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26 de junho de 2020
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Medo, prudncia e coragem em tempos de pandemia 49395b
Por Ricardo Barbosa de Sousa

Tive o privilgio de conhecer pessoalmente a Dra. Rettie. Fomos membros da mesma igreja enquanto morei em Anpolis. Antes de ler o livro j conhecia um pouco da sua histria, mas no ano ado me encontrei com o Dr. Joe e conversamos um pouco sobre seus pais e o trabalho missionrio deles aqui no Brasil. Ele ficou de me enviar uma cpia do livro de sua me: Sowing in Tears (Semeando em Lgrimas). Pouco tempo depois o livro me chegou s mos. Dei uma rpida olhada e o guardei para ler com calma. Providencialmente li neste perodo de pandemia e isolamento social.
Era uma noite comum, como tm sido estas semanas de isolamento, quando iniciei a leitura do livro da Dra. Rettie e me deparei com a sua experincia como mdica missionria na Ilha do Bananal entre os ndios Carajs. No consegui parar de ler. Sua histria foi como uma luz que brilhou em meio s incertezas e angstias que vivemos.
Dra. Rettie nasceu na Esccia. Formou-se aos 24 anos em medicina e, aos 27 anos, j possua sua prpria clnica, casa e carro. Se conquistar isso hoje j um prodgio, imagine na dcada de 20 do sculo ado. Aos 8 anos ela comentou com sua me que gostaria de ser missionria quando crescesse. Sua me ouviu atenciosamente o desejo da filha, guardou aquilo em orao, mas nunca a procurou influenciar.
Em 1929, com sua carreira profissional bem encaminhada, ela ouviu um sermo sobre o chamado de Abrao. Ela descreve que enquanto ouvia o pregador lendo o texto bblico, tremia dos ps cabea. Saiu da igreja com a certeza de que Deus havia falado com ela, como falou a Abrao para sair de sua terra e do meio de sua parentela. Mesmo sem saber para onde iria, como tambm foi com Abrao. Naquela noite, em seu quarto, foi tomada por uma intensa alegria e disse a Deus que estava ansiosa por obedecer, pronta para seguir, a qualquer custo.
Ela havia participado de algumas reunies da Unio Evanglica Sul Americana e ouviu falar da necessidade de mdicos na Ilha do Bananal, no Brasil. Ela orou e disse a Deus que estava pronta para ir para onde ele a enviasse, inclusive para as regies mais difceis, como a Ilha do Bananal. Ela descreve que naqueles dias viveu com seus olhos voltados para a glria alm e nada parecia impossvel.
Depois de se desfazer de sua clnica e seus pertences, em 1930, ela chega no porto de Santos. De l seguiu para So Paulo, depois para Catalo, Gois Velho (capital de Gois poca), Leopoldina (hoje Aruan) e, de l, duas semanas de barco at a Ilha do Bananal. J trabalhavam na Ilha como missionrios um casal e Josiah Wilding (com quem ela se casaria poucos anos depois). Dra. Rettie, quela altura, era uma jovem de 31 anos, que abrira mo de uma carreira promissora de mdica na Esccia, e agora se encontra feliz e grata numa ilha distante, cuidando da sade e da evangelizao de indgenas e moradores das vilas prximas. ava o dia tratando de doenas, como: malria muito comum naquela regio, catarata, catapora, picadas de cobra e todo tipo de enfermidade comum para uma regio remota, sem mdicos ou hospitais.
Junto com seus colegas, construiu um pequeno hospital, uma escola para as crianas e uma igreja e, quando comearam a aparecer os portadores de hansenase (lepra como era conhecida na poca), edificou um leprosrio. Durante o dia o trabalho mdico era intenso. As noites e os domingos eram dedicados evangelizao e instruo dos convertidos.
As dificuldades que a Dra. Rettie enfrentou foram imensas e inimaginveis para qualquer um de ns. Qualquer deslocamento era longo e desconfortvel. Os perigos enfrentados numa regio remota eram constantes, a falta de material para o trabalho mdico era enorme, os recursos escassos e o nmero de pessoas para cuidar da evangelizao, educao, e outras atividades era pequeno. Buscar material para o atendimento mdico era tarefa que levava semanas de viagem a barco em meio a todos os perigos que se corria.
No entanto, o que nos chama a ateno no seu relato que, ao lado do trabalho exaustivo e cheio de perigos que a ocupava dia e noite, havia a sua alegria de servir quele povo, falar da salvao em Cristo e ver homens, mulheres e crianas sendo convertidos e batizados. Sua paixo pelo evangelho de Cristo, pelos indgenas de vrios grupos da regio e toda a populao que vivia nas vilas, como tambm sua alegria em os servir simplesmente impressionante.
