Crescimento evanglico estimula mercado que une consumo e religio 5q3752

(BBC) O crescimento dos evanglicos no Brasil, em especial no ramo pentecostal, provocou mais do que mudanas religiosas: fortaleceu um mercado econmico, que chama a ateno tanto de igrejas como da iniciativa privada.

De seu lado, as igrejas criaram estratgias de negcios. Algumas desenvolveram estruturas empresariais e planos de carreira; outras lanaram at cartes de crdito. E diversas montaram grupos e reunies em que estimulam os fiis a abrir negcios prprios e sanar suas finanas, com base na Teologia da Prosperidade - movimento que prega o bem-estar material do homem.

"ava uma vida de misria, comendo carcaa de frango", conta uma frequentadora da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), acrescentando que, depois que comeou a assistir s "reunies da prosperidade" semanais da igreja, "as portas comearam a se abrir". O depoimento exibido pela prpria IURD no YouTube.

Em outro vdeo, um fiel diz que seus negcios no deram certo at ele entrar para o culto. Depois de "sair das trevas", ele comprou "quatro, cinco casas", onde cabem "sete ou oito carros".

"A igreja um local de ritos, mas hoje tambm um espao de trocas e bens simblicos", diz Leonildo Silveira Campos, do departamento de Cincias Sociais e Religio da Universidade Metodista.

Mara Maravilha tem loja na Conde de Sarzedas, rua especializada em atender pblico cristo." voltada a pessoas cada vez menos preocupadas com questes transcendentais, e sim com o aqui e o agora. Para o novo pentecostal, o dinheiro no para ser acumulado como previa a tica protestante, mas para comprar o carro e o apartamento novo. Para se inserir no mercado de consumo."

Igrejas e empresas respondem a isso com produtos, que incluem cartes de crdito - emitidos pelas igrejas Internacional da Graa de Deus e Assembleia de Deus - e lanamentos constantes.

A rua Conde de Sarzedas, no Centro de So Paulo, se especializou em atender consumidores cristos. Ali, possvel comprar de bblias segmentadas a CDs, jogos de tabuleiro com temas bblicos e pacotes de turismo para Egito e Israel.

Pblico fiel
" um lugar onde as pessoas sabem o que querem consumir. um pblico fiel", diz BBC Brasil a cantora e apresentadora Mara Maravilha, que, h 15 anos convertida f evanglica, tem uma loja onde vende seus CDs e DVDs gospel na Conde de Sarzedas.

Daniel dos Reis Berteli, 29, da igreja Nazareno do Brasil, comprava livros, roupas e CDs evanglicos em uma loja ao lado. "Antes, no tnhamos essa variedade de livros", diz. "H uns 15 anos, minha me fazia lembrancinhas religiosas com cartolina. Hoje, est tudo mais profissional."

A percepo de que o setor caminhava rumo profissionalizao levou Eduardo Berzin Filho a promover a feira ExpoCrist, realizada h dez anos em So Paulo. Ele diz que a edio de 2010 atraiu 160 mil visitantes e expositores como editoras, gravadoras gospel, empresas de mobilirio para igrejas e at consultorias de gesto de templos.

O mais claro exemplo pentecostal de estratgia de negcios vem da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), que diz ter presena em mais de cem pases mais do que qualquer multinacional brasileira.

A IURD montou uma estrutura empresarial que faz de seus pastores "profissionais da religio, com metas de atrao e converso de fiis, de arrecadao (de dzimo) e de ampliao de recursos", afirma Ricardo Mariano, professor da PUC-RS e autor de um livro sobre a Universal.

Para os pastores, diz Mariano, "existe quase um plano de carreira, que permite que eles em para congregaes maiores, vo para outros pases e participem de programas de TV" se baterem as metas.

A IURD e outras seguem "os principais preceitos do marketing: preo, publicidade, praa (localizao de templos) e produto", opina Mario Ren, professor de Cincias do Consumo na ESPM e doutor em teologia prtica.

Os especialistas ressaltam que h traos de profissionalizao e mercantilizao tambm em outras religies s que eles esto mais evidentes nas pentecostais e neopentecostais por conta de sua exposio miditica e do prprio crescimento dos evanglicos no Brasil.

Segundo o estudo Novo Mapa das Religies, da FGV, os evanglicos representavam 20,2% da populao brasileira em 2009, contra 9% em 1991. Boa parte se concentra na emergente classe C.

Os pentecostais so por volta de 12% da populao, mas, segundo estudo prvio da FGV, respondem por 44% das doaes feitas s igrejas.
Doaes

Doaes
Agora, alm de solicitar "ofertas" para continuar a "obra de Deus", a Igreja Universal pede contribuies para financiar o Templo de Salomo - verso brasileira de um histrico templo em Israel.

Em um culto recente da igreja em So Paulo, o pastor exibia aos fiis um vdeo sobre o templo, que est sendo erguido na Zona Leste da cidade e custar R$ 350 milhes.

"Os (doadores) tero seus nomes colocados nas 640 colunas do templo", diz o pastor, pouco antes de serem entregues envelopes para doaes. "O bispo disse que um homem doou R$ 200 mil. Se voc no pode 200 mil, pode mil, pode 500. Doe de acordo com a sua f."

Alguns fiis apoiam o pagamento do dzimo e doaes desse tipo como forma de dar continuidade ao trabalho religioso.

Mara Maravilha, fiel da Universal, uma delas. Para a cantora, quem no paga a contribuio est "roubando de Deus" e "se o pastor vai fazer certo ou errado (com o dinheiro), isso no cabe mais" ao fiel.

"Graas a Deus que se abrem muitas igrejas. melhor do que abrir botequim", afirma Mara. "A gente, por mais que d, nunca vai conseguir dar mais do que Deus nos d."

Ela tambm rejeita as crticas de mercantilismo. "Os produtos tm efeito que no tem dinheiro que pague para uma pessoa sem esperana. Antes, eu vendia at revista masculina. Hoje, vendo a palavra de Deus. Estou errada hoje ou estava antes?"

Perigo
A executiva Mrcia Flix, 37, fiel da Igreja Quadrangular, tem opinio semelhante. Afirma que sua igreja incentiva seu crescimento e a realizao de seus sonhos e que o eventual enriquecimento de pastores no a incomoda.

"Busco primeiro o Reino de Deus e sua justia", argumenta a fiel evanglica. "Se tem quem rouba, cada um com Deus."

J Daniel Berteli, frequentador da Conde de Sarzedas, diz que considera a viso empresarial da religio "perigosa". "(Algumas igrejas) tm deixado o princpio de servir e viraram indstria."

O limite para a atuao das igrejas difcil de definir, levando-se em conta que tnue a linha que separa consumo e religio.

"No temos um compartimento mental para a religio", diz Mrio Ren, da ESPM. "Todos buscamos sentido, que pode ser atingido por espiritualidade, responsabilidade social, esoterismo e at pelo consumo."

Ren avalia ainda que, hoje, a prtica comercial praticamente inerente ao processo de angariar fiis para uma determinada crena.

"Posso abrir uma igreja com praticamente nada. E da, o que eu fao? Preciso de uma estratgia de marketing para ter sucesso, ento vou procurar um pastor carismtico e assim por diante", diz o pesquisador.

Para Ricardo Mariano, da PUC-RS, a questo se a narrativa do apelo prosperidade ter fora no longo prazo. "Se a soluo para os problemas (dos fiis) pontual, como engaj-los por um longo perodo? Isso no foi resolvido ainda."