Curtindo Beatles com Jesus -- Deus no gospel 4452c

Rodrigo de Lima Ferreira

Converti-me h 21 anos, em 4 de fevereiro de 1988. A converso a Cristo promoveu uma verdadeira revoluo em minha vida. Experimentei o que significa o amor de Deus. Experimentei, tambm, o que significa sofrer por causa dessa nova f. Chacotas, zombarias, humilhaes tudo por causa daquele em quem comecei a crer.

No entanto, aprendi tambm a criar uma carapaa ao meu redor. Vi que talvez fosse melhor me proteger dos temidos ataques do mundo vivendo atrs de um muro de Berlim cultural, onde somente aquilo que fosse religiosamente aceitvel seria itido. O mais interessante que esse muro era seletivo. Barrava apenas msica e literatura, com exceo da literatura escolar, que era obrigatria. Enfim, aprendi a filtrar aquilo que vinha a mim de acordo com padres pr-estabelecidos por um ethos social vigente.

Aos poucos, vi essa carapaa contrair trincados e rachaduras. Por meio do pastorado, tive contato com vrias realidades no Brasil e fora dele. Em algumas, vi que pessoas que criaram uma carapaa ainda mais grossa do que a minha eram extremamente religiosas, mas que no experimentavam o frescor da graa do crucificado. Em vez disso, exalavam o bolor ftido da religiosidade morta e carcomida dos fariseus contemporneos de Jesus. Eram capazes de recusar a audio de alguma pea musical devido sua origem profana, mas tambm se recusavam a viver uma vida de amor cristo, preferindo substitu-la com regrinhas autoglorificantes. E isso tudo em nome de um Deus a quem conheciam s de ouvir falar.

Tive tambm a oportunidade de conhecer irmos de outros pases que agiam de modo diverso do meu. E vi que, mesmo na diferena cultural, aqueles eram irmos de valor, com o corao no reino, muito mais at do que eu, com todo o meu escudo confessional.

Nessa minha queda-de-brao cultural com Deus, compreendi melhor o que Paulo quis deixar registrado em Cl 2.20-23: Se morrestes com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanas, como se vivsseis no mundo, tais como: no toques, no proves, no manuseies (as quais coisas todas ho de perecer pelo uso), segundo os preceitos e doutrinas dos homens? As quais tm, na verdade, alguma aparncia de sabedoria em culto voluntrio, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas no tm valor algum no combate contra a satisfao da carne.

Finalmente, vi que estava querendo ser melhor e mais santo que o Senhor. Nessa minha paranoia eglatra, fechei os olhos para a realidade de que toda boa ddiva e todo dom perfeito vm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem no h mudana nem sombra de variao (Tg 1.17), incluindo, a, as boas ddivas culturais.

Diga-me de verdade, diga-me porque Jesus foi crucificado / Foi por isso que papai morreu? / Foi por voc? Foi por mim? / Ser que assisto muita TV? / Isto uma ponta de acusao em seus olhos? Esses no so versos de protesto de alguma banda crist que questiona a banalidade gospel de hoje em dia. So os versos iniciais da msica The post war dream, do Pink Floyd. Vejo hoje, portanto, que Deus est muito alm de nossas limitaes culturais. Ele pode usar, caso queira, uma pea teatral, um texto de jornal, uma msica para sua glria, independente da confessionalidade. Sua soberania nos mostra que Deus no gospel. Sua graa nos permite ver a sua beleza por meio da beleza artstica, seja ela evanglica ou no.

Enfim, a graa de Deus me mostra, entre outras coisas, que posso curtir boa msica, independentemente do rtulo, com o Senhor.


Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em misses urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO.