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09 de maro de 2007
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Deuses e homens 1yr66
Para quem vive a cristandade do nosso lado do planeta a salvao entendida, fundamentalmente, em termos jurdicos. A partir de uma leitura pouco imparcial das cartas do Apstolo, nossa tradio acabou concluindo que a salvao uma mudana de status legal, um indulto emitido pelo juiz em favor de quem concorda em dar crdito ao carter remissrio do sacrifcio do advogado.
No assim na metade oriental da cristandade, a igreja chamada de Ortodoxa e que gerou gente notvel como Dostoivski e Tolsti. Nossa igreja e a ortodoxa so gmeas separadas no muito depois do nascimento, mas que desde a ciso no conseguem entender direito as idias e o comportamento uma da outra. Por exemplo, ambas concordam que o homem carece de uma salvao que s Jesus pode dar mas discordam sobre de que Jesus salva o homem, e para qu.
Para os cristos ortodoxos, a essncia da salvao no est na justificao, mas na deificao (grego theosis) transformao de seres humanos em deuses. Nos documentos da igreja primitiva a deificao no merece menos destaque do que a justificao, mas a theosis como conceito teolgico no comparece no pensamento cristo ocidental h mais de mil anos.
O evangelho diz que a todos que acolheram sua encarnao Deus "deu o poder de se tornarem filhos de Deus". Tradicionalmente esse foi entendido como sendo o poder de nos tornarmos participantes da natureza divina. Essa a lgica da deificao, resumida numa nica frase de Irineu: "Se o Verbo tornou-se o homem foi para que homens se tornassem deuses".
Os ortodoxos e seus antecessores deixam claro, no entanto, que o milagre da deificao no est em tornar o cristo um deus independente e digno, ele mesmo, de adorao. Agostinho raciocina que, "se somos feitos filhos de Deus, somos da mesma forma feitos deuses", mas esclarece: "Deus quer fazer de voc um deus; no por natureza ou nascimento, mas por graa e por adoo". Atansio tambm opina que "somos como Deus por imitao, no por natureza".
A idia est em imitar Deus em sua revelao mxima, a pessoa de Jesus. Aqui est o mistrio: a deificao diz respeito muito mais a aprendermos a ser gente do que a ser deuses.
Joo Crisstomo (349-407), pregador de Antioquia que ajudou a cristalizar o que viria a ser o pensamento dos cristos ortodoxos sobre a deificao, ensinava que o mistrio da redeno est indelevelmente associado ao mistrio da encarnao. Isto , a salvao diz pelo menos tanto respeito vida de Cristo quanto sua morte. A encarnao, para Crisstomo, no s revelara Deus para a humanidade: revelara tambm a verdadeira humanidade para a humanidade. Imitar a legitimidade da vida terrena de Jesus infundir-se do sopro vital de Deus, o regenerador "esprito de Cristo" em letras tanto maisculas quanto minsculas. O fim da deificao (e, portanto, da salvao) restaurar no homem a imagem da divindade impressa nele por Deus na criao, imagem que Jesus estampou integralmente. Deus quer que sejamos deuses para que aprendamos finalmente a ser homens.
No pensamento ortodoxo a salvao instila uma mudana real na natureza humana; no se trata como normalmente cremos aqui no Ocidente de uma mudana relativa e temporria, a ser melhor implantada em momento oportuno. Para ns, o homem salvo da condenao; para os cristos ortodoxos, salvo da mediocridade. Para ns o homem salvo para viver com Deus um dia ; para os ortodoxos, salvo para viver como Deus hoje.
Nas palavras de Crisstomo:
"Visto que Cristo ascendeu ao cu sua carne tornou-se, como as primcias, o princpio dos que dormem. Ele abenoou a humanidade inteira atravs dessa nica carne e desse nico princpio. Antes, por causa do pecado, nada era mais abjeto do que o homem, enquanto agora nada mais honrado do que ele. Atravs do Cristo ressurreto e ascendido o homem vence a corrupo e adquire incorrupo. Vence a morte, porque a morte foi inteiramente abolida e no aparece em lugar algum, enquanto o homem adquire imortalidade e deificado. Deus e humanidade tornaram-se de fato uma nica raa."
A obsesso forense da igreja ocidental fez com que nos concentrssemos quase que exclusivamente nos mritos da morte de Cristo. O terrvel preo dessa nfase foi que perdemos de vista os mritos de sua vida e sua encarnao. Por deixarmos de considerar o carter do Jesus dos evangelhos, a teologia ocidental tornou-se eminentemente racionalista, intelectual e escolstica; perdeu contato com as necessidades da vida real e a espiritualidade do homem comum. Perdeu o dom de lavar ps e ensinar lavradores. Ocupou-se em entender a revelao racionalmente e explic-la com argumentos lgicos a uma audincia sofisticada. amos a crer que a salvao questo de uma aceitao intelectual da verdade, sem relao alguma com a vida real de Deus ou com a nossa.
Perdemos no processo o dom que Jesus veio nos conceder, o de sermos gente: agentes humanizadores num mundo desumano e deuses suplentes num mundo sem Deus. Como sempre acontece, o que nos falta voltar aos princpios mais fundamentais da humanidade de Jesus o Deus encarnado que escolheu chamar a si mesmo de Filho do Homem.
