No s evanglicos foram delatores e torturadores 13q3z

Poderamos contar histrias escabrosas de quando fomos perseguidos, presos e mortos pela ditadura militar (Inquisio Sem Fogueiras, J. D. Arajo). Houve muitos evanglicos envolvidos com denncia e tortura, na histria recente do Brasil. Escandalizam at os parentes dos pastores apontados como informantes e delatores. Abduzidos, presos, torturados, impedidos de trabalhar, exilados, perseguidos, fomos discriminados ideolgica e eclesiasticamente, no ambiente evanglico. Nenhuma denominao foi inocente, posso afirmar.

Parte da histria de cristos que foram vtimas da ditadura aterrissou na tera-feira, 14 de junho, no Ministrio Pblico Federal de So Paulo. O pastor presbiteriano brasileiro Charles Roy Harper, funcionrio do CMI por 22 anos, concedeu-me uma entrevista, que o leitor encontrar no livro que escrevo (Jaime Wright - O Pastor dos Torturados). O trabalho de repatriao dos documentos componentes do Projeto Brasil: Nunca Mais, sustentado em todos os sentidos por protestantes do Conselho Mundial de Igrejas, devolve ao Brasil aquilo que lhe pertence.

Cristos conhecem, hoje, a histria pioneira do ecumenismo no Brasil e, com ela, Jaime Wright, o presbiteriano que maior visibilidade teve na sociedade brasileira no sculo 20, com revelaes que ajudaram a derrubar a ditadura. preciso tambm esclarecer que no houve ajuda financeira das entidades catlicas, pois dom Paulo Evaristo Arns, que abrigou o grupo do projeto Brasil: Nunca Mais (e o do projeto CLAMOR!), era suspeito dentro da prpria comunidade, vigiado por colegas do episcopado. preciso tambm lembrar que foi ele e dom Alosio Lorscheider que foram a Roma defender Leonardo Boff, condenado ao silncio na ditadura. S protestantes do CMI financiaram os dois projetos, segundo afirmou dom Paulo Evaristo, que estava idoso e doente e no pode comparecer cerimnia da repatriao. Foi aplaudido mesmo assim, por vrios minutos.

A Igreja Catlica, tida como aliada de primeira hora do golpe de estado, teve 9 bispos, 84 sacerdotes, 13 seminaristas e 6 freiras, alm de 273 agentes de pastoral, presos, dos quais 34 sofreram tortura com choque eltrico, pau-de-arara e ameaas psicolgicas. Entre os religiosos, 400 presos, houve pessoas com leses fsicas e psicolgicas permanentes. O suicdio de Frei Tito, em funo da tortura, dos casos mais conhecidos. Como esse nmero se multiplicava s dezenas pela populao e sem a mdia, ideologicamente atrelada ao regime, viu-se a necessidade de levar denncias ao exterior (cf.Alc-Notcias/Clai-Brasil). Nenhuma igreja evanglica reclamou, no Brasil, de quaisquer dos pastores, seminaristas, presbteros e membros comuns, que foram perseguidos, presos ou torturados pela ditadura. Exceo para a PC-USA, sendo Jaime Wright coordenador da Misso Central do Brasil, responsvel por dezenas de igrejas presbiterianas.

So verdadeiras as referncias e muito mais amplas do que se pensa, como no caso do lder da juventude da IPB, membro da ecumnica UCEB Unio Crist de Estudantes do Brasil, Ivan Mota Dias. Ele foi preso e desapareceu em 1971. O reverendo Zwinglio, seu irmo, tambm preso, torturado e, posteriormente, exilado, lembra de observadores indo sua igreja para saber do comportamento de outros presbiterianos. Esperavam que ele delatasse algum, como vrios fizeram. O caso que mais chamou a ateno das organizaes crists protestantes do exterior foi o do presbtero Paulo Stuart Wright, da IPB de Florianpolis, SC, deputado cassado pela ditadura. Phillip Poter, secretrio geral do CMI (Conselho Mundial de Igrejas), tomou-o como smbolo entre os mrtires protestantes sob as ditaduras militares na Amrica Latina. Havia sido morto antes de 1973, provavelmente, como deps dom Paulo Evaristo Arns, que ajudara nas buscas: Sempre havia novas notcias dizendo que ele estava vivo; disseram que ele estava no Chile. Jaime Wright foi infatigvel na procura do irmo. As consequncias dessa procura resultaram na maior movimentao em favor dos direitos humanos realizada no Brasil.

Leonildo Silveira Campos, telogo presbiteriano e socilogo, era um seminarista na IPI e um dos mais envolvidos com a represso. Ficou dez dias preso em 1969. No se esqueceu de quem evangelizava e torturava ao mesmo tempo: Para os que desejam se converter, eu tenho a palavra de Deus. Para quem no quiser, h outras alternativas, dizia, apontando a pistola debaixo do palet. O assunto, porm, no se restringe a evanglicos delatores incontveis e torturadores, que ningum sabe como distinguir de outros que fizeram o mesmo: catlicos, espritas, umbandistas. Na verdade, foi responsvel a sociedade repressiva e covarde que acomodou-se ditadura. Mas importante revelar o quanto as denominaes evanglicas, sem nenhuma distino, apoiaram e serviram o poder militar naquele momento.

Informaes sobre as pessoas citadas como delatores e torturadores estaro disposio de quaisquer interessados, publicamente, na internet e nos rgos do Ministrio Pblico Federal. Foi criada a Comisso da Verdade, que vai atuar nesse sentido. O protestantismo ecumnico tambm se empenha agudamente no assunto.no entanto, notcias recentes tm preocupado.

A Operao Silenciamento est em andamento. O vice-presidente Michel Temer, o senador Jos Sarney e o ministro Nelson Jobim formam o bloco promotor da impunidade e do silenciamento. Pleiteiam o sigilo eterno sobre crimes contra a humanidade, cometidos nos pores da ditadura. A repatriao dos documentos do projeto Brasil: Nunca Mais no incomoda somente s igrejas evanglicas e catlicas omissas. Melhor silenciar, pensam alguns. Porm, nunca ouvimos tantos gritos, apesar das tantas velas apagadas nas tumbas dos torturados.