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09 de maro de 2017
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Eu aborto, tu abortas, ns abortamos: Destas e direito da mulher 604x6t
Por Isabela os
No desmo no h crena em Deus como pregam as principais religies. No se acredita que as religies possam estar certas quanto a se dizerem conhecedoras da Palavra de Deus ou da maneira como ele quer que nos comportemos moralmente. Nele, deus visto como simples causa primeira e princpio subjacente racionalidade no universo. o deus da natureza um ente no-intervencionista , que permite que o universo funcione de acordo com suas leis naturais de modo auto-operante, autoexplicativo por meio da razo humana. David Hume aponta uma descrio de desmo que nos interessa na medida em que tambm indica o sutil processo de secularizao da cultura e dos cristos de sua poca:
Muitos testas, mesmo os mais entusiastas e sofisticados, tm negado a existncia de uma providncia particular e afirmado que o esprito Soberano, ou o primeiro princpio de todas as coisas, aps ter fixado as leis gerais que governam a natureza, deixou essas leis seguirem, sem interrupo, seu livre curso, sem modificar a cada instante, por atos particulares, a ordem estabelecida dos acontecimentos1.
Em crtica a defesas de igual teor por parte dos novos adeptos da religio natural, Kant elabora uma distino muito apropriada entre desmo e tesmo:
Como estamos acostumados a entender, pelo conceito de Deus, no apenas uma natureza eterna, atuando cegamente, como raiz das coisas, mas um Ser supremo, que deve ser o criador das coisas pela inteligncia e a liberdade, e s este conceito nos interessa, poderamos em rigor negar ao desta toda a crena em Deus e deixar-lhe apenas a afirmao de um ser originrio ou de uma causa suprema. No entanto, como ningum deve ser acusado de pretender negar inteiramente alguma coisa, s por no se atrever a afirm-la, mais justo e indulgente dizer que o desta cr num Deus, ao o que o testa cr num Deus vivo (summa intelligentia)2.
Ou seja, o desmo uma religio de um deus no operante, no interventor. E porque no vivo nada tem a dizer sobre como a humanidade deve viver e encaminhar sua vida privada ou pblica. o deus do atesmo prtico na medida em que deixa a humanidade sujeita aos seus prprios modelos e solues. Como dizia Voltaire, Deus no se ocupa dos homens. E assim, o desta pensa e age.
Assim, por ocasio da consulta popular da proposta que regula a interrupo voluntria e irrestrita da gravidez dentro das doze primeiras semanas de gestao (SUG 15/2014), um fenmeno interessante surgiu num grupo de feminismo cristo dito protestante. Tratou-se de uma campanha para a promoo afirmativa desta proposta sobre os argumentos de que, mesmo que a crist no faa um aborto -- afinal, ningum a favor do aborto (ops!?) --, este um assunto que diz respeito escolha pessoal da mulher. Que nem mesmo uma crist teria o direito de censurar tal opo s mulheres, principalmente s pobres, que so as mais vulnerveis nessa situao. E mais, que o aborto questo de sade pblica, constituindo-se, assim, um problema de Estado. E que a no aprovao da lei no Brasil tem a ver com a empfia promovida pela bancada evanglica, que quer regular os corpos e as liberdades dos outros. E por a vai.
Outro grupo em prol do direito reprodutivo da mulher -- eufemismo para aborto -- o Catlicas pelo Direito de Decidir. No Brasil, a ONG nasceu em 1993 e, conforme se l em sua carta institucional, apoia-se na prtica e teoria feminista para promover mudanas sociais, especialmente nos padres culturais e religiosos. Seus objetivos so: (1) contribuir com a construo do discurso tico-teolgico feminista pelo direito de decidir que defenda a autonomia das mulheres, a diversidade sexual, a justia social e o direito a uma vida sem violncia; (2) conscientizar a sociedade de que a experincia humana da sexualidade e da reproduo de todos e todas deve ser reconhecida, respeitada e vivida de forma autnoma e livre; (3) promover o dilogo inter-religioso e uma cultura de respeito livre expresso religiosa; (4) defender os princpios democrticos de laicidade do Estado, particularmente a sua autonomia frente a grupos religiosos; (5) trabalhar pela aprovao e efetiva implementao de leis, polticas pblicas e servios necessrios plena cidadania das mulheres, jovens, LGBTs, negras e negros3. Defende tambm resgatar o magistrio catlico em seus itens que falam sobre o ser humano obedecer ao julgamento de sua conscincia. Por fim, defende ainda que o feminismo organizado no Brasil tem pauta e que esta pauta prioritariamente o aborto4.
