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29 de junho de 2016
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O Salmo 90 e a fugacidade da vida 5yq2h

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Seria infantilidade nossa querer istrar a esperana sem coragem e dedicao, pois, alm do fatalismo presente em todas as correntes do pensamento moderno, ainda encontramos o ceticismo que constataremos em Graciliano Ramos, por exemplo. Os seres do seu mundo literrio so em geral desgraados, criaturas na contramo do destino, humilhados e destroados. No encontram sentido para a vida, no se associam nem se solidarizam em movimentos de ascenso espiritual.
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A desgraa da m conscincia predomina e revela os perigos de relaes sociais reduzidas to somente coisificao e lixo do ser humano, na sociedade opulenta, sem compaixo, dos dias atuais. Oculta o desespero ntimo por trs da apatia quanto ao destino do ser humano. Depois de usadas, as pessoas so jogadas fora ou perecem sem descobrir o sentido de suas existncias, nessa sociedade. Este o verdadeiro inferno existencial que os ltimos dois sculos impam. Mais recentemente, o espao virtual se encarrega de golpear mais fundo a mesma questo. Nas redes sociais, a negao de sentidos para a vida parece ser uma constante.
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De outro modo, a falta de definio e especificidade no mundo remete ao enigma, escurido e ao mistrio no qual todos podem encontrar lugar, por mais triste, depressivo, desconfortvel, que possa parecer. No o consumismo superficial, irresponsvel, nem o sucesso pessoal ou empresarial, nem a internet, que preenchem o sentido de nossas existncias ou que identificam pessoas vitoriosas. H um sentido oculto, na vida humana, mesmo que itamos viver num mundo egosta e sem misericrdia.
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O Salmo 90 descreve a imagem da fugacidade humana. A vida a depressa. Num abrir e fechar dos olhos a vida se evapora como uma imagem no capturada num timo. Como fotografias que no conseguem reter o tempo em sua sucesso contnua. Na semeadura da vida (v.5-6), compara-se o homem erva do campo. Toda carne como o capim... (Isaas 40.6). Uma vez semeado, o capim cresce depressa, e mais rapidamente desaparece.
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Imagem da fugacidade da vida humana, na Palestina, como em tantos lugares do planeta, h ervas que nascem, crescem e morrem em poucos dias. Pensemos tambm no serto nordestino, na seca descrita por Luiz Gonzaga: Quando olhei a terra ardendo /Qual fogueira de So Joo /Eu perguntei a Deus do cu, ai /Por que tamanha judiao /[...] Que braseiro, que fornalha /Nem um p de plantao (sobrevive) /Por falta d'gua perdi meu gado, morreu de sede meu alazo...
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No segundo momento (v.7-11), entram dois temas novos: os pecados do homem e a ira de Deus. Do incio (v.7a) ao fim (v.11a) fala-se da ira de Deus pela falta de compaixo, de solidariedade entre os homens. A morte vista, no como consequncia do viver, mas como resultado dos erros; resultado da punio divina. Os pecados da humanidade esto diante de Deus. Aquilo que mais escondemos, por causa da misria humana, sob o egosmo e individualismo, j no mais segredo, relevado totalmente, despido diante de Deus (v.8). Escancaram-se a fome, o desamparo dos mais pobres, a injustia e a desigualdade, maus-tratos e abusos da mulher e da criana, a violncia domstica, o dio racial ou social, a xenofobia, a homofobia, a insensibilidade quanto aos excludos e marginalizados.
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O que resta da atitude de exaltar a si prprio por causa da longevidade e da produtividade humana? O homem gostaria de ser recompensado, desfrutando sua vida, mesmo no breve dia-a-dia, compensando sua pequenez com o pagamento em alegrias dirias, consumindo a felicidade, mesmo que artificial e ageira. H uma expressiva multido de especialistas para atend-lo em felicidade religiosa, felicidade sexual, felicidade amorosa e felicidade qumica que, em coro, propagam e reforam o mito da salvao individual.
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A vida ageira. A vida vegetal transporta o rizoma, que reproduz as mesmas caractersticas em cada fruto, depois de morto. No assim no homem, uma vez na terra, qual retorna ao fim de seus dias. Envolvido pelo pessimismo existencial (Jean Paul Sartre escreveu nas 700 pginas do livro Letre et le nant que o homem vem do nada, um "absurdo" que retorna ao nada), o homem se desfaz e vira p. A felicidade da longevidade, a vida que se estende pelos prados e campinas irrigadas pelas correntes das guas, contraditada pela morte inevitvel. S a morte contempornea do prprio cosmos. Estrelas morrem, o sol morrer em 6,5 bilhes de anos. O que fazer, ento?