Paulo Brabo ilustrador, leitor compulsivo e mora em Campina Grande do Sul, Paran. www.baciadasalmultimato-br.diariomineiro.net
Leia o livro
A Espiritualidade na Prtica, Ronald Sider
Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja, Christopher Hall
No assim na metade oriental da cristandade, a igreja chamada de Ortodoxa e que gerou gente notvel como Dostoivski e Tolsti. Nossa igreja e a ortodoxa so gmeas separadas no muito depois do nascimento, mas que desde a ciso no conseguem entender direito as idias e o comportamento uma da outra. Por exemplo, ambas concordam que o homem carece de uma salvao que s Jesus pode dar mas discordam sobre de que Jesus salva o homem, e para qu.
Para os cristos ortodoxos, a essncia da salvao no est na justificao, mas na deificao (grego theosis) transformao de seres humanos em deuses. Nos documentos da igreja primitiva a deificao no merece menos destaque do que a justificao, mas a theosis como conceito teolgico no comparece no pensamento cristo ocidental h mais de mil anos.
O evangelho diz que a todos que acolheram sua encarnao Deus "deu o poder de se tornarem filhos de Deus". Tradicionalmente esse foi entendido como sendo o poder de nos tornarmos participantes da natureza divina. Essa a lgica da deificao, resumida numa nica frase de Irineu: "Se o Verbo tornou-se o homem foi para que homens se tornassem deuses".
Os ortodoxos e seus antecessores deixam claro, no entanto, que o milagre da deificao no est em tornar o cristo um deus independente e digno, ele mesmo, de adorao. Agostinho raciocina que, "se somos feitos filhos de Deus, somos da mesma forma feitos deuses", mas esclarece: "Deus quer fazer de voc um deus; no por natureza ou nascimento, mas por graa e por adoo". Atansio tambm opina que "somos como Deus por imitao, no por natureza".
A idia est em imitar Deus em sua revelao mxima, a pessoa de Jesus. Aqui est o mistrio: a deificao diz respeito muito mais a aprendermos a ser gente do que a ser deuses.
Joo Crisstomo (349-407), pregador de Antioquia que ajudou a cristalizar o que viria a ser o pensamento dos cristos ortodoxos sobre a deificao, ensinava que o mistrio da redeno est indelevelmente associado ao mistrio da encarnao. Isto , a salvao diz pelo menos tanto respeito vida de Cristo quanto sua morte. A encarnao, para Crisstomo, no s revelara Deus para a humanidade: revelara tambm a verdadeira humanidade para a humanidade. Imitar a legitimidade da vida terrena de Jesus infundir-se do sopro vital de Deus, o regenerador "esprito de Cristo" em letras tanto maisculas quanto minsculas. O fim da deificao (e, portanto, da salvao) restaurar no homem a imagem da divindade impressa nele por Deus na criao, imagem que Jesus estampou integralmente. Deus quer que sejamos deuses para que aprendamos finalmente a ser homens.
No pensamento ortodoxo a salvao instila uma mudana real na natureza humana; no se trata como normalmente cremos aqui no Ocidente de uma mudana relativa e temporria, a ser melhor implantada em momento oportuno. Para ns, o homem salvo da condenao; para os cristos ortodoxos, salvo da mediocridade. Para ns o homem salvo para viver com Deus um dia ; para os ortodoxos, salvo para viver como Deus hoje.
Nas palavras de Crisstomo:
"Visto que Cristo ascendeu ao cu sua carne tornou-se, como as primcias, o princpio dos que dormem. Ele abenoou a humanidade inteira atravs dessa nica carne e desse nico princpio. Antes, por causa do pecado, nada era mais abjeto do que o homem, enquanto agora nada mais honrado do que ele. Atravs do Cristo ressurreto e ascendido o homem vence a corrupo e adquire incorrupo. Vence a morte, porque a morte foi inteiramente abolida e no aparece em lugar algum, enquanto o homem adquire imortalidade e deificado. Deus e humanidade tornaram-se de fato uma nica raa."
A obsesso forense da igreja ocidental fez com que nos concentrssemos quase que exclusivamente nos mritos da morte de Cristo. O terrvel preo dessa nfase foi que perdemos de vista os mritos de sua vida e sua encarnao. Por deixarmos de considerar o carter do Jesus dos evangelhos, a teologia ocidental tornou-se eminentemente racionalista, intelectual e escolstica; perdeu contato com as necessidades da vida real e a espiritualidade do homem comum. Perdeu o dom de lavar ps e ensinar lavradores. Ocupou-se em entender a revelao racionalmente e explic-la com argumentos lgicos a uma audincia sofisticada. amos a crer que a salvao questo de uma aceitao intelectual da verdade, sem relao alguma com a vida real de Deus ou com a nossa.
Perdemos no processo o dom que Jesus veio nos conceder, o de sermos gente: agentes humanizadores num mundo desumano e deuses suplentes num mundo sem Deus. Como sempre acontece, o que nos falta voltar aos princpios mais fundamentais da humanidade de Jesus o Deus encarnado que escolheu chamar a si mesmo de Filho do Homem.
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