A orao serve para alguma coisa? n4h2r

Embora capciosa, a pergunta vlida, se considerarmos o fato de que vivemos em uma poca em que imperam o funcional e o pragmtico. Hoje, no h tempo para o que incerto e intangvel. O mistrio do divino foi ocultado por nosso racionalismo funcional.Por isso, pergunto aos cristos: por que crer no celestial como soluo para os problemas terrenos? No existem meios mais eficazes e decisivos para acabar com as situaes indignas do ser humano? Em outras palavras: podemos orar e ter certeza de que esse ato ter alguma utilidade?

Essas so inquietaes honestas, que surgem principalmente quando olhamos a realidade angustiante do nosso mundo. Fome, pobreza, corrupo, violncia e excluso social, dentre outros males, nos desesperam e nos levam a buscar solues prticas, dentre as quais a orao no recebe nenhum destaque. Em outras ocasies, esse ceticismo visto tambm entre cristos que trabalham em prol da transformao humana e do bem-estar integral dos demais. Um ceticismo que, em alguns casos, transforma a f em ativismo e a esperana em messianismo humano.

A vida e os ensinamentos de Jesus nos trazem memria a centralidade da orao. Para ele, a orao era a forma de manter-se em contato permanente com o Pai, de submeter-se ao escrutnio da sua vontade, e de receber a inspirao para continuar anunciando e tornando presente a realidade do reino de Deus e da sua justia. Jesus orava em particular e em pblico. Muitas vezes se unia aos seus discpulos para praticar a orao comunitria. Ele sempre cuidou para no cair na orao ritualista, carente de sentido e de ao, como era a dos religiosos de seu tempo. Ele fez os fariseus perceberem que suas longas oraes no serviam para nada; no avam de mais uma desculpa da sua religiosidade carente de justia e de misericrdia para com o prximo.

Contudo, ser que a orao tem alguma serventia? Ela no tem utilidade quando desligada do compromisso cotidiano com a causa do reino de Deus, e quando divorciada da vida e da histria. A devoo que se separa da tica no crist. Kant, o clebre filsofo alemo, assinalava que o ser humano, ao orar, se dispensava de agir moralmente. Por isso, para ele, a orao no ava de bobagem.

Sejamos sinceros. A orao de nada serve quando paralisa as aes e justifica a falta de compromisso. Ela de nada serve quando aliena a existncia e serve de desculpa para a injustia. Jesus se referia a isso quando disse: Ai de vocs, mestres da Lei e fariseus, hipcritas! Pois vocs exploram as vivas e roubam os seus bens e, para disfararem, fazem longas oraes! (Mt 23.14, NTLH). As oraes dos fariseus e mestres da Lei, ainda que longas e eloquentes, no avam de um palavreado mal-intencionado para ocultar a explorao. Por isso Jesus as condenou com tanta dureza.

No entanto, ela se torna crucial quando anda lado a lado com a ao e quando se integra na totalidade de nossa vida crist, quando splica sincera que busca conhecer a vontade do Pai e quando leva ao compromisso efetivo com essa vontade revelada. Jesus orava: Que no seja feito o que eu quero, mas o que tu queres (Mt 26.39).

Devemos ressaltar o binmio orao-ao, para que nossas oraes no fiquem na retrica litrgica, mas conduzam ao cumprimento da vontade de Deus no mundo. Tambm, para que nossas aes, por mais esforadas e nobres que sejam, no se tornem um ativismo intranscendente, no qual Deus o totalmente outro fique ausente, causando a excluso do sentido do nosso compromisso como cristos. Orar e no agir to errado quanto agir sem orar.

[Texto retirado, com permisso, de Para Que Serve a Espiritualidade, de Harold Segura, lanamento da Editora Ultimato.]


Harold Segura Carmona, telogo colombiano, pastor evanglico e educador, o atual coordenador de compromisso cristo e diretor de relaes eclesisticas da Viso Mundial Internacional. Ex-reitor do Seminrio Teolgico Batista Internacional de Cali, na Colmbia, membro da Junta Diretora da Fraternidade Teolgica Latinoamericana.