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No ar dos anos o homem amadurece, e com o tempo o cultivo e crescimento da sensatez. O restante sobre a vida um segredo ou um mistrio pertence a Deus. Ento, modestamente, com humildade, resta pedir o equilbrio na balana precria da existncia humana. Em outras palavras, devemos aceitar o fato de que a vida humana frgil e ageira. Temendo a Deus, a eternidade do bem e da misericrdia a a ser compreensvel. Fazendo isso, adquirimos a sabedoria solicitada em orao. Ou seja, compreendemos o sentido da vida. Depois, voltando para Deus, pedindo compaixo (v.13), reconhecendo que todas as coisas saram dele (v.2), poderemos ar a ideia da finitude de todos os seres. Inclusive de ns mesmos.
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Qual o contedo da splica? O que o orante pede a Deus? Basicamente algumas coisas. A primeira um corao sensato (v.12). O orante parece aceitar resignadamente o tempo de vida que lhe cabe, sem iluses como as que se instilam nos dias atuais para doentes terminais, qualidade de vida... Mas o que pode esperar um ancio de 95 anos com cncer, quando pede a seus filhos e netos que autorizem o desligamento dos aparelhos que o mantm artificialmente vivo? (Rubem Alves). Sensatez, acima de tudo, o que pede a Deus. Os bens que compensam as desgraas na vida so os valores ancestrais que am de gerao em gerao, como ensina o Eclesiastes.
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Ser que Deus no ter compaixo daqueles que ele gerou e ps no mundo? A tarefa confiada ao homem semelhante ao compromisso pblico de um governante. Um homem ser julgado pelo que tiver feito. Especialmente se ele viveu na presena e companhia de Deus. A fraqueza aparente de Deus pode ser a verdadeira fora que redime e resgata o universo. Sim, os sofrimentos advindos do testemunho desesperador das realidades humanas, de fato, induzem a desacreditar da misericrdia, da Graa, do cuidado de Deus. A fascinao pelo abandono aos sofrimentos, s desgraas que envolvem a vida humana, dilaceram qualquer homem ou mulher que cr ou no cr -- embora parea que o crente deva sofrer mais. Porque este, que no aptico, cnico ou fatalista, espera em Deus pela salvao.
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Ento, a esperana ocupa o mundo interior da alma. A alegria de ver o avano da justia, da igualdade nos direitos fundamentais, tambm a alegria de esperar contra todo desespero, desnimo, apatia, como fez Abrao. Enquanto isso, amar, ter compaixo, usufruir da Graa, representam a alegria livre, para que todos reconheam a mensagem principal da f: a vida humana tem sentido e finalidade. Um cristo, como qualquer outro crente, se reportar companhia de Jesus. Sua vida se pautar na ressurreio, todos os dias, testemunhando-a nos quatro pontos cardeais. Assim, a vida fecunda, as obras da f o acompanharo pela eternidade (Apocalipse 14.13: Felizes os que dormem no Senhor, seus feitos os acompanharo pela eternidade).
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O ser humano experimenta a finitude como todos os seres da natureza, existe para morrer, no importa se crente ou no crente. Quando nasce j est comeando sua trajetria para morrer. A morte minha possibilidade mais pessoal, mais autntica, e mais absurda, ao mesmo tempo, teria dito Rudolf Bultmann sob grande inspirao. Porque todas as ressurreies so possveis no caminho da f, afirmando a eternidade da vida.
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Isso no uma crena para o que se nos reserva para alm da vida biolgica, ou fsica. No no fim da vida que vou experiment-la, porque a morte est presente em minha vida, em todo o tempo de minha existncia. Mas, sou chamado constantemente a contemplar o que Deus faz com a vida, anulando a morte, fazendo ressurgir a vida enquanto renova o homem: Vem Esprito, e renova toda a criao (Jacy Maraschim/Flvio Irala), e o crente, ento, pode orar: Senhor, inclua-me entre os ressurretos. Todos os dias.
Leia tambm
A morte da morte
Realismo e esperana
Quem tem um p no infinito pode aceitar sua finitude
pastor emrito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como Pedagogia da Ganncia" (2013) e "O Drago que Habita em Ns (2010).
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