Ideias para um manifestante cristo 52426s

Primeiro, o bvio. Os brasileiros no so mundialmente conhecidos por sua capacidade de sair s ruas e protestar. Os fatos recentes contrariam essa percepo. Ser que, ainda que tarde, realmente nos despertamos para um exerccio consciente e saudvel de cidadania? Tambm para os cristos, natural que se levantem perguntas em seu meio sobre o que diz sua f sobre o tema, se legtimo ou no, e, em especial, como deve ser a atitude diante de autoridades constitudas.

No ms ado escrevi um artigo exatamente sobre isso, buscando refletir na relao de Paulo com as autoridades de sua poca. Um leitor entendeu que eu defendia o poder das autoridades. Curioso, j que o objetivo havia sido o de relativizar a obedincia cega s mesmas, apontando para uma autoridade maior, divina, e para a sua justia. Esse deveria ser o contexto onde aspiramos, intercedemos e fazemos o que est ao nosso alcance para que essa justia mais perfeita esteja disponvel a todos. Ento aqui volto ao tema, sugerindo alguns breves princpios, ideias, para o discpulo de Jesus que deseja sair s ruas ou engajar-se em qualquer outro tipo de cidadania responsvel.

Ideia 1: legtimo manifestar-se
Os cristos no s podem como devem ser cidados conscientes que fazem ouvir sua voz na sociedade. s ler com calma esses dois textos clssicos (Rm 13.1-7 e 1 Pe 2.13-17) para observar que a honra, o respeito a todos, a prtica do bem e da justia, so a moldura para o tema da submisso s autoridades. Ou seja, como um manual de desobedincia civil, justamente ao dar as pautas mais importantes que devem sempre ser buscadas, o bem e a justia. A intercesso e a honra s autoridades se do nesse contexto de buscar lev-las a que cumpram bem o seu papel.

Ideia 2: Busque o direito do outro antes que seu prprio direito
Algo interessante parece acontecer agora quando, por exemplo, quem no usa o transporte pblico tambm protesta pelo preo alto dessas tarifas. Se for assim, e se permanecer essa tendncia, um bom sinal. Na verdade, isso deveria ser uma regra para os cristos. Saio para protestar e demandar - ou ao menos deveria faz-lo - sempre buscando em primeiro lugar o direito e o bem do outro, e no priorizando o meu direito particular; em especial, os menos favorecidos e os sem voz (Pv 31.8-9), aqueles que sofrem injustamente, os excludos. primeiramente em nome destes que devo levantar minha voz. Devo proteger e preservar a vida daqueles que, por diferentes razes, esto limitados ou cerceados para faz-lo.

Ideia 3: No confie demasiado no poder das massas
Ainda que o despertar da cidadania seja lindo, a adrenalina da multido algo impressionante e o envolver-se neste movimento to amplo seja algo nico e emocionante, peo licena para fazer algumas ressalvas. Os esperanosos que me perdoem, mas permaneo um pouco ctico, expectante, com o tal despertar do gigante. Talvez seja a distncia. Vivo fora do Brasil h quase 7 anos.

Quando os protestos se expandiram, eu estava sobrevoando o Brasil de volta ao Uruguai, depois de uma visita Venezuela. possvel que na Venezuela eu tenha aprendido a ser ainda mais ctico sobre o poder de uma mentalidade de massas, seja direita ou esquerda. Parece que quando me identifico com um bando, com uma massa, resulta que aparentemente meu juzo autocrtico e minha capacidade de discernimento diminuem. Defendo tanto minhas bandeiras que parece que no escuto argumentos que possam vir do outro lado. como se os outros fossem inimigos, a quem preciso derrotar. Quem so os outros? As generalizaes costumam acompanhar os movimentos de massas. Foi no nosso vizinho ao norte, lendo um livro para entender melhor o fenmeno de Chvez, que li essa citao: Para entender uma revoluo e seus participantes, h que observ-los de perto. Para julg-los, h que v-los distncia. Possivelmente se refira distncia do tempo, aquela que nos permite julgar melhor a que veio determinado movimento social. De quem a citao? Simn Bolvar, o libertador referncia para o comandante. Uma doce ironia, no? O prprio Bolvar diria que para julgar a que Chvez veio haver que esperar um bom tempo. Uma palavra sbia tanto para seus partidrios como para seus crticos.

Ideia 4: A cidadania um exerccio contnuo
Ser que os apstolos ou o prprio Cristo pensavam que bastaria mudar um Csar por outro ou um imprio por um novo para que a justia de Deus se cumprisse na terra? Ao que parece, essas no eram suas agendas ou expectativas. Nada contra quem milita em algum partido poltico ou em quem confia em algum novo projeto poltico para a sociedade. Que continuem a trabalhar bem com a referncia do bem, da correo e da justia para todos. Mas a tarefa principal, a meu ver, no se dar em dias de empolgantes e dramticas sadas s ruas. Ser algo mais entediante, difcil, tortuoso, no rduo caminho do compromisso e da participao em todos os nveis de uma sociedade organizada. Tampouco seja o caso de somente buscar votar melhor da prxima vez. De nada adianta esse ou aquele no poder, se o gigante desperto continua dormindo na maior parte do tempo, quando o que a na tela da tev exerce menos fascnio e seduo. Quando se requer dilogo, longas negociaes, criatividade, meter a mo na massa, suj-la em servio digno aos demais, talvez nessas horas no tenhamos uma multido to vida. Ou talvez sim, o tempo dir. Como cristos, espero que estejamos na frente da fila desse trabalho penoso de um exerccio contnuo da cidadania.


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