Entre a falta de recursos e as teorias da conspirao: a difcil jornada da vacina na frica 2756

De norte a sul no continente africano os evanglicos percebem de modo diferente o impacto da pandemia, mas confirmam a chegada lenta das doses e a circulaco da desinformaco.

Por Jonatn Soriano

Embora a vacinao contra a Covid-19 continue seu curso na maioria dos pases da Amrica do Norte, Europa e Oceania, apesar de algumas controvrsias em relao a entregas de grandes medicamentos e prazos, na frica a situao diferente. Embora o impacto da pandemia no continente, at agora, tenha sido menor do que o registrado em outras regies, a nova onda est atingindo fortemente o territrio africano.

A proliferao da cepa de origem sul-africana, que algumas investigaes indicam ser 50% mais contagiosa e mais resistente aos anticorpos naturais, um dos fatores pelos quais, no ltimo ms de janeiro, se ultraou a marca de 35 mil infeces dirias no continente. A nova onda comeou no final de novembro e foi oficialmente confirmada pelo governo no incio de dezembro. Inicialmente, algumas provncias foram confinadas, como o Cabo Oriental e o Cabo Ocidental. Desde dezembro ela se espalhou por todo o pas e o aumento de infeces e mortes foram relatadas em toda parte. Os hospitais ainda esto cheios e saturados em algumas zonas crticas, explica o representante da Aliana Evanglica da frica do Sul (TEASA, em ingls), Aaron Mokabane.

No outro extremo do continente, no Egito, com apenas um quarto do nmero de mortes registradas na frica do Sul at agora, a pandemia vista de modo diferente. As pessoas no Egito no levam a pandemia to a srio quanto no Ocidente. Temos algumas restries, as escolas esto fechadas agora e as pessoas devem usar mscaras em locais pblicos. Alguns fazem isso e outros no, mas quando voc fala com as pessoas no Cairo, por exemplo, voc no tem a sensao de que estamos ando por uma epidemia, diz Ramez Atallah, diretor geral da Sociedade Bblica do Egito. Apesar de muitos estarem doentes, e apesar das mortes, no so nmeros comparveis aos dos Estados Unidos ou da Europa, e a vida continua a transcorrer normalmente, acrescenta.

A chegada da vacina mostra falta de recursos e desinformao
A frica do Sul acumula mais de 1,4 milho de infeces desde o incio da pandemia, e um total de 46.869 mortes. Uma semana aps ter adquirido um milho de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, o governo precisa refazer seu plano de vacinao porque um estudo preliminar indica que a eficcia do imunizante ingls, contra a nova cepa local, de apenas 10%. O governo anunciou seu plano de vacinao. Os grupos prioritrios incluem profissionais de sade e pessoas vulnerveis, diz Mokabane.

A Organizao das Naes Unidas prev que apenas 3% da populao do continente africano ter sido vacinada at o ms de maro, e 20% at o final do ano, graas iniciativa pblico-privada Covax, que visa facilitar o o vacina de forma igualitria em toda a populao mundial, e qual todos os pases do continente aderiram. De acordo com a plataforma Our World in Data, a taxa de vacinao na frica em 8 de fevereiro era de 0,04% da populao total. Um nmero insignificante quando comparado com 4,31% na Europa, 18,8% no Reino Unido, e 65,8% em Israel.

No realista chegarmos a 60% da populao imunizada em um ano, disse Phiona Atuhewbe, chefe de introduo de novas vacinas da Organizao Mundial de Sade na frica. Seriam necessrios 9,8 bilhes de euros, o que no temos, frisou. A situao, nas palavras do diretor dos Centros Africanos de Controle de Doenas (CDC), John Nkengasong, tornou-se "um problema moral", pois ser terrvel ver essa desconfiana entre o Norte e o Sul globais, em relao a um bem comum como so as vacinas.

Mas, alm da falta de recursos para a compra de vacinas, toda a sociedade africana tambm enfrenta, como est acontecendo em outras partes do mundo, a desinformao. H temores e ansiedades em relao vacina entre os cidados e, em alguns casos, at entre os profissionais de sade. Existem teorias da conspirao e desinformao circulando por a, e o governo iniciou uma campanha de comunicao para abordar preocupaes, medos, ansiedades e a desinformao sobre a vacina, informam desde a Aliana Evanglica da frica do Sul.

A entidade realizou um seminrio on-line em dezembro ado para iniciar um dilogo sobre a vacina. Uma das principais denominaes pentecostais, que membro da TEASA, a "Misso da F Apostlica" emitiu uma declarao abordando as preocupaes que as pessoas tm e a alegada teologia por trs de algumas teorias da conspirao", explica Mokabane.

Nesse comunicado, a denominao pentecostal lembra que estamos numa pandemia provocada por um vrus real e que focar na disseminao de teorias da conspirao , por si s, brincar com o mal. O maior perigo a maneira como as Escrituras so interpretadas, usadas, abusadas, para formar essas revelaes e teorias, dizem eles.

Nesse sentido, Mokabane lamenta que existam grupos evanglicos minoritrios que ainda esto preocupados, e parecem determinados a resistir aos planos de vacinao.
Esse debate no se limita ao contexto da frica do Sul, mas uma realidade em outros pases do continente. O Protestante Digital tambm contatou a Aliana Evanglica do Qunia (EAK, em ingls) para esta reportagem e a resposta obtida foi que os cristos evanglicos no pas ainda esto debatendo a questo da vacina como igreja.

Diferentes restries para as igrejas
As restries s reunies presenciais das igrejas evanglicas africanas so to variadas quanto o prprio continente. Do Egito, Atallah diz que as restries do governo s celebraes religiosas no tm sido obrigatrias para as igrejas. Cada denominao tomou suas decises, dentro das normas impostas pelo Ministrio da Sade, afirma.

Na frica do Sul, segundo informaes da Aliana, algumas igrejas protestantes histricas comearam a fechar medida que as infeces aumentaram, como resultado da nova onda. As demais igrejas foram foradas a fechar depois que o governo proibiu as reunies sociais e religiosas, exceto nos funerais, acrescentaram. Embora algumas comunidades tenham organizado alguma atividade presencial aps o Natal, desde o incio do ano, disse Mokabane, a maioria das igrejas limitou-se a servios on-line, diz Mokabane.

Jonatn Soriano graduado em jornalismo pela Universidade Rovira i Virgili, com especializao em comunicao de conflitos armados, paz e movimentos sociais pela Universidade Autnoma de Barcelona. Faz parte da equipe Protestante Digital desde maro de 2015.

Publicado originalmente no site Protestante Digital, no dia 10/2/2021. Reproduzido com permisso.

Traduzido por Reinaldo Percinoto Jr.