Polarizao: os opostos se repelem 1n575g

A atual polarizao do pensamento tem causado divises em vrios grupos como famlias, igrejas e comunidades digitais. Vamos apresentar duas tentativas de explicao para essa condio. Keller e Lewis explicam como construmos nossos conceitos e posicionamentos e talvez nos ajudem na busca de alguma mudana.

Timothy Keller explica a polarizao da sociedade como resultado das idolatrias atuais. A modernidade, ao remover Deus do centro da vida, precisou colocar substitutos, que ele chama de dolos. Dinheiro, cincia e romance so os principais candidatos, mas ele aponta causas ideolgicas e at mesmo a poltica como aspirantes favoritos nas ltimas dcadas . Uma vez abandonada a cosmoviso bblica, o problema principal do mundo algo alm do pecado, por exemplo, a desigualdade social; e o remdio, algo alm de Deus. Ele conclui que Isso demoniza algo que no completamente mau , como a ideia poltica diferente da escolha pessoal. Como um dolo no pode garantir o bem-estar da sociedade, problemas de difcil soluo geram medo, e at desesperana e pnico.

Keller acredita que ao colocar a esperana nos lderes e ideologias, lugar antes reservado para Deus, as expresses polticas tendem ao extremismo amargo e polarizado. Eles acreditam que, se suas polticas e pessoas no estiverem no poder, tudo desmoronar. Eles se recusam a itir quanto em comum eles tm com o outro lado e... focam nos pontos de discrdia obscurecendo tudo o mais, e um ambiente venenoso criado. As falhas do outro lado, ao invs de serem vistas como erros, so classificadas como malignas e seus lderes como personificao do mal, anticristos. Os dois lados reagem da mesma maneira e a sociedade vive em constantes ciclos de esperanas exageradas e desiluso cada vez que o poder se reveza.

Quando uma ideologia se torna um dolo e colocamos neste a esperana pessoal e social, o tornamos o alicerce da identidade e segurana. As pessoas que pensam diferente so percebidas, na maioria das vezes inconscientemente, no apenas como discordantes, mas como uma ameaa prpria existncia, e podem ser tratadas com desprezo, dio e at violncia. Esta atitude tende a danificar as relaes dos grupos quando seus membros optam por lados diferentes.

Outra causa para a polarizao na sociedade, apontada por C.S. Lewis, est nos erros no processo para definirmos o que o bem e o que o mal, ou seja, o julgamento sobre a natureza do que certo e do que errado. As pessoas podem se equivocar sobre o que certo ou errado, e com certeza a maioria o faz em algum grau. Ele cita quatro fatores que influenciam nosso raciocnio neste processo: as experincias, os fatos, as autoridades e a intuio. Para ele, mais de noventa por cento dos nossos conceitos so fortemente influenciados por autoridades, como pais, professores, cientistas e religio. Algumas delas podem nos transmitir uma informao errada, mas, normalmente, ao percebermos o erro, atravs de argumentos ou fatos novos, ou por outra autoridade mais especializada, no temos tanta dificuldade em corrigi-lo.

J a intuio composta pelas preferncias bsicas da volio, tidas como corretas. Por exemplo, preferimos o amor ao invs do dio, e a felicidade ao invs da misria. Os erros da intuio so bem mais difceis de serem corrigidos devido a uma persistente recusa, movida por alguma paixo, em considerar qualquer outra opo. Nenhum argumento conseguir mudar uma intuio; por natureza ela no aceita qualquer contestao. A intuio que alicera um conceito pode ser corrompida por paixes, principalmente nas discusses acerca do bem e do mal.

Outro problema quanto intuio que, s vezes, o que as pessoas pensam ser uma intuio bsica, na verdade uma concluso errada sobre ela. Ele cita o exemplo da pessoa que pensa ser errado o uso de qualquer bebida alcolica. Neste caso, a intuio bsica que a sade e a harmonia so boas e desejveis, mas pelo fato da embriaguez produzir doenas e desentendimentos, a pessoa conclui que o que pode ser abusado melhor no ser usado, e que a abstinncia total nica opo correta. Para alguns, a concluso edificada para proteger uma intuio, ou uma verdade recebida de uma autoridade, pode se tornar mais importante do que a prpria intuio. o caso dos fariseus que construram tantas tradies no intuito de no quebrarem os mandamentos de Deus, que o prprio Jesus condena dizendo: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa prpria tradio (Mc. 7.9). O fato das pessoas no estarem abertas para reavaliarem suas intuies, s vezes erradas, e serem intransigentes sobre as mesmas, acaba ativando a lei de que um erro gera outro erro oposto e, ao contrrio de se neutralizarem, eles se agravam mutualmente gerando uma polarizao crescente.

A idolatria social e o fato da Palavra ter deixado de ser a autoridade mxima na construo da conscincia social so causas da polarizao atual e muitos cristos no percebem que seus comportamentos tm sido influenciados por elas. Em fidelidade a uma causa ou a uma ideologia poltica, alguns tm infringido, explicitamente, princpios bblicos como amor, graa e perdo. O resultado tem sido famlias e comunidades divididas, marcadas por palavras de intolerncia, desamor e o entristecimento do Esprito Santo (Ef.4.30-5.2). Precisamos de arrependimento e, na dependncia do Esprito, buscar sabedoria no exerccio das nossas responsabilidades no processo democrtico de construo e transformao social, mantendo uma cosmoviso bblica e obedecendo Palavra como autoridade mxima em questes de f e prtica. Antes, sede uns para com os outros benignos, comivos, perdoando-vos uns aos outros, como tambm Deus, em Cristo, vos perdoou (Ef.4.32).


Notas