Sobre o perigo do muito estudo 51u4f

Depois da tenso veio o silncio. Inclinou sua cabea e antes de ir-se, disparou: seu problema que voc leu e estudou muito. Orgulhosa de sua suposta ignorncia, partiu dando o assunto por encerrado. Foi j h alguns anos. Eu estava nesse lindo estado com o nome de uma das pessoas da trindade, onde me cabia expor todo um livro da Bblia durante uma semana. Verdade que eram somente quatro captulos, mas ainda assim uma tarefa tanto prazerosa quanto exaustiva.

A jovem estudante universitria que levantou a acusao do primeiro pargrafo no o fez devido minha exposio do texto bblico, levada a cabo cada manh. Na verdade, o que a havia incomodado era minha posio (ou a falta de) com relao a uma festa fantasia que os estudantes alegremente haviam organizado naquele evento da ABU.

No sei bem se foi algo quanto s fantasias usadas, ou se pelo ar de festa, ou se o fato que havia alguma tmida dana (os evanglicos no somos muito bons nisso), ou ainda devido a alguma das msicas tocadas. Talvez a minha improvisada e precria fantasia do Laterna Verde no tenha ajudado muito na questo. No gostaria de me justificar, j que o prottipo de fantasia nem era l muito vistoso. Mas fiz o que pude com as nicas peas verdes que casualmente havia levado ao acampamento.

J havia perdido boa parte da festa nessa conversa com a estudante. Tudo bem que possivelmente as preocupaes pastorais devam vir antes do lazer, mas naquele momento em que fui acusado sobre minhas supostas muitas leituras, quase me arrependi de haver dado prioridade ao seu aborrecimento e julgamento dos demais. J quase pensava que o mais fraco na f (aquele que vale seu peso em ouro e todo o cuidado que possamos lhe oferecer) possivelmente no era, nesse caso, aquela que me julgava e espetava seu dedo recriminador no meu verde nariz.

Interessante essa ideia sobre como o excesso de leitura pode prejudicar a nossa f. E olha que segundo uma pesquisa feita no Reino Unido, muitos mentem sobre o que leem para impressionar as pessoas. E outros ainda ocultam o que leem de verdade, temendo ficar negativamente associados a alguns autores ou a certo tipo de literatura. Bizarro, no?

Seria comum encontrar essa associao entre o muito estudar e a falta de f? Unamuno nos conta desse quadro em um seminrio da Companhia de Jesus, em que Satans, enquanto era pisado pelo arcanjo Miguel, tinha em suas mos um microscpio! No que diz respeito aos chefes daquele estabelecimento, investigar demasiadamente a natureza e o significado das coisas era assunto diablico¹. Ah, ento coisa antiga esse negcio de achar que estudar, ler e investigar so tarefas diablicas!

Para mim, o maior perigo outro. o de eu achar-me sbio, crendo que no preciso ouvir o outro e suas percepes muitas vezes distintas das minhas. Por isso, ainda acredito que fiz bem em dedicar meu tempo quela conversa pastoral com a jovem estudante em dificuldades. O dia em que eu imaginar que minhas leituras e meu suposto saber me bastam e presumir ser autossuficiente em minha jornada, ento haverei trocado de bando e terei que conseguir uma fantasia de vilo para a seguinte festa.

Falando em festa, lhes conto que voltei a tempo para participar do concurso de fantasias. Claro que perdi. Quem sabe vou de arcanjo na prxima. Ser melhor, e mais seguro, do que ir com um microscpio nas mos.


Nota:
1. A histria sobre Unamuno e a citao so de Juan A. Mackay, em El Otro Cristo Espaol, Ediciones La Aurora, p. 127.


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