No primeiro caso -- mas no somente nele --, muitas coisas poderiam ser ditas do emaranhado de argumentos que confundem o mais desatento. Mas chamam ateno as alegaes que enfatizam a escolha pessoal e a ideia de que as crists ou a religio nada tm a dizer sobre o assunto. Erro que resulta de no pensar as crenas religiosas como um saber, ou um saber dialgico ao debate pblico. Velha confuso sobre laicidade e sobre a diferena entre o fazer poltica como Nao e como Estado. Velha e deliberada ignorncia dos fundamentos cristos sob tudo que se tornou a civilizao ocidental, inclusive, por seu apreo liberdade.
No caso do grupo catlico, o debate mais claro ao sinalizar o alegado direito da mulher de decidir sobre uma gestao pelo deslocamento de valor do nascituro para a sua vontade e corpo. A autonomia da mulher o princpio a ser salvaguardado diante de uma gravidez indesejada. E a palavra autonomia aparece em trs dos quatro objetivos do Catlicas pelo Direito de Decidir, chamando ateno para o fato de tanto a sociedade quanto o Estado aparecerem em condio iva em seus objetivos. A primeira como aquela que dever ser conscientizada e o segundo como aquele que dever ser salvo de grupos religiosos. Pensamento tipicamente militante. Autoritrio por natureza e necessidade.
Mas aqui no se quer dizer que a mulher no deva gozar de autonomia, a qual no ilimitada. Nem que a coletividade deve prevalecer sobre os direitos individuais. Tampouco se esquece aqui do grande nmero de desservios promovidos por grupos religiosos na esfera poltica. Antes, o que se quer pontuar a retirada de um Deus interessado, vivo, do atual pensar e fazer poltica de alguns cristos. Suas categorias prticas seguem revelia de um Deus ocupado das coisas dos homens. E ocupado com valores que podem no ser aqueles entregues soberania e correo do indivduo e do Estado. Afinal, de modo geral, a Bblia parece apoiar a ideia de que o nascituro considerado uma pessoa para Deus (x 21.22-25; J 3.3; Jr 1.5; Is. 49.1; Sl 51.5; Sl 139.13-16; Lc 1.15; Lc 1.39-56, Gl 1.15), seja pelo argumento de prescincia da pessoa em formao ou pelo reconhecimento de pessoalidade pelo continuum de uma identidade pessoal que se entende da concepo idade adulta.
Ao descartar esse debate que considera razes teorreferenciadas, as crists absorvidas pela poltica de reduo de danos acabam por se tornarem simples as da queda admica como qualquer outra pessoa parte de um Deus interessado. Perdem, assim, a oportunidade mpar de revelar princpios que vo para alm do fenmeno urgente. Pois no era isso que o prprio Cristo fazia quando colocado prova por seus interlocutores? Afinal de contas, viver a providncia divina parece algo como estar em uma relao que conjuga o todo da realidade, ressignificando (outro nome para evangelismo) o mundo atravs da uma Verdade atemporal e, por isso mesmo, perene e contracultural.
Ento, lembremos que Deus se ocupa, sim, das coisas dos humanos. E que esse o entendimento que sempre marcar a diferena entre os cristos e os destas de cada poca. Mesmo que estes por alguma sutileza prpria do seu tempo se reivindiquem como cristos.
Notas
1. David Hume, Histria Natural da Religio.
2. Immanuel Kant, Crtica da Razo Pura.
3. http://www.catolicasonline.org.br/.