Em novembro de 1932 ela e o missionrio Josiah Wilding se casam em Anpolis. Logo aps a cerimnia de casamento, no mesmo dia, retornam para a Ilha do Bananal, felizes e cheios de esperana. No final de janeiro do ano seguinte, seu marido diagnosticado com malria e no dia 3 de fevereiro ele falece. Ficaram casados apenas por um pouco mais de dois meses. Ela se sentiu completamente desolada. ados alguns meses, ela volta para a Esccia onde d luz ao seu nico filho que recebe o nome de seu pai. Quando o pequeno Joe est com apenas 8 meses, eles voltam para a Ilha do Bananal para dar continuidade ao trabalho.
No difcil imaginar o sofrimento e as dificuldades que a Dra. Rettie enfrentou. Solido, angstia e temores fizeram parte de sua vida, porm, nada disso diminuiu o amor, dedicao e coragem com que realizava o seu trabalho. A histria dela inspira e contrasta com a de muitos cristos nos dias de hoje, porque a segurana dela e disposio frente aos desafios e perigos que enfrentou, depara-se com o sentimento de medo e paralizao que afeta muitos de ns nestes tempos de pandemia.
O vcio que encobre a virtude
A fronteira que separa o medo da prudncia, e da prudncia com a coragem muito tnue. Gregrio Magno (540-604), em sua clssica obra O Cuidado Pastoral, alerta os novos pastores dizendo-lhes que frequentemente os vcios assumem a aparncia de virtudes. A avareza se apresenta com o nome de parcimnia; a indulgncia com o nome de bondade; ira com o nome de zelo e a precipitao com a prontido. As virtudes, muitas vezes, escondem vcios. Para ele, os pastores no deveriam ficar impressionados com as virtudes que as pessoas demonstravam, mas com os vcios que estas virtudes escondiam.
A prudncia uma virtude que pode, muitas vezes, esconder um vcio: o medo. Imagino que quando a Dra. Rettie compartilhou com familiares e amigos a deciso de dedicar sua vida como mdica missionria na Ilha do Bananal, ouviu conselhos para no fazer isto. Afinal, era uma mulher jovem, solteira, mdica, com casa, carro e clnica, e poderia servir a Deus sem precisar deixar seu pas, famlia, para se aventurar num mundo desconhecido e perigoso. No seria prudente. possvel que alguns destes conselhos tenham partido de pessoas prudentes, porm, tambm possvel que os mesmos conselhos tivessem sua origem no medo. A virtude pode mascarar o vcio.
Foi seu advogado quem a encorajou. Quando o procurou para conversar sobre o que fazer com seus bens, ela compartilhou com ele seu chamado e, depois de ouvi-la calmamente, ele lhe disse: se voc cr que foi Deus quem a chamou, ento obedea. Era um advogado cristo. Ao invs de se deixar influenciar pelo medo, ele a ouviu atentamente e, sabiamente, estabeleceu o princpio para orient-la: se foi Deus quem a chamou. A presena de Deus dissipa os obstculos levantados pelo medo.
iramos e aplaudimos a coragem dos profissionais que atuam na linha de frente durante a pandemia. Muitos fazem isto por altrusmo e compromisso com sua vocao e o servio sacrificial. Sabemos que outros o fazem apenas por dever ou para preservao do emprego. De qualquer forma, somos gratos a eles. Muitos que ficam isolados em casa, se sentem desconfortveis sabendo que existem aqueles que esto correndo riscos para garantir sua segurana. Outros, contudo, permanecem isolados apenas pelo medo de contrarem o vrus. Ainda que Deus os chamasse para deixarem a segurana de sua fortaleza domstica para cuidar dos enfermos e necessitados, provvel que, em nome da prudncia, no obedecessem.
A Dra. Rettie um exemplo de coragem e dedicao que iramos, mas no o desejamos nem para ns, e muito menos para os nossos filhos. A fronteira que separa o medo da prudncia e a prudncia da coragem, como disse, tnue. Fico imaginando a Dra. Rettie retornando para a Ilha do Bananal com um beb de 8 meses, com o risco da malria que j havia levado seu querido esposo, onde tambm uma epidemia de catapora provocou a morte de crianas, alm dos outros perigos de uma regio inspita na dcada de 30 do sculo ado. Seria ela uma mulher imprudente? No. Estaria colocando a sua vida e a do seu filho em risco? Sim.
Lutero e a peste do seu tempo
Em 1527, uma peste atingiu a cidade de Wittenberg onde o reformador Martinho Lutero vivia e ensinava. O prncipe-eleitor da Saxnia mandou encerrar as atividades da Universidade onde Lutero ensinava e ordenou que ele deixasse a cidade, mas ele se recusou a sair. Lutero transformou sua casa, um antigo mosteiro agostiniano, num hospital onde acolheu outros pastores da cidade, bem como os enfermos para onde eram trazidos e tratados, e muitos se recuperaram. Sua esposa Catarina estava no ltimo ms de gravidez e seu primognito se encontrava enfermo. Imprudncia ou coragem"> e posteriormente disponibilizado para publicao no Portal Ultimato.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristo de Estudos, em Braslia (DF). colunista da revista Ultimato e autor de A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja,Pensamentos Transformados, Emoes Redimidas eO Caminho do Corao.
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