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16 de abril de 2020
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Precisamos falar sobre racismo z1h
Por Alexandre Brasil |Resenha
"Sem a confisso do pecado do racismo, da supremacia branca, do privilgio branco, as pessoas brancas que se autodenominam crists nunca sero livres."
Jim Wallis, fundador do Sojourners

Mais recentemente o socilogo peruano Anibal Quijano que trouxe importantes aportes ao defender o par conceitual modernidade/colonialidade como central para se compreender a Amrica Latina, olhando especialmente para a opresso racial nos processos ocorridos no continente nos ltimos sculos.
A importncia desta temtica explicitada de forma bastante vel no primeiro volume da trilogia que o jornalista e escritor Laurentino Gomes est desenvolvendo sobre a escravido. O primeiro livro leva o ttulo Escravido - Do primeiro leilo de cativos em Portugal at a morte de Zumbi dos Palmares (Globo Livros) e foi publicado em 2019. Neste texto comento alguns tpicos que me vieram mente a partir da leitura do livro.
No relato bblico, a primeira histria aps a separao do ser humano de Deus de um fratricdio. Por motivo banal, uma pessoa mata o seu prprio irmo. A histria humana marcada por conflitos, agresses, guerras e invases. Neste processo, a compra e a venda de seres humanos era visto como algo natural at, pelo menos, o sculo 18. A humanidade poderia ser lida atravs da lente pela qual as pessoas se dividiam entre aquelas, ou seus ancestrais, que foram escravizadas e aquelas, ou seus ancestrais, que foram donas de escravos.
O grande impacto da escravido se d, obviamente, no continente africano. Durante dezenas de anos, cerca de 24 milhes de pessoas foram escravizadas e removidas de suas terras, afastadas de suas famlias. Calcula-se que dois teros eram homens. A estimativa de que 60%, cerca de 15 milhes, tenham morrido sem chegar ao novo continente. Esse nmero prximo ao total da populao brasileira no incio do sculo 20. O impacto disso para a atual pobreza e misria africana nunca ser devidamente dimensionado.
na Amrica, do Norte e do Sul, que a escravido ganha contornos mais especficos e consequncias mais profundas. Se, at ento, a escravido se relacionava a um processo de subordinao e negao de direitos, no novo continente a a representar um importante componente econmico. Os escravos am a atuar menos nas atividades domsticas e assumem papel central no sistema. Representam uma engrenagem fundamental para a produo de riqueza por meio de trabalho intensivo, seja nas grandes plantaes ou na minerao, desempenhando posio similar s linhas de produo que caracterizariam as fbricas da Revoluo Industrial que seriam formadas a partir do sculo 18.
O comrcio de escravos criou mercado, estabeleceu profisses especializadas como a de marcador de negros e definiu uma estrutura legal e burocrtica estatal. O livro de Gomes tambm revela uma faceta dessa era pr-capitalista. Por trs ou quatro meses de um trabalho que envolvia pegar pessoas escravizadas na frica e lev-las s Amricas, at se conseguir a sua venda, as remuneraes das diferentes posies eram profundamente desiguais. Um capito negreiro recebia entre 500 e 750 mil reais por viagem, em valores atualizados, enquanto um marinheiro comum recebia algo em torno de 4 mil reais.
Outra diferena, ainda mais cruel, existente na escravido no continente americano foi a sua associao cor de pele. Foi aqui que se estabeleceu a interpretao de que negros e negras seriam inferiores e que se naturalizou a explorao do trabalho cativo africano. Vrios foram os que entenderam que no caberia o mesmo aos indgenas, que estes teriam alma, sendo que parece que houve boa parte de concordncia de que em relao aos negros seria diferente e que era totalmente adequada a sua escravido. Seriam os negros naturalmente idlatras, consequentemente descartveis e, provavelmente, somente por meio da servido poderiam encontrar alguma salvao.