4. Feminismo (s) e religio (es): aproximaes, ambiguidades e contradies com Maria Jos Rosado, sociloga e professora da Puc-SP. Instituto FL de Cultura. 16/06/2016
Isabella os formada em filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e membro da Igreja Esperana.
Leia mais
>>Aborto: existe algum ponto, uma curva ou fronteira que marque a transformao do no humano para o humano?
>>A campanha da Globo e a legalizao do aborto
>>A humanidade da criana (no nascida) destruda
>>A Criana, a Igreja e a Misso [Dan Brewster]

Muitos testas, mesmo os mais entusiastas e sofisticados, tm negado a existncia de uma providncia particular e afirmado que o esprito Soberano, ou o primeiro princpio de todas as coisas, aps ter fixado as leis gerais que governam a natureza, deixou essas leis seguirem, sem interrupo, seu livre curso, sem modificar a cada instante, por atos particulares, a ordem estabelecida dos acontecimentos1.
Em crtica a defesas de igual teor por parte dos novos adeptos da religio natural, Kant elabora uma distino muito apropriada entre desmo e tesmo:
Como estamos acostumados a entender, pelo conceito de Deus, no apenas uma natureza eterna, atuando cegamente, como raiz das coisas, mas um Ser supremo, que deve ser o criador das coisas pela inteligncia e a liberdade, e s este conceito nos interessa, poderamos em rigor negar ao desta toda a crena em Deus e deixar-lhe apenas a afirmao de um ser originrio ou de uma causa suprema. No entanto, como ningum deve ser acusado de pretender negar inteiramente alguma coisa, s por no se atrever a afirm-la, mais justo e indulgente dizer que o desta cr num Deus, ao o que o testa cr num Deus vivo (summa intelligentia)2.
Ou seja, o desmo uma religio de um deus no operante, no interventor. E porque no vivo nada tem a dizer sobre como a humanidade deve viver e encaminhar sua vida privada ou pblica. o deus do atesmo prtico na medida em que deixa a humanidade sujeita aos seus prprios modelos e solues. Como dizia Voltaire, Deus no se ocupa dos homens. E assim, o desta pensa e age.
Assim, por ocasio da consulta popular da proposta que regula a interrupo voluntria e irrestrita da gravidez dentro das doze primeiras semanas de gestao (SUG 15/2014), um fenmeno interessante surgiu num grupo de feminismo cristo dito protestante. Tratou-se de uma campanha para a promoo afirmativa desta proposta sobre os argumentos de que, mesmo que a crist no faa um aborto -- afinal, ningum a favor do aborto (ops!?) --, este um assunto que diz respeito escolha pessoal da mulher. Que nem mesmo uma crist teria o direito de censurar tal opo s mulheres, principalmente s pobres, que so as mais vulnerveis nessa situao. E mais, que o aborto questo de sade pblica, constituindo-se, assim, um problema de Estado. E que a no aprovao da lei no Brasil tem a ver com a empfia promovida pela bancada evanglica, que quer regular os corpos e as liberdades dos outros. E por a vai.
Outro grupo em prol do direito reprodutivo da mulher -- eufemismo para aborto -- o Catlicas pelo Direito de Decidir. No Brasil, a ONG nasceu em 1993 e, conforme se l em sua carta institucional, apoia-se na prtica e teoria feminista para promover mudanas sociais, especialmente nos padres culturais e religiosos. Seus objetivos so: (1) contribuir com a construo do discurso tico-teolgico feminista pelo direito de decidir que defenda a autonomia das mulheres, a diversidade sexual, a justia social e o direito a uma vida sem violncia; (2) conscientizar a sociedade de que a experincia humana da sexualidade e da reproduo de todos e todas deve ser reconhecida, respeitada e vivida de forma autnoma e livre; (3) promover o dilogo inter-religioso e uma cultura de respeito livre expresso religiosa; (4) defender os princpios democrticos de laicidade do Estado, particularmente a sua autonomia frente a grupos religiosos; (5) trabalhar pela aprovao e efetiva implementao de leis, polticas pblicas e servios necessrios plena cidadania das mulheres, jovens, LGBTs, negras e negros3. Defende tambm resgatar o magistrio catlico em seus itens que falam sobre o ser humano obedecer ao julgamento de sua conscincia. Por fim, defende ainda que o feminismo organizado no Brasil tem pauta e que esta pauta prioritariamente o aborto4.
