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01 de agosto de 2012
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Bblia: sujeito ou objeto de misses? 3f635t
Como podemos melhor correlacionar misses ou misso com a Bblia? Podemos pensar neste assunto como resposta seguinte pergunta: de que maneira a Bblia missionria? Coloco a palavra missionria entre aspas, porque a resposta depende em parte de como ela entendida. Compreendemos missionria mais em termos do empreendimento institucional da igreja (misses, ou missiones ecclesiae)? Ou entendemos missionria em termos do plano de Deus (misso ou Missio Dei) para o mundo? Ou entendemos como uma correlao entre os dois?
No coloquei a palavra Bblia entre aspas porque j pressuponho a delimitao protestante dos livros da Bblia. Mesmo assim, a resposta para a nossa pergunta (de que maneira a Bblia missionria?) depende de como se entende a Bblia nesta relao: como o sujeito da conversa com misses ou como o objeto da conversa? Para ajudar, estou propondo quatro maneiras de relacionar misses ou misso com a Bblia:

A relao entre o conceito de misso e a Bblia semelhante relao entre o conceito de cultura e a antropologia. A antropologia, por exemplo, usou a palavra cultura para descrever todos os costumes e perspectiva de vida de um povo. Antes, a palavra percorria os campos da agronomia para se referir aos plantios, e da educao para se referir ou etiqueta ou comportamento pessoal ou formao acadmica de um indivduo. A antropologia, portanto, usurpou a palavra cultura de um modo mais abrangente e assim acabou transformando o conceito.
Semelhantemente, a palavra misso deriva da palavra latina missionem (nom. missio) e do verbo mittere (enviar) e surgiu somente em 1598 pelos jesutas para descrever o envio dos seus membros para outros pases. Hoje, ela usada para descrever a evangelizao e o desenvolvimento da igreja em lugares novos. Mas como a palavra cultura no mbito da antropologia, a palavra misso definida em termos circulares. sempre necessrio explicar ao que que se refere.1
Quando falamos de misso j partimos de uma ideia mais abrangente, porm inclusiva, da ideia de misses. Por misso, hoje em dia, entende-se costumeiramente da misso de Deus (missio Dei), ou mais simples ainda, o plano de Deus para o mundo que ele criou, o que, por sua vez, inclui uma incumbncia, logo misses, para um povo que ele chama para participar e contribuir para este plano. Ao falar da misso de Deus no estamos mais limitados s atividades de expanso das diversas instituies denominacionais e missionrias. Quando pensamos na Bblia como a histria da misso de Deus, e por consequncia, o incio da histria da vocao missionria do povo de Deus, estamos logo no campo complicado da hermenutica. Estamos propondo a misso de Deus como uma chave para a interpretao das Escrituras.
Para entender melhor a misso de Deus como a chave hermenutica da Bblia recorremos ao modelo hermenutico relativamente simples, mas esclarecedor de Paul Ricoeur. Ele fala de trs locais de interpretao: o significado do texto em si, o significado atrs do texto e o significado na frente do texto:
Atrs do texto: misso dos autores/editores e das comunidades
Atrs do texto: misso dos autores/editores e das comunidades
Dentro do texto: misso como enredo bblico
Na frente do texto: misso na percepo dos leitores (cnon, credos, no uso ou no)
Estes trs planos hermenuticos correspondem s quatro relaes mencionadas acima entre misso e a Bblia da seguinte maneira:

Estudiosos esto expondo a temtica de misso na Bblia j h alguns anos.2 As suas contribuies so muitas, variadas e importantes. H certo consenso que misso um tema abrangente da Bblia. Mas no h um consenso de como desenvolver uma hermenutica missional da Bblia, embora George Hunsberger proponha um mapeamento da conversa e o relativo consenso que a conversa j provocou.3 Sugiro que a falta de consenso se deve aos diferentes planos hermenuticos que interessam para cada autor.
Misso atrs do texto
Um exemplo. Darrell Guder pressupe o nvel hermenutico que se localiza atrs do texto. Isto , ele ressalta o propsito missionrio dos autores e editores que produziram o texto bblico e as preocupaes missionrias das comunidades que eles representam. Para ilustrar, as cartas de Paulo refletem as suas prprias preocupaes missionrias e as das comunidades para quem ele escreve. Quando ele incentiva a unio entre judeus cristos e gentios cristos da igreja em Romanos 12-14 ele apela, entre outras coisas, s agens messinicas do Antigo Testamento que antecipam o louvor a Deus tanto de judeus quanto de gentios pelas misericrdias de Deus j experimentadas (Rm 15.1-13).4 O texto da Carta aos Romanos, ento, reflete os desafios missionrios tanto de Paulo quanto dos cristos em Roma.
Semelhantemente, as diferenas entre os quatro Evangelhos se devem, em parte, s diferentes perspectivas e agendas dos seus autores e das comunidades por trs destes Evangelhos e assim fornecem um estudo de caso interessante de desafio e engajamento missionrio da igreja primitiva. O mesmo pode ser dito sobre os diversos documentos do Antigo Testamento. O importante em tudo isso reparar que a temtica missionria como chave de interpretao bblica opera atrs do texto. Pergunta sobre a origem histrica dos textos bblicos e o propsito original e missionrio que eles serviram na comunidade dos seus primeiros leitores. Assim, Guder traz uma contribuio importante ao dilogo sobre a relevncia de misso para a Bblia. Ele conclui: o propsito desta Palavra de Deus escrita era e a formao contnua da igreja missional. (...) Esta formao ocorre quando a palavra bblica opera poderosamente dentro da comunidade.5
Misso dentro do texto
A grande maioria de missilogos que defendem misso como a temtica da Bblia trabalha no plano hermenutico que Ricoeur denomina dentro do texto. Na sua leitura bblica estes fazem mais perguntas teolgicas que histricas. O seu enfoque est especificamente no desenvolvimento dos diversos enredos literrios dos autores e no desdobramento cannico da narrao. Johannes Blauw foi um dos primeiros a propor esta temtica em 1964.6 No Brasil eu tambm tenho escrito dentro desta perspectiva hermenutica.7 Atualmente Chris Wright se destaca como o missilogo mais proeminente que prope a narrao da misso de Deus como a chave para a interpretao bblica.8 Para esclarecer a sua perspectiva ele fala sobre a base missional da Bblia ao invs da base bblica de misso. Assim, ele ressalta a misso de Deus como o enredo da narrao bblica, o propsito para o qual a Bblia existe que nos apresenta o Deus (missionrio) da Bblia e um povo missionrio com quem somos convidados a participar. A misso de Deus, para Wright, a narrao que a Bblia nos conta sobre este Deus e este povo e, de fato, sobre este mundo e o seu futuro.9 Por esta razo, a misso pode fornecer a estrutura tanto para a nossa aproximao hermenutica para a leitura da Bblia quanto para a organizao do nosso relato da teologia bblica.10 Em resumo, ao enfatizar a sequncia e os enredos literrios da Bblia, Wright e outros autores operam a partir de uma perspectiva que destaca os significados hermenuticos dentro do texto.
Misso na frente do texto
Finalmente alguns autores se interessam mais na interpretao missiolgica que a Bblia provoca na leitura das diversas comunidades contemporneas geradas por ela. Por exemplo, para Michael Barram, uma interpretao missionria uma leitura do texto bblico enraizada na convico bsica de que Deus tem uma misso no mundo e que ns lemos as Escrituras como uma comunidade chamada para, e cativada por aqueles propsitos divinos.11 Esta perspectiva peculiar se caracteriza por um compromisso de articular fielmente a misso de Deus e o papel que a comunidade tem na realizao desta misso. Em termos mais formais e tericos isto leva para a elaborao de teologias locais ou contextuais. Em termos mais pragmticos, esta perspectiva leva ao engajamento missionrio das comunidades de f.
A igreja compreende a sua tarefa neste mundo a motivao, o meio, a prioridade, o alvo, a abrangncia e o significado desta misso derivada da prpria misso de Deus para e a favor do mundo. Esta compreenso se informa por meio de reflexo atenciosa revelao de Deus nas Escrituras e ateno criteriosa aos diversos contextos particulares. A reflexo pela igreja da sua tarefa no mundo a missiologia nunca termina, da mesma forma que a sua misso no mundo se cumpre somente no retorno de Cristo. A reflexo teolgica contextual permanecer sempre essencial para o engajamento efetivo da igreja na sua misso.
A igreja hoje continua a tarefa do povo de Deus atravs dos sculos desde o chamado inicial de Abrao, que deriva da prpria misso de Deus e ultimamente da natureza de Deus. A natureza atual desta tarefa se esclarece por meio de reflexo cuidadosa nas manifestaes anteriores da misso de Deus atravs dos sculos, com ateno proeminente dada s Escrituras e reconhecendo a prioridade hermenutica do Novo Testamento como sua expresso mais plena.
No apenas a continuidade bblica e histrica da igreja com as geraes anteriores que essencial para a sua reflexo sobre e engajamento com a sua misso. Tambm essencial a sua continuidade espacial, isto , a sua unidade com a igreja universal. Pelo menos este foi o desejo de Jesus expresso na sua orao sacerdotal pela unidade dos seus discpulos (Jo 17.21).
Implicaes dos trs planos de interpretao
A vantagem deste mapeamento das diversas maneiras de tratar a Bblia a partir da misso de Deus, usando a analogia dos trs planos hermenuticos de Paul Ricoeur, que tanto legitima estas trs perspectivas por adotarem pontos de partida hermenuticos diferentes, quanto ajuda a correlacion-las. Diante dos trs planos de interpretao no se faz necessrio harmonizar as diversas contribuies em uma s hermenutica missional da Bblia. perfeitamente possvel entender a contribuio legtima de cada uma.
Mas talvez seja possvel correlacionar melhor as trs perspectivas. Por exemplo, a tentativa de explicitar os motivos e intenes missionrias dos autores e das comunidades que contriburam para a produo dos diversos documentos da Bblia - o significado missional atrs do texto - ilumina o enredo missional dentro do texto ao longo das Escrituras. E isto, por sua vez, a base essencial para refletir mais responsavelmente a respeito do local missional dos leitores destes textos at os dias de hoje e em cada contexto social e tnico.
Nota editorial:
Esta outra parte do artigo A Bblia como ferramenta missionria. Ambos so originalmente palestras do autor no VIII Frum de Cincias Bblicas, promovido pela Sociedade Bblica do Brasil.
Notas bibliogrficas:
1. Em Proclamando boas-novas. Bases slidas para o evangelismo (Braslia: Palavra, 2008), proponho evangelismo ou evangelizao como uma nomenclatura melhor para descrever o enredo principal da Bblia por dois motivos. Primeiro e acima de tudo, trata-se da nomenclatura rotineira empregada pelos autores do Novo Testamento e uma vez recuperada a sua significncia mais abrangente encontrada no Novo Testamento e diferente do seu uso popular, esta palavra consegue o mesmo campo largo de significados que misso. E segundo, e ao contrrio do euangelioni ou euangelizomai, a palavra misso no de procedncia bblica (mesmo que seja possvel relacionar s palavras pempō e apostel) e por isso mais fcil importar significados alheios na discusso.
2. A Associao Internacional para Estudos de Misso (http://missionstudies.org/) criou um grupo chamado Estudos Bblicos e Misso que trabalha ativamente desde 1976. Semelhantemente criou-se h cerca de 12 anos uma rede de missilogos e biblistas americanos chamada O Evangelho e Nossa Cultura (http://www.gocn.org/).
2. A Associao Internacional para Estudos de Misso (http://missionstudies.org/) criou um grupo chamado Estudos Bblicos e Misso que trabalha ativamente desde 1976. Semelhantemente criou-se h cerca de 12 anos uma rede de missilogos e biblistas americanos chamada O Evangelho e Nossa Cultura (http://www.gocn.org/).
4. Veja, por exemplo, o meu A misso apocalptica de Paulo. So Paulo: Abba Press, 2007.
5. Biblical Formation and Discipleship em Treasure in Clay Jars, Lois Barrett, ed., Eerdmans, 2004, pgina 62, citado por George Hunsberger em Proposals for a Missional Hermeneutic: Mapping the Conversation(http://www.gocn.org/resources/newsletters/2009/01/gospel-and-our-culture). Em portugus alguns dos autores mais notrios que trabalham missiologicamente a Bblia a partir das origens do texto, ou como disse Ricoeur, atrs do texto so Donald Senior e Carroll Stuhlmueller, Os fundamentos bblicos da misso. So Paulo: Edies Paulinas, 1987; e ROWLEY, H. H., A f em Israel, So Paulo: Ed. Paulinas, 1977.
6. Na publicao do seu livro A natureza missionria da igreja (So Paulo: ASTE, 1966, nova edio no prelo) que, na verdade, discursa mais a respeito da natureza missionria da Bblia.
7. Meus escritos tambm se enquadram dentro desta tica. Veja, por exemplo, O caminho missionrio de Deus: uma teologia bblica. Terceira edio. Braslia: Palavra, 2005 e A viso missionria da Biblia. Uma histria de amor. Viosa: Editora Ultimato, 2005.
8. Especialmente The Mission of God: Unlocking the Bible's Grand Narrative, IVP Academic, 2006 e tambm The Mission of Gods People (Biblical Theology for Life), Grand Rapids: Zondervan, 2010.
9. The Mission of God, p. 108-109.
10. Ibid, 104.
11. The Bible, mission, and social location: Toward a missional hermeneutic. em Interpretation. 2007; e Mission and Moral Reflection in Paul. New York: Peter Lang, 2006.
telogo, missionrio da Igreja Presbiteriana Independente, capelo dA Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Editora Ultimato, autor de O Propsito de Deus e a Nossa Vocao,A Viso Missionria na Bblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro. blogueiro da Ultimato.
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