A religio crist desempenhou papel central ao corroborar esta interpretao, inclusive com espao para interpretaes bblicas errneas relacionadas maldio de Cam. Interpretao que incrivelmente ainda compartilhada por alguns hoje. Isso se explica muito mais pela naturalizao do racismo, por uma ideologia que se impregnou em nossa sociedade e que ainda hoje considera razovel ver meninos e meninas desamparadas nas ruas como algo natural, se a cor destes for preta. Se compadecem com brancos que so presos por trfico ou atos de violncia e que aparecem como jovens nos jornais, enquanto negros em situao similar no merecem o mesmo tratamento e so classificados como delinquentes, traficantes ou congneres. Parecem no se incomodar com as imagens dos corpos negros que engrossam as estatsticas de mortes e extermnios de forma cotidiana nas grandes cidades brasileiras.
No ado, foi o discurso religioso que deu o amlgama necessrio para estabelecer a narrativa que movimentou as cruzadas e a explorao de territrios, recursos naturais e humanos. Foi esse discurso que justificou diversos atos de violncia, estupros e assassinatos, foi ele que deu, como afirma Gomes, um verniz missionrio a empreendimentos cuja verdadeira motivao era militar, mercantil e econmica.
No muito depois, foi o mesmo discurso religioso que deu as bases para o desenvolvimento de outras iniciativas racistas pelo mundo afora. Seja no sul dos Estados Unidos, nos diferentes movimentos que deram conformidade Ku Klux Kan, como, por exemplo, com o pregador evanglico William Joseph Simmons, liderana do segundo movimento iniciado em 1915, que se apresentava como clrigo, afirmando que se orgulhava por isso. Tambm cabe lembrar do doutor em divindade e pastor da Igreja Reformada, Daniel Franois Malan, que, como primeiro ministro da frica do Sul, foi o responsvel, em 1948, pela implementao do apartheid, regime que assumia a segregao racial e afirmava que negros e mestios eram inferiores aos brancos.
Os exemplos do papel desempenhado pela religio para matar, destruir, segregar e eliminar so abundantes, hoje e no ado. Geralmente, ao lado do discurso de dio e do racismo h fortes interesses e elementos econmicos envolvidos. Como exaustivamente demostrado no livro de Laurentino Gomes, com dados e informaes, a atividade econmica mais importante da expanso portuguesa no mundo foi outra: o comrcio de gente. preciso muita ateno para que um discurso de dio e de negao do outro no seja aceito ou acolhido, que no tenhamos novamente projetos como o que o historiador Ronaldo Vainfas denominou de moral crist da escravido ou de projeto escravista dos religiosos. preciso estar atento. preciso aprender da histria.
As desigualdades de o a bens e direitos so gritantes; a ausncia de negros e negras nas propagandas, nas mdias, nas universidades, ou, mais ainda, como professores ou pesquisadores de ponta recorrente. Esse racismo tambm est presente nas grandes denominaes e entre palestrantes e conferencistas de eventos evanglicos em grandes hotis ou realizados em igrejas voltadas para as classes mdias. Nestes espaos privilegiados, praticamente se mantm a mxima de que negro no entra na Igreja, espia do lado de fora, ttulo do livro de Jos Carlos Barbosa sobre protestantismo e escravido no Brasil Imprio.
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Se a escravido foi uma chaga que maculou nossa histria e constituio enquanto nao, hoje a desigualdade social o novo cncer, nas palavras do historiador Jos Murilo de Carvalho, que impede e limita a nossa constituio enquanto sociedade democrtica. impossvel compreender uma sem considerar a outra. Esto umbilicalmente ligadas. obrigatrio conhecer a nossa histria e atuar de forma intencional para que certas coisas fiquem definitivamente no ado.
Alexandre Brasil Fonseca socilogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
>> Conhea tambm o livro A Religio Mais Negra do Brasil, de Marco Davi de Oliveira
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