No primeiro caso -- mas no somente nele --, muitas coisas poderiam ser ditas do emaranhado de argumentos que confundem o mais desatento. Mas chamam ateno as alegaes que enfatizam a escolha pessoal e a ideia de que as crists ou a religio nada tm a dizer sobre o assunto. Erro que resulta de no pensar as crenas religiosas como um saber, ou um saber dialgico ao debate pblico. Velha confuso sobre laicidade e sobre a diferena entre o fazer poltica como Nao e como Estado. Velha e deliberada ignorncia dos fundamentos cristos sob tudo que se tornou a civilizao ocidental, inclusive, por seu apreo liberdade.
No caso do grupo catlico, o debate mais claro ao sinalizar o alegado direito da mulher de decidir sobre uma gestao pelo deslocamento de valor do nascituro para a sua vontade e corpo. A autonomia da mulher o princpio a ser salvaguardado diante de uma gravidez indesejada. E a palavra autonomia aparece em trs dos quatro objetivos do Catlicas pelo Direito de Decidir, chamando ateno para o fato de tanto a sociedade quanto o Estado aparecerem em condio iva em seus objetivos. A primeira como aquela que dever ser conscientizada e o segundo como aquele que dever ser salvo de grupos religiosos. Pensamento tipicamente militante. Autoritrio por natureza e necessidade.
Mas aqui no se quer dizer que a mulher no deva gozar de autonomia, a qual no ilimitada. Nem que a coletividade deve prevalecer sobre os direitos individuais. Tampouco se esquece aqui do grande nmero de desservios promovidos por grupos religiosos na esfera poltica. Antes, o que se quer pontuar a retirada de um Deus interessado, vivo, do atual pensar e fazer poltica de alguns cristos. Suas categorias prticas seguem revelia de um Deus ocupado das coisas dos homens. E ocupado com valores que podem no ser aqueles entregues soberania e correo do indivduo e do Estado. Afinal, de modo geral, a Bblia parece apoiar a ideia de que o nascituro considerado uma pessoa para Deus (x 21.22-25; J 3.3; Jr 1.5; Is. 49.1; Sl 51.5; Sl 139.13-16; Lc 1.15; Lc 1.39-56, Gl 1.15), seja pelo argumento de prescincia da pessoa em formao ou pelo reconhecimento de pessoalidade pelo continuum de uma identidade pessoal que se entende da concepo idade adulta.
Ao descartar esse debate que considera razes teorreferenciadas, as crists absorvidas pela poltica de reduo de danos acabam por se tornarem simples as da queda admica como qualquer outra pessoa parte de um Deus interessado. Perdem, assim, a oportunidade mpar de revelar princpios que vo para alm do fenmeno urgente. Pois no era isso que o prprio Cristo fazia quando colocado prova por seus interlocutores? Afinal de contas, viver a providncia divina parece algo como estar em uma relao que conjuga o todo da realidade, ressignificando (outro nome para evangelismo) o mundo atravs da uma Verdade atemporal e, por isso mesmo, perene e contracultural.
Ento, lembremos que Deus se ocupa, sim, das coisas dos humanos. E que esse o entendimento que sempre marcar a diferena entre os cristos e os destas de cada poca. Mesmo que estes por alguma sutileza prpria do seu tempo se reivindiquem como cristos.
Notas
1. David Hume, Histria Natural da Religio.
2. Immanuel Kant, Crtica da Razo Pura.
3. http://www.catolicasonline.org.br/.
4. Feminismo (s) e religio (es): aproximaes, ambiguidades e contradies com Maria Jos Rosado, sociloga e professora da Puc-SP. Instituto FL de Cultura. 16/06/2016
Isabella os formada em filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e membro da Igreja Esperana.
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>>Aborto: existe algum ponto, uma curva ou fronteira que marque a transformao do no humano para o humano?
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