Todos somos sacerdotes 2b436r

No necessrio ser um conhecedor profundo da histria eclesistica para saber que, do ponto de vista teolgico, a Reforma Protestante do sculo XVI teve como objetivo principal o retorno da Igreja s Sagradas Escrituras como a base para sua f e sua vida prtica. O episdio mais representativo desta nfase foi a Dieta de Worms (maio de 1521) convocada pelo imperador Carlos V com o propsito de julgar a Martinho Lutero, que havia sido excomungado previamente como herege pelo Papa Leo por afirmar a autoridade da Bblia acima da autoridade dos papas e os conclios. Convidado a retratar-se, o reformador alemo respondeu com a seguinte declarao da sola scriptura, tota scriptura, uma afirmao que sintetiza a convico teolgica evanglica bsica com respeito centralidade das Escrituras:

Minha conscincia cativa da Palavra de Deus. Se no me demonstrarem pelas Escrituras e por razes claras (no aceito a autoridade de papas e conclios, pois se contradizem), no posso nem quero retratar-me de nada, porque ir contra a conscincia to perigoso quanto errado. Que Deus me ajude, Amm.

Sobre essa base bblica os reformadores construram o edifcio teolgico constitudo pelas nfases evanglicas que se resumem nas seguintes afirmaes: somente a Cristo (solus Christus), somente a graa (sola gratia),somente a f (sola fide), somente a glria de Deus (soli deo gloria), a igreja reformada sempre se reformando (ecclesia reformata semper reformanda). No entanto, j em 1520, antes da Dieta de Worms, Lutero escreveu trs tratados em que expunha sua posio teolgica em controvrsia com a sustentada oficialmente pela Igreja Catlica Romana: A liberdade crist, nobreza alem acerca do melhoramento do Estado cristo, e O cativeiro babilnico.

De importncia especial em relao ao nosso tema o segundo dos tratados que mencionamos. Ainda que no negue a necessidade de um ministrio ordenado por razes funcionais, em seu tratado dirigido nobreza alem Lutero rejeita a forte diviso tradicional entre clrigos e leigos, e afirma o sacerdcio de todos os crentes (tambm denominado sacerdcio comum) nos seguintes termos:

Todos os cristos so em verdade de estado eclesistico e entre eles no h distino, se no somente por causa do ministrio, como Paulo diz que todos somos um corpo, mas que cada membro tem sua funo prpria com a qual serve aos demais. Isso resulta do fato de que temos um s batismo, um Evangelho, uma f e somos cristos iguais, visto que o batismo, o Evangelho e a f por si ss tornam eclesistico ao povo cristo.

A base bblica desta posio slida. De acordo com o ensino do Novo Testamento, o nico sacerdcio vlido at o fim da era presente o sacerdcio de Jesus Cristo, que se ofereceu a si mesmo em sacrifcio pelos pecados e com um s sacrifcio tornou perfeitos para sempre aos que est santificando (Hb 10.14). Todos os que confiam nele tm o direto presena de Deus (10.19-22). Ningum pode oferecer mais sacrifcios pelo pecado: a obra de redeno est consumada; Jesus Cristo homem o nico mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5). Em virtude de sua relao com ele, todos os crentes participam de seu sacerdcio: so o sacerdcio do Rei (1Pe 2.9); so reis e sacerdotes (Ap 1.5; 5.10). E como tais so chamados a oferecer-se a si mesmos, em adorao espiritual... como sacrifcio vivo, santo e agradvel a Deus (Rm 12.1).

Biblicamente, todo cristo sacerdote pelo nico motivo de ser cristo. A Igreja um povo sacerdotal. Consequentemente, todos os seus membros foram consagrados ao servio de Deus, e para realiz-lo receberam diversos dons, diversas maneiras de servir, diversas funes que o Esprito reparte para o bem dos demais (1Co 12).

Sobre esta base bblica, a Reforma Protestante do sculo XVI abriu o caminho para que cada igreja local seja uma igreja-comunidade que supere a dicotomia entre clrigos e leigos e todos os membros do corpo de Cristo, sem exceo, participem em servios que manifestem o amor a Deus e ao prximo, de maneira prtica. A pergunta que temos que nos fazer hoje : at que ponto nossas congregaes esto comprometidas com o sacerdcio de todos os crentes, levando em conta que todos os que foram batizados em Cristo se revestiram de Cristo e, em consequncia, j no h judeu nem gentio, escravo nem livre, homem nem mulher (Gl 3.27-28)?

Traduzido por Tonica van der Meer.

Leia tambm
A Igreja Autntica(John Stott)
Fbrica de missionrios (Rubem Amorese)
Igreja Evanglica: identidade, unidade e servio (e-book gratuito) Robinson Cavalcanti

Imagem: Gouvernant/ Freeimages.com