do sculo 19 e morto na mesma cidade trs anos antes do sculo 21, conseguiu ar por cima de todos esses impossveis. Antes de ser levado para o campo de concentrao de Theresienstadt em setembro de 1942, Frankl, aos 37 anos, j tinha um doutorado em medicina e era um conhecido e respeitado neurologista e psiquiatra. Depois de ar por outros campos de concentrao, inclusive Auschwitz, e ser libertado pelo exrcito americano em abril de 1945, Frankl tornou-se chefe do Departamento de Neurologia do Hospital Policlnico de Viena e doutorou-se em filosofia. Valendo-se de sua prpria experincia, fundou a logoterapia, muitas vezes chamada de terceira escola vienense de psicoterapia (depois da psicanlise de Freud e da psicologia individual de Adler).
Em seu mais famoso livro (Em Busca de Sentido, com mais de 9 milhes de exemplares vendidos), Viktor Frankl explica a razo de sua sobrevivncia: No h dvida de que o amor-prprio, quando ancorado em reas mais profundas, espirituais, no pode ser abalado por uma situao de tremendo sofrimento.
Foi por isso que ele escreveu tambm o no menos famoso A Presena Ignorada de